Acórdão nº 00098/14.4BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 23 de Abril de 2021
Magistrado Responsável | Helena Canelas |
Data da Resolução | 23 de Abril de 2021 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: A. (devidamente identificado nos autos) autor na ação administrativa especial que instaurou em 14/01/2014 (cfr. fls. 1 SITAF) no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em que é réu o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA – na qual impugnou o despacho de 01/07/2013 do Diretor Nacional Adjunto - Unidade Orgânica de Operações e Segurança - da Direção Nacional da Polícia de Segurança Pública, peticionando a sua anulação bem como a condenação do réu a deferir o pedido de concessão de licença de uso e porte de arma de classe B e a pagar-lhe o montante que vier a apurar-se em virtude dos danos causados com a prática do ato impugnado – inconformado com a sentença datada de 29/12/2015 (fls. 193 SITAF) do Tribunal a quo que julgou improcedente a ação, dela interpôs o presente recurso de apelação (fls. 230 SITAF), formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos: I. O acto de indeferimento impugnado nos autos é inválido, por violação de lei, a saber, do Regime Jurídico das Armas e suas Munições – Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.
-
Do confronto do disposto nos n.os 1 e 3 do seu artigo 13, verifica-se que no primeiro se estabelece o regime substantivo da concessão da licença, com o estabelecimento dos requisitos a preencher, enquanto no segundo se fixam as formalidades procedimentais a cumprir para o efeito, resultando do elemento sistemático que o trecho final do preceito do n.º 3 («bem como a justificação da pretensão, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 14.º») não pode ser visto como mais um requisito substancial, a acrescer aos enunciados sob o n.º 1, antes se configurando como uma exigência procedimental, de simples prova do requisito substancial imposto pela referida norma do n.º 1.
-
Efectivamente, a disposição do art. 14-1/b é, no contexto em que se insere (de concessão da licença B1) um requisito ad substantiam; todavia, quando chamada a intervir, por simples remissão da estatuição do art. 13-3, ela degrada-se em mera exigência probatória do requisito enunciado sob o art. 13-1.
-
Por outras palavras: a demonstração da necessidade da licença deixa de ser um conceito indeterminado (que o é, na economia do art. 14) e equivale, tão-só, à comprovação de que o requerente teve direito, durante, pelo menos, quatro anos, ao uso e porte de arma da categoria B e de que esse direito cessou por razões que não as elencadas sob o n.º 2 do mesmo artigo.
-
Em abono desta interpretação (única que não esvazia de sentido útil a disposição do art. 13-1, porque, de outro modo, o universo dos destinatários da norma aí contida não se diferenciaria dos requerentes de licença abrangidos pelo regime geral) concorre, ademais, o elemento teleológico, porquanto o risco pessoal não se extingue com a mera cessação do desempenho de funções (basta ver, aliás, e para além do mais, que ainda no presente o Recorrente é chamado a depor em processos judiciais, em virtude do envolvimento que teve, como Fiscal Municipal, em variadas situações).
-
O acto impugnado está, por conseguinte, inquinado de violação de lei, por erradas interpretação e aplicação dos preceitos dos arts. 13-1-3 e 14-1/b da referida Lei.
-
Ao julgar no sentido oposto, a douta sentença recorrida incorreu em erro de Direito, por ofensa desses mesmos preceitos, bem como do do art. 9.º do Cód. Civil.
-
Acresce que o teor do ofício de 29-Agosto-2011 (doc. 9 junto ao libelo) consubstancia um verdadeiro acto implícito de deferimento do pedido de licença apresentado pelo Recorrente, condicionado, unicamente, à satisfação da taxa de serviço e à devolução do formulário de digitalização, devidamente assinado (condições essas que, como o processo administrativo demonstra, foram cumpridas).
-
Diferentemente do alegado pelo Recorrido, a taxa que aí se reclama não se destina a dar início ao processo (essa havia sido paga em 2007), mas, como expressamente se afirma naquele documento, é (parte complementar da) taxa para «a emissão da Licença de Uso e Porte de Arma» [sic].
-
Validamente proferido, no uso de poderes discricionários, tal acto, ao deferir pretensão deduzida pelo Administrado, tem de qualificar-se como constitutivo de direitos, pelo que só pode ser revogado «quando todos os interessados dêem a sua concordância à revogação» (art. 140, CPA).
-
A revogação operada pelo acto impugnado é, pelo exposto, violadora dos preceitos dos arts. 2.º, 4.º, 6.º, 6.º-A e 140 do CPA, na redacção em vigor à data dos factos.
-
Ao decidir diversamente, a douta sentença impugnada enferma de erro de Direito, por erradas interpretação e aplicação desses mesmos preceitos.
SEM PRESCINDIR: XIII. De todo o modo, o Autor-Recorrente invocou e provou factos que sempre preencheriam o conceito indeterminado contido na estatuição do art. 14-1/b, como se tivesse requerido a licença na qualidade de cidadão comum.
