Acórdão nº 342/20.9BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 04 de Março de 2021
Magistrado Responsável | DORA LUCAS NETO |
Data da Resolução | 04 de Março de 2021 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório O INFARMED - AUTORIDADE NACIONAL DO MEDICAMENTO E PRODUTOS DE SAÚDE, I.P e a contrainteressada R..., LDA, interpuseram recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, de 04.11.2020, que julgou procedente a providência cautelar intentada por FARMÁCIA C..., S.A., contra o INFARMED - AUTORIDADE NACIONAL DO MEDICAMENTO E PRODUTOS DE SAÚDE, I.P., tendo em vista a suspensão de eficácia da deliberação por este último proferida, nos termos da qual considerou apto o pedido de transferência da Farmácia do C..., explorada pela R..., LDA.
Nas alegações de recurso que apresentou, o Recorrente INFARMED - AUTORIDADE NACIONAL DO MEDICAMENTO E PRODUTOS DE SAÚDE, I.P (INFARMED) culminou com as seguintes conclusões – cfr. fls. 1000 e ss., ref. SITAF: «(…) 1.ª O douto Tribunal a quo errou ao considerar verificados os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, nomeadamente porque o douto Tribunal a quo considerou que aquele primeiro requisito se verificava com base num vício de um outro ato que não o ato suspendendo, e considerou a verificação do segundo requisito referido com base em factos que não foram nem alegados nem provados pela ora Recorrida.
i) Do Fumus Boni Iuris 2.ª O douto Tribunal a quo tomou a decisão relativa à verificação do requisito do fumus boni iuris com base num ato que não foi colocado em causa nos presentes autos.
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Efetivamente, e não obstante a ora Recorrida ter requerido nos presentes autos a suspensão do ato, praticado pelo INFARMED em 16.01.2020, que autorizou a transferência da farmácia da Contrainteressada da Rua J..., União das Freguesias de A dos Cunhados e Maceira, concelho de Torres Vedras, distrito de Lisboa, para a Rua F..., freguesia da Ericeira, concelho de Mafra, distrito de Lisboa; 4.ª o douto Tribunal a quo considerou verificado o requisito do fumus boni iuris por considerar que o ato que aprovou a transferência da mesma farmácia da Rua S..., União das freguesias de Torres Vedras e Matacães, concelho de Torres Vedras, para a Rua J..., União das freguesias de A dos Cunhados e Maceira, concelho de Torres Vedras, praticado em 14.11.2018, é ilegal.
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Isto porque, o douto Tribunal a quo, tal como a Recorrida, considerou que a ora Contrainteressada só efetuou essa transferência de forma a que pudesse ter reunidos os requisitos previstos no artigo 2.° da Lei 26/2011, para efetuar uma transferência para um município limítrofe a Torres Vedras.
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Acontece que, nos presentes autos não foi posto em causa o ato tomado pelo INFARMED em 14.11.2018, já que a ora Recorrida apenas requereu a suspensão de eficácia do ato tomado pelo INFARMED em 16.01.2020, pelo que aquele ato não está aqui em discussão.
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Sendo que, o referido ato em nada contagia o ato suspendendo, porquanto o ato em crise nos presentes autos é resultado de um procedimento administrativo absolutamente autónomo e próprio.
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Além disso, nos termos dos artigos 161.° e 163.° do CPA, desvalor do vício que o douto Tribunal a quo considerou que o ato praticado pelo INFARMED em 14.11.2018, pode sofrer é meramente a anulabilidade, pelo que, no caso hipotético de o referido ato padecer desse vício, não contagiaria o ato suspendendo.
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Acresce que, nos termos do artigo 58.° do CPTA, há muito que caducou o direito da ora Recorrida para impugnar o ato praticado em 14.11.2018.
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Em todo o caso, e por mero dever de patrocínio, sempre se diga que o INFARMED estava vinculado a praticar o ato, praticado em 14.11.2018, que autorizou a transferência da Farmácia do C... para a Rua J..., União das freguesias de A dos Cunhados e Maceira, concelho de Torres Vedras.
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Isto porque, ao abrigo do artigo 26.° do DL 307/2007, e nos artigos 2.° e 20.° a 25.° da Portaria 352/2012, i) a ora Contrainteresada apresentou todos os documentos previstos no artigo 20.°/1 da Portaria 352/2012, de forma a atestar a aptidão do local, do espaço e do quadro farmacêutico, e a ii) a Câmara Municipal de Torres Vedras emitiu parecer favorável, nos termos do artigo 26.°/3 do DL 307/2007.
ii) Do Periculum in Mora 12.ª Desde logo, o douto Tribunal a quo errou na análise que efetuou quanto ao requisito do periculum in mora porque deu como provados factos que não foram devidamente provados, em especial o facto constante do ponto 37.
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No referido ponto, o Tribunal a quo deu como provado que o mercado de farmácias de oficina na Ericeira carecia de pouca “elasticidade”.
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Porém, e conforme referido pelo douto Tribunal a quo, quem atestou esse facto foi a testemunha que é ROC da Recorrida e que, por ser ROC e não especialista em matérias de mercado de farmácias de oficina, se limitou a dar a sua opinião pessoal e não a atestar a verificação de um facto.
