Acórdão nº 659/20.2BELRA de Tribunal Central Administrativo Sul, 11 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelPATRÍCIA MANUEL PIRES
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

I-RELATÓRIO J....., LDA, (doravante Recorrente) veio interpor recurso jurisdicional dirigido a este Tribunal tendo por objeto a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente a reclamação que visava a anulação do despacho proferido pelo Coordenador da Secção de Processo Executivo de Leiria do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social I.P. (IGFSS), que indeferiu o pedido de declaração de prescrição da dívida por si formulado no âmbito dos processos de execução fiscal nºs ..... e apensos.

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem: “ I. Os meios probatórios obtidos no presente processo impunham decisão oposta à ora recorrida.

  1. A Recorrente considera, assim, que o ponto 1 da matéria de facto dada como não provada deveria ter sido dado como provado razão pela qual se considera que foi incorretamente julgado, impugnando-se a decisão que a esse ponto concerne.

  2. Assim, o presente recurso prende-se tão só em sindicar o direito aplicado pelo tribunal a quo com repercussão na matéria relativamente ao facto 1. considerado como não provado na douta sentença.

  3. É pedra de toque do presente Recurso a análise dos efeitos da Interrupção do prazo de interrupção a prescrição relativamente ao caso sub iudice.

  4. Tem sido defendido pela doutrina, acompanhada pela jurisprudência do STA e até do Tribunal Constitucional, o denominado efeito duradouro da interrupção, tratando-se inclusivamente da posição sufragada na sentença recorrida.

  5. Face ao exposto entende o douto tribunal a quo que a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa, bem como a citação em processo de execução (cf. artigo 49.º, n.º 1 da LGT) interrompem o prazo no momento em que ocorrem, mas o prazo apenas começa a correr com o fim do processo.

  6. Em resumo, é entendido que o prazo, interrompido, apenas começa a sua contagem com o trânsito em julgado da decisão respectiva.

  7. No entanto discordamos deste entendimento, à semelhança de Sérgio Gonçalves do Cabo (ob. cit.).

  8. A interrupção, como regra, tem como efeito aquele que poderemos chamar de efeito instantâneo, ou seja, verificado o facto, o prazo de prescrição interrompe e recomeça, nesse momento, desde o início, tal como decorre do artigo 326.º, n.º 1, do CC. E não conseguimos encontrar argumentos para sustentar o contrário.

  9. A reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa interrompem o prazo. Mas não conseguimos retirar na letra da norma, como defende aquela doutrina, nem tão pouco do espírito do legislador, que estes meios contenciosos provocam o efeito duradouro da interrupção.

  10. Quando a norma fala em reclamação graciosa e a ela lhe atribui efeito interruptivo, sem mais, apenas poderá estar a referir-se ao seu efeito regra (efeito instantâneo).

  11. Caso quisesse atribuir um outro efeito, naturalmente excepcional, assim o teria afirmado, como foi feito em sede de direito civil no artigo 327.º, n.º 1, do CC, por comparação como o artigo 326.º, n.º 1, do mesmo diploma.

  12. Por outro lado, um entendimento diferente leva a uma incongruência do regime, por comparação com o efeito suspensivo previsto no artigo 49.º, n.º 4 da LGT. A suspensão deixaria de fazer sentido.

  13. Aquela norma prevê a suspensão do prazo com a interposição de um meio contencioso, enquanto não houver decisão definitiva ou transitada em julgado e desde que determinem a suspensão da cobrança da dívida, ie, desde que seja prestada garantia ou ocorrer a sua dispensa (cf. artigo 49.º, n.º 4, al. b), da LGT e artigo 169.º do CPPT e artigo 52.º, n.º 1, 2 e 4, da LGT).

  14. Para que serviria a suspensão do prazo quando fosse interposta uma impugnação judicial, se a interrupção tiver o mesmo efeito duradouro e no mesmo período temporal? Defender-se que o artigo 49.º, n.º 1, tem por efeito a duração da interrupção até ao trânsito, seria tornar inútil a suspensão do prazo, prevista para os mesmos meios de defesa no n.º 4 do mesmo artigo.

  15. A interpretação da lei deve assumir que o legislador se soube exprimir e procurar as soluções consentâneas com o regime em que se insere a norma, numa lógica coerente.

  16. A mesma posição assumimos para o efeito da citação em processo de execução fiscal. Também aqui se considera que o efeito corresponde à regra geral, ou seja, o denominado efeito instantâneo. Antes de tudo, não se vislumbra por que motivo se recorre à aplicação subsidiária do artigo 327.º, n.º 1, do CC.

  17. Primeiro porque não existe uma lacuna que justifique o recurso ao CC.

  18. A LGT não tem nenhuma falha na regulação do efeito da interrupção.

  19. A definição de “interrupção” para efeitos do artigo 49.º da LGT é, de facto, a que consta no Código Civil (artigo 326.º, n.º 1) mas por isso resultar das regras gerais de interpretação, aplicando o artigo 11.º, n.º 2, da LGT. Esta norma determina que os conceitos próprios de outros ramos do direito devem ser interpretados no mesmo sentido que aí têm.

