Acórdão nº 305/11.5BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 11 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelMÁRIO REBELO
Data da Resolução11 de Março de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: RECORRENTE: M..........

RECORRIDO: Autoridade Tributária OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pelo MMº juiz do TT de Lisboa que julgou improcedente a Impugnação Judicial deduzida por M..........

, contra a decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa n.°……….., deduzida, contra a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), n.°……………, relativa ao ano de 2004, no montante a pagar de € 29 824,93.

CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES: 1. Vem o presente recurso interposto da sentença que negou provimento à impugnação judicial deduzida pela aqui Recorrente na sequência de despacho de indeferimento do recurso hierárquico apresentado com referência à liquidação oficiosa de IRS de 2004.

  1. A Recorrente não se conforma e considera ter havido uma incorrecta apreciação das questões jurídicas suscitadas, originando, assim, uma decisão passível de correcção por via do presente recurso.

  2. De acordo com a matéria de facto provada, a Recorrente vendeu, em 2004, dois prédios sitos na freguesia de São Bartolomeu de Messines, concelho de Silves, correspondentes aos artigos 268 e 294 da referida freguesia - alínea E) do elenco de factos provados.

  3. Tais prédios faziam parte da herança aberta por óbito da Mãe da Recorrente, ocorrido a 28/03/1991, tendo sido adjudicados à Recorrente por escritura de partilha outorgada a 10/10/2003, no âmbito da qual a Recorrente pagou tornas no montante de € 16.661,04 - alíneas A) a D) do elenco de factos provados.

  4. Tendo por base estes factos, a Recorrente questionou, em primeira linha, o entendimento da Autoridade Tributária (“AT”) quanto à determinação do momento aquisitivo.

  5. Na óptica da Recorrente, haveria apenas um momento aquisitivo: a abertura da sucessão por via do óbito de sua Mãe, ocorrido em Março de 1991; ao invés, a AT considerava haver dois momentos de aquisição: (i) 1991, ano da abertura da sucessão e (ii) 2003, ano da partilha dos imóveis.

  6. Este diferente enquadramento traduziu-se na errada quantificação da matéria colectável em virtude do erro na aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda, nos termos e para os efeitos do art. 50.° do CIRS.

  7. Quanto a este ponto concreto, o Meritíssimo Juiz a quo considerou que “No caso em apreço, resulta provado que na partilha da herança de sua mãe, foram adjudicados à Impugnante (herdeira), bens que excederam o valor do seu quinhão hereditário, pelo que deu tornas aos restantes herdeiros".

  8. Assim e tomando por base a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul, de que é exemplo o acórdão invocado de 07/06/2018, proferido no proc. 5/09.6BESNT, o Meritíssimo Juiz a quo decidiu que “Assim e nos termos da jurisprudência citada, com a qual se concorda, resta concluir que a aquisição dos 2/3 dos imóveis que a Impugnante alienou em 2004, ocorreu em 2003, da data da partilha".

  9. O Meritíssimo Juiz a quo validou, assim, a posição da AT, indeferindo a pretensão da Recorrente.

  10. Sucede que, no entender da Recorrente, este entendimento está em frontal contradição com as regras do Código Civil e o quadro legal em matéria de direito sucessório e direito de propriedade.

  11. Com efeito, dispõe o art. 2119.° do Código Civil que “feita a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram adjudicados, sem prejuízo do disposto quanto a frutos".

  12. Sobre o que significa em concreto este artigo, escreve PEREIRA COELHO, Sucessões, 2.a Ed., 1968, págs. 247 e segs., “Discute-se na doutrina se a partilha tem carácter declarativo ou constitutivo. A primeira solução é a que melhor se ajusta às disposições do Código. A partilha é um negócio certificativo, um negócio que se destina a tornar certa uma situação anterior. Cada um dos herdeiros já tinha direito a uma parte ideal da herança antes da partilha; através da partilha, esse direito vai concretizar-se em bens certos e determinados. Mas, no fundo, o direito a bens determinados que existe depois da partilha, é o mesmo direito a bens indeterminados que existia antes da partilha; é o mesmo direito, apenas modificado no seu objecto. Como consequência ou conexão com esta construção doutrinal, o Código estabelece o princípio da retroactividade da partilha, que está expresso no art. 2119.°.’’ 14. Também sobre a natureza jurídica da partilha, escreve RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, Lições de Direito das Sucessões, Vol. II, 3.a Edição, Coimbra Editora, pág. 239, “Assim, a nossa partilha hereditária tem um carácter marcadamente declarativo, limitando-se a determinar ou a materializar os bens que compõem o quinhão hereditário de cada herdeiro na herança até então indivisa, quinhão esse adquirido com a aceitação da herança, a qual, como vimos (...) é retroagida ao momento da abertura da sucessão. Cada um dos herdeiros receberá directamente os seus direitos do defunto e não dos restantes co-herdeiros, não tendo a partilha um carácter constitutivo ou translativo pois a aquisição hereditária não decorre de recíprocas alienações e aquisições entre os co-partilhantes".