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Acresce que a Recorrida apenas conseguiu efetuar prova sobre qual a sua situação económica e financeira, não tendo apresentado quaisquer dados concretos que demonstrassem que a transferência da Farmácia C... irá causar-lhe perda de clientela e que porá em risco a viabilidade económica da sua farmácia ou das farmácias daquela zona.
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Sendo que, e acompanhando os acórdãos proferidos por este Venerando Tribunal Central Administrativo nos processos n.°s 07361/11 e 218/13.6BEBRG, a mera abertura de uma farmácia não acarreta obrigatoriamente a perda de clientela para as farmácias já em funcionamento na mesma localidade.
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Isto porque, a lei do mercado não se aplica aos estabelecimentos de farmácia da mesma forma que se aplica a outros estabelecimentos comerciais, uma vez que, dado o seu objeto de atividade, a confiança que se tem na farmácia e no farmacêutico é o fator mais determinante para a escolha racional do utente.
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Acresce que, a Farmácia C... situar-se-á a mais de 350 metros da farmácia mais próxima e a mais de 850 metros da farmácia da Recorrida, isto é, a uma distância que o legislador considerou que apta a defender a saudável e são concorrência entre farmácias, de forma a garantir a sustentabilidade económica das farmácias de oficina.
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Por outro lado, nos termos do artigo 2.°/1/a) da Portaria 352/2012, a capitação do concelho de Mafra é superior à capitação legalmente estabelecida, pelo que, mesmo sem a transferência ora em causa, o INFARMED poderia sempre determinar a abertura de concurso para instalação e abertura de nova farmácia naquele local.(…).» Por seu turno, a Contrainteressada, ora Recorrente R..., LDA, nas alegações de recurso que apresentou, concluiu como se segue – cfr. fls. 1113 e ss., ref. SITAF: «(…) 1. A Recorrente impugna a decisão tomada pela sentença recorrida, quanto à matéria de facto, relativamente aos §§ 31, 32, 33, 34, 35, 36 e 37 da matéria como provada, nos termos do artigo 640.°, n.° 1, alíneas a), b) e c), e n.° 2, alínea a), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 140.°, n.° 3, do CPTA, por não existir qualquer prova documental junta aos autos que ateste a prestação de contas certificadas da Recorrida, que é exigida pelos artigos 2.°, n.° 3.°, n.° 1, alínea n), 15.°, n.°s 1 e 4, e 42.°, n.°s 1 e 2, do Código do Registo Comercial, incluindo o Balanço exigido pelo artigo 62.° do Código Comercial de 1888 (de Veiga Beirão), na redação que lhe foi conferida, até pelo Decreto-Lei n.° 76-A/2006, de 29 de Março, e a respetiva escritura comercial, que deve ser conservada durante 10 (dez) anos, de acordo com o artigo 40.° desse mesmo diploma codificador.
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Mais impugna a decisão recorrida porque os §§ 31, 32, 33, 34, 35, 36 e 37 da matéria provada foram integral e exclusivamente provados com base num único testemunho do Revisor Oficial de Contas que é remunerado pela Recorrida, que — conforme melhor se demonstrou nas alegações — revelou uma absoluta falta de credibilidade relativamente ao conhecimento dos factos que teriam de fundamentar um dos critérios essenciais de decretação da providência cautelar: o “periculum in mora”, que depende de um juízo de probabilidade reforçada ou de quase certeza (assim, ver MOITINHO DE ALMEIDA, Providências cautelares não especificadas, Coimbra Editora, 1979, p. 22; ISABEL CELESTE FONSECA, Introdução ao Estudo Sistemático da Tutela Cautelar no Processo Administrativo, Almedina, 2002, p. 112).
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Não pode, nem deve esquecer-se nem a necessidade de assegurar um juízo de probabilidade reforçada acerca desse “periculum in mora”, nem, muito menos, a circunstância de que a prova de factos tão concretos e precisos quanto o valor do volume de negócios (isto é, da faturação) anual da Recorrida e do prejuízo sofrido ou a sofrer com a transferência da farmácia da Recorrente exigiria muito mais do que um único testemunho de uma pessoa, ainda para mais quando a mesma é remunerada há mais de 15 (quinze) anos pela Recorrida e, com ela, estabeleceu uma relação de proximidade e de confiança [cfr. passagens entre 00:04:14 e 00:04:28 e entre 00:23:33 a 00:23:50].
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Mais se impugna a decisão recorrida visto que a mesma não deu por provado que houvesse um risco de a Recorrida sofrer prejuízos de difícil reparação e que, em simultâneo, esses prejuízos pudessem ser especificamente imputados à transferência e à abertura de uma nova farmácia, pela Recorrente, na Ericeira, uma vez que: (A) O § 34 apenas afirma que uma hipotética diminuição da faturação implicaria a neutralização do lucro líquido de 3% do (alegado) volume de negócios anual médio — que, segundo o § 33. equivaleria, portanto, aos referidos 3% e, portanto, a cerca de 60.000,00 € —, não provando, aliás, como é que a perda de faturação de 500.000,00 € a 600.000,00 € de faturação apenas conduz a uma perda de 60.000,00 € no resultado líquido anual da Recorrida; (B) O § 34 não poderia ter sido dado como provado, visto que, nem a única testemunha que se pronunciou sobre aquele facto, nem qualquer outra prova — seja ela documental ou pericial — demonstram a credibilidade dos números lançados, apenas na audiência de julgamento, sobre a mesa; (C) Nem o § 34, nem...
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