    Estando prevista na LGT a interrupção do prazo, a sua interpretação deve ser procurada nos termos gerais definidos, ou seja, o efeito regra do artigo 326.º, n.º 1 do CC – «a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo».

  20. É desta forma que consideramos que o conceito de interrupção na LGT mantém o seu efeito regra.

  21. Depois, porque com isso irá buscar-se um efeito pensado e articulado para processos de natureza jurídico-privatística e muito longe do processo tributário e do processo de execução fiscal.

  22. Não faz sentido aplicar o disposto no artigo 327.º, n.º 1, do CC ao processo de execução fiscal (onde corre o prazo de prescrição e onde se fez a citação).

  23. A execução, por definição, não termina, excepto se ocorrer o pagamento da dívida ou a sua anulação (cf. artigo 176.º do CPPT).

  24. A declaração em falhas (cf. artigo 272.º do CPPT) não é uma forma de extinção do processo de execução, pelo que não poderá ser equiparada, de todo, ao trânsito em julgado de um processo judicial. A declaração em falhas é apenas uma forma de sustar as diligências coercivas por falta de bens penhoráveis naquele momento. Se mais tarde surgirem novos bens na esfera do devedor, retomam-se as diligências coercivas.

    Por aqui, não se considera que a declaração em falhas possa ser equiparada a uma causa extintiva do processo e que permita aplicar o efeito do trânsito em julgado. É por aqui que consideramos que a citação prevista no artigo 327.º, n.º 1, do CC não pode ser equiparada à citação em execução fiscal.

  25. A citação prevista naquela norma está pensada e articulada para processos de uma natureza específica e distinta da natureza de um processo de execução fiscal.

  26. Podemos também aqui apontar uma incongruência à doutrina do efeito duradouro.

  27. Se efectivamente o legislador quis atribuir esse efeito à citação, para que foi atribuir efeito suspensivo à oposição (cf. artigo 49.º, n.º 4, al. b), da LGT)? XXIX. A citação em processo de execução ocorre antes da Oposição (embora se possa admitir o inverso, mas apenas em casos excepcionais).

  28. Se a interrupção provocada com a citação durar até ao momento da declaração em falhas da execução, para que foi então o legislador atribuir efeito suspensivo à oposição à execução, se nesse momento o prazo não estaria a correr? (Como aponta a Conselheira ANA PAULA LOBO em voto de vencida no Acórdão de 23-11-2016, proc. n.º 01121/16, posição analisada em seguida).

  29. Como referimos, não tem sido este o entendimento maioritário do STA (Ac. TC n.º 122/2015, proferido no proc. n.º 179/2013).

  30. Contudo, foi já assumida uma posição diferente pela Conselheira ANA PAULA LOBO. Em voto de vencida no Acórdão de 23-11-2016, proc. n.º 01121/16, a Conselheira manifestou a sua discordância e defendeu que a interrupção deve manter no artigo 49.º da LGT o seu efeito geral, não aceitando a aplicação analógica do artigo 327.º, n.º 1, do CC.

  31. Aponta, entre outros argumentos, o facto de a matéria da prescrição estar sujeita ao princípio da legalidade, não sendo possível adoptar interpretações que, sem apoio na letra da norma (cf. artigo 9.º, n.º 2 do CC) criem efeitos suspensivos do prazo de prescrição importados do direito civil, sem que para eles haja remissão expressa ou lacuna a preencher.

  32. O regime da prescrição e as suas causas suspensivas do prazo constituem uma garantia dos contribuintes, pelo que estão inseridas na reserva relativa da Assembleia da República e estritamente subordinadas ao princípio da legalidade tributária de reserva de lei formal (cfr. artigo 266º da CRP e 3º do CPA).

  33. Por tudo o que ficou exposto, consideramos que todos os factos interruptivos previstos no artigo 49.º da LGT têm por efeito interromper a contagem do prazo, reiniciando-se desde o seu início, nesse mesmo momento ou na letra do artigo 326.º, n.º 1, do CC, «a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo.» XXXVI. Em conclusão, a sentença recorrida deveria ter efectuado uma diferente interpretação das normas legais aplicáveis ao caso vertente, nos termos supra expostos, não tendo conferido uma efeito duradouro à interrupção da prescrição (após a citação), pelo que ao seguir a interpretação que o tribunal a quo faz dos preceitos legais supra invocados não realiza adequadamente a justiça material que o caso reclama dado que instituirá que as dívidas à Segurança Social e Fisco nunca prescreverão premiando a inércia na sua cobrança o que é sinónimo de uma completa perversão do instituto jurídico da prescrição.

    Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exa. mui doutamente suprirá, deverá o presente Recurso ser admitido e julgado procedente e, em consequência deverá a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que, aplicando o efeito instantâneo ao facto interruptivo da prescrição, julgue prescritas...

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