  13. Continua ainda este A. (cfr. obra citada, pág. 241), concluindo que “Dado ainda o carácter declarativo e não constitutivo ou translativo da partilha, esta não opera a transferência da propriedade, pelo que as consequências próprias dos actos jurídicos de carácter translativo ou constitutivo são inaplicáveis ao acto de partilha” (2) .

  14. Este mesmo entendimento é confirmado pela jurisprudência de que é exemplo o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 7/6/1994, proc. n.° 36/94, disponível no BMJ, n.° 438, pág. 565.

  15. E é exactamente para dar concretização plena a este quadro legal que a AT fez publicar a Circular n.° 21/92, fixando o entendimento que “o momento de aquisição dos bens por sucessão mortis causa é o da abertura da sucessão, ainda que na partilha sejam adjudicados aos herdeiros bens de valor superior aos da sua quota ideal".

  16. Acresce que este tem sido também o entendimento do Supremo Tribunal Administrativo de que é exemplo o acórdão de 07/03/2018, proferido no proc. n.° 0917/17.

  17. Em face do exposto, fácil se torna concluir que a decisão do Meritíssimo Juiz a quo quanto à determinação do momento aquisitivo dos imóveis em causa por parte da Recorrente está incorrecta, violando o disposto no art. 2119.° do Código Civil na medida em que desconsidera os efeitos retroactivos da partilha, ainda que nesta sejam adjudicados ao herdeiro bens que excedam a sua quota hereditária.

  18. Como se refere no acórdão citado, o momento aquisitivo é um e só um, o que, no presente caso, leva a concluir que o momento aquisitivo por parte da Recorrente teve lugar apenas uma vez: a 28/03/1991, sendo este o momento fiscalmente relevante.

  19. Assim, resta concluir pela improcedência do entendimento do Meritíssimo Juiz a quo - bem como da própria AT - neste ponto, revogando a decisão recorrida e, em consequência, declarando o erro na determinação do rendimento colectável em resultado da aplicação do coeficiente de desvalorização da moeda incorrecto.

  20. Sem prejuízo do exposto, entendeu ainda a Recorrente que a forma de aquisição dos imóveis alienados - por via sucessória - é, também, relevante porquanto tem impacto quanto à determinação dos termos e condições em que os bens são transferidos, nomeadamente no que se refere aos benefícios fiscais e isenções que a eles estivessem associados.

  21. Com efeito, nos termos do art. 2024.° do Código Civil “Diz-se sucessão o chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que a esta pertenciam".

  22. Como referem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Vol. VI, Coimbra Editora, págs. 2 e seguintes “A sucessão mortis causa, aberta com a morte do de cuius, principia realmente por um acto de chamamento do sucessor (...) que o artigo 2024.° caprichou em destacar, para afastar decididamente a ideia de que a sucessão hereditária seja considerada pelo Direito como uma simples transmissão ou transferência de bens de uma pessoa (falecida) para outra (que lhe sobrevive)’’.

  23. Continuam ainda estes AA., defendendo que “É que (...) na sucessão hereditária não são propriamente os bens que se deslocam (ou trans + mittunt) do património de uma pessoa para o de outra, mas sim o sucessor (especialmente o herdeiro, o heres) quem é chamado a ocupar o lugar - o trono, a posição de titular, a antiga persona - do finado. É essa a ideia essencial que através do termo succedere (sub cadere), escolhido para apadrinhar o fenómeno, os juristas romanos clássicos pretenderam exprimir.” 26. Assim sendo - como é! - há que considerar que, no caso em apreço, a Recorrente, na qualidade de herdeira, sucedeu na posição jurídico-tributária de sua Mãe, anterior titular dos imóveis identificados.

  24. E essa posição jurídico-tributária da falecida estava definida tendo em conta a isenção prevista no n.° 1 do art. 5.° do Decreto-Lei n.° 442-A/88, de 30 de Novembro.

  25. Com efeito, os imóveis identificados haviam sido adquiridos pela falecida em data anterior a 01/01/1989 pelo que, caso fossem vendidos pela falecida, os ganhos ou mais valias que esta obtivesse estariam isentos de tributação em iRs por preenchimentos dos requisitos de aplicação da referida norma.

  26. No entender da Recorrente, correspondendo esta norma a uma verdadeira isenção de tributação, ela consubstanciaria um efectivo direito subjectivo da falecida enquanto titular dos imóveis identificados.

  27. Como refere ALBERTO XAVIER, Manual de Direito Fiscal, pág. 294, “A isenção - ou, por outras palavras, a verificação do facto impeditivo em que ela se traduz - gera para o contribuinte um verdadeiro direito subjectivo - o direito à isenção, que integra a situação jurídica complexa, o status do contribuinte isento".

  28. Mais defende este A. (cfr. obra...

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