-
Na verdade, com a alegação e demonstração (nomeadamente, pelas declarações da Senhora Directora do Departamento Municipal de Recursos Humanos, do Município de Vila Nova de Gaia, datadas de 03-Março-2010 e de 11-Julho-2011 – que não podem ser postas em causa) da necessidade de andar armado, o Recorrente acabou por provar o risco que a Lei já plenamente presume.
-
Por outro lado, nenhum facto anterior impedia ou desaconselhava a emissão da licença; nomeadamente, ao longo de quase três décadas de porte da arma, o Recorrente nunca fez dela um uso ilegítimo ou reprovável, nem sequer houve, a esse respeito, queixa alguma.
-
Decorre do alegado que o Despacho impugnado viola o comando do art. 14-1/b, mesmo que se entendesse que ele deve ser interpretado no sentido em que o é na apreciação do pedido de licença formulado por um cidadão comum.
-
O Tribunal a quo, ao apreciar esta matéria, procedeu a uma indevida associação entre duas circunstâncias distintas e autónomas: a dos riscos pessoais em que o Recorrente continua a incorrer por causa das suas funções de fiscal municipal, apesar de estas terem cessado, e a dos riscos que corre ao prestar ajuda ao seu filho no desenvolvimento da sua actividade comercial, nomeadamente ao ser portador de avultadas quantias monetárias.
-
A primeira daquelas circunstâncias é a razão fundamental da pretensão formulada, sendo a segunda um simples plus, que não pode prejudicar a primeira.
-
Nada se diz, na douta sentença em exame, quanto aos motivos por que o primeiro daqueles riscos, que é óbvio e inerente à natureza das coisas, não se verificaria no caso vertente – e isso, só por si, devia ter conduzido à procedência da acção, pois o único requisito em falta, segundo o Demandado-Recorrido e segundo o TAF, era o da demonstração da necessidade da licença, por motivos de defesa pessoal ou de propriedade.
-
Por todo o exposto, a douta sentença fez erradas interpretação e aplicação do preceito do art. 14-1/b do Regime Jurídico das Armas e suas Munições.
Termina pugnando pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que julgando procedente a ação condene a entidade demanda nos termos peticionados.
*Não foram apresentadas contra-alegações (cfr. fls. 259 ss. SITAF).
*Remetidos os autos em recurso a este Tribunal Central Administrativo Norte, neste notificado, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º, o Digno Magistrado do Ministério Público não emitiu Parecer (cfr. fls. 280 SITAF).
*Redistribuídos (cfr. Despacho nº 1/2019 de 04/01/2019 do Exmo. Senhor Juiz Desembargador Presidente deste TCA Norte) foram os autos submetidos à Conferência para julgamento, com dispensa de vistos.
**II. DAS QUESTÕES A DECIDIR/DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões do recurso a questão essencial a decidir é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, com violação dos artigos 13º nºs 1 e 3 e 14º nº 1 alínea b) do Regime Jurídico das Armas e suas Munições (Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro), do artigo 9º do Código Civil, dos artigos 2.º, 4.º, 6.º, 6.º-A e 140º do CPA, em termos que, ao invés de julgar improcedente a ação a deveria ter julgado procedente.
** III. FUNDAMENTAÇÃO A – De facto O Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade, assim vertida ipsis verbis na sentença recorrida: 1) Em 27 de fevereiro de 2002 o Diretor do Departamento de Armas e Explosivos emitiu autorização de uso e porte de arma de defesa n.º 253/02, válida até 01/12/2006, relativa à arma de calibre 7,5 mm, marca BRNO, n.º 011220 (fls. 8 do p.a. apenso ao suporte físico do processo).
2) Em 6 de dezembro de 2006 o A. formulou o pedido de renovação da licença de uso e porte de arma tipo B, o que justificou “(…) em virtude de ter exercido funções de coordenador da fiscalização municipal da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, durante trinta anos, e ainda atualmente diversas vezes ser chamado aos tribunais de várias comarcas, devido aos processos que ainda se encontram a aguardar julgamento (e) teve que enfrentar marginais e pessoas que não pretendiam cumprir a Lei, pelo que muitas dessas pessoas gostariam de fazer justiça pelas próprias mãos razão que o leva a pensar que necessita de continuar a andar armado a fim de repelir qualquer tentativa de agressão. (…) (fls. 2 e 2 verso do p.a.).
3) A acompanhar o pedido de renovação da licença de uso e porte de arma, o A. juntou declaração pessoal, sob o compromisso de honra, declarando estar em pleno uso de todos os direitos civis e políticos, juntou certificado do Registo Criminal, cópia do B.I, atestado médico, livrete de manifesto da arma n.º I765822 e a licença de autorização para uso e porte de arma de defesa referido em 1) (fls. 3 a 9 verso do p.a.).
4) Em 12 de fevereiro de 2007, o A. entregou na...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO