Acórdão nº 936/20.2BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 07 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelSOFIA DAVID
Data da Resolução07 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I - RELATÓRIO A........... interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa que julgou improcedente a presente acção onde o A. e Recorrente impugnava o despacho da Directora Nacional (DN) do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), do Ministério da Administração Interna (MAI), de 27/02/2020, que considerou inadmissível o pedido de protecção internacional formulado pelo ora Recorrente e ordenou a sua transferência para Itália, por ser esse o país responsável pela sua retoma a cargo.

O Recorrente formulou as seguintes conclusões de recurso: “1. A Douta sentença, de que ora se recorre, baseia-se no facto de que o Recorrente não apontou a existência de falhas sistémicas no procedimento de asilo em Itália ou nas condições de acolhimento dos requerentes de protecção internacional; 2. Na verdade, é entendimento da douta sentença, não existirem elementos objectivos, fiáveis, precisos em referencia ao nível de protecção dos direitos fundamentais garantido pelo Direito da União; 3. Sendo que esse risco é real para, esses cidadãos e, no caso, para o Recorrente; 4. A realidade é que competia, efectivamente, ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, antes de ter tomado a decisão ora impugnada, instruir oficiosamente o procedimento, com informação fidedigna atualizada sobre o funcionamento do procedimento de asilo italiano e as condições de acolhimento dos requerentes de protecção internacional naquele país; 5. Devendo ter recorrido a fontes credíveis e consolidadas, dada a manifesta dificuldade de prova que assiste ao Recorrente; 6. A entidade recorrida não apurou de levar em consideração o funcionamento do procedimento de asilo italiano e as condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional nesse Estado-Membro; 7. E o certo é que deveria ter aferido da existência ou não de um risco atual, direto ou indirecto, que sabemos que existe e é desumano e indigno; 8. Não se vislumbra que o ora Recorrente possa ser sujeito a tratamento desumano ou degradante, na acepção dos artigos 3.º da CEDH e 4.º da CDFUE; 9. E caso o Recorrente seja enviado para aquele Estado-Membro, existem sérios indícios que permitem concluir pela probabilidade evidente de correr um risco real de ser sujeito a tratos desumanos ou degradantes, na acepção do artigo 4. da CDFUE; 10. A situação de catástrofe humanitária relativamente ao acolhimento de refugiados em Itália e a presente catástrofe sanitária resultante da pandemia da COVID-19, que naquele País tem proporções gigantescas, impossibilitam que o Recorrente se sinta seguro naquele Estado-Membro; 11. O acto impugnado, ao não apurar com rigor, aquando da entrevista ao Recorrente, e não levando em conta, já naquela data, todas as notícias veiculadas pela imprensa internacional e pelas Organizações Não Governamentais das condições desumanas em que os requerentes de Asilo se encontram naquele País, incorre em deficit de instrução quanto aos factos essenciais à decisão de transferência e, por conseguinte, à decisão de inadmissibilidade do pedido de proteção internacional formulado, em violação do disposto no artigo 58.º do CPA, devendo, tal acto impugnado, ser anulado nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do mesmo Código”; 12. E bem andou e entendeu, como se alegou e acima se reproduziu, os Acordãos de 6 de Junho de 2019, no processo 2240/18.7BELSB e o de 24 de Setembro de 2020 no processo 190/20.6BELSB, ambos do Tribunal Central Administrativo Sul.” O Recorrido não contra-alegou.

O DMMP emitiu pronúncia no sentido da improcedência do recurso.

II – FUNDAMENTAÇÃO II.1 – OS FACTOS Na decisão recorrida foi dada por assente, por provada, a seguinte factualidade, que não vem impugnada em recurso:

  1. O Autor, A..........., é nacional da Guiné Bissau (Gabu) ─ cfr. informações constantes do PA.

  2. O Autor apresentou por escrito, junto dos serviços do R., a 26/12/2019, pedido de asilo e protecção do Estado Português, o qual deu origem ao processo de asilo n.º 2246/19, tendo indicado no inquérito preliminar como motivo para a saída do país de origem: «vim para cá em busca de trabalho e de melhores condições de vida» ─ fls. 5 a 7 e 14 do PA.

  3. Foi consultado o sistema EURODAC e foram detetados dois Hits positivos com os n.os de referência: I..........., inserido pela Itália, em Roma, a 13/07/2017, e I..........., inserido pela Itália, em Ascoli Piceno, a 30/11/2017 ─ cfr. fls. 7 do PA.

  4. A 30 de Janeiro de 2020, pelas 10h30m, o A. prestou declarações junto do SEF, em crioulo da Guiné Bissau, por assim ter solicitado, na presença da inspectora do SEF Ana Fernandes e da intérprete E.......... ─ fls. 16 a 25 do PA, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.

  5. Durante a entrevista o Requerente foi perguntado, particularmente, sobre a sua passagem por países europeus com a indicação de que tinham sido encontrados dois registos na base de dados e impressões digitais Eurodac recolhidos em Itália; referiu, a esse propósito, como segue: «imagem no original» g) Foi organizado o processo de determinação de responsabilidade pela análise do pedido de protecção internacional ─ que recebeu o n.º 02731/19PT ─ e a 11 de Fevereiro de 2020 o Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF efectuou um pedido de retoma a cargo do Autor às autoridades italianas, invocando o art.º 18.°/1/d) do Regulamento (UE) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho — cfr. fls. 34 a 39 do PA.

  6. A 26 de Fevereiro, as autoridades portuguesas informaram as autoridades italianas de que consideravam que o pedido de retoma a cargo do Requerente havia sido tacitamente aceite — cfr. fls. 40 do PA.

  7. A 27 de Fevereiro de 2020, foi elaborada proposta de decisão (informação n.º 0435/GAR/2020), com base na qual foi proferida, nesse mesmo dia, decisão do seguinte teor: «De acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1, do artigo 19.º - A e no n.º 2 do artigo 37.º, ambos da Lei n.º 27/08, de 30 de Junho, alterada pela Lei n.º 26/2014 de 05 de Maio, com base na informação n.º 0435/GAR/2019 do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, considero o pedido de protecção internacional apresentado pelo cidadão que se identificou como A..........., nacional da Guiné-Bissau, inadmissível Proceda-se à notificação do cidadão nos termos do artigo 37.º, n.º 3, da Lei n.º 27/08 de 30 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei 26/14 de 5 de Maio, e à sua transferência, nos termos do artigo 38.º do mesmo diploma, para a Itália, Estado Membro responsável pela análise do pedido de protecção internacional nos termos do Regulamento (UE) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de Junho». fls. 43-48 do PA.

  8. Tal Decisão foi transmitida ao Autor, a 18 de Maio de 2020, pela leitura da notificação da mesma em língua crioula «que compreende ou seja razoável presumir que compreenda», tendo-lhe sido entregue cópia da decisão e da informação referida em i) – conforme auto de notificação a fls. 50 do PA.

  9. A 01/06/2018, foi publicado na página oficial do Jornal Folha de S. Paulo na internet, no endereço https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/06/expulsar-imigrantes-sera-prioridadediz-novo-ministro-do-interior-italiano.shtml, o artigo intitulado "Expulsar imigrantes será prioridade, diz novo ministro do Interior italiano" cujo teor se dá por reproduzido e da qual constam, entre outras, as seguintes referências: «(…)Além de aumentar as expulsões, o novo ministro disse nessa sexta (1º), após ser empossado, que pretende reduzir o número dos que chegam e os recursos gastos pelo país com refugiados e solicitantes de asilo».

  10. A 28/08/2017 foi publicada, na página oficial do Jornal Expresso, notícia sob o título “PM italiano debate migrações com parceiros da EU e África perante grande protesto de apoio a refugiados”, [disponível em https://expresso.pt/internacional/2017-08-28-PM-italiano-debatemigracoes- com-parceiros-da-UE-e-Africa-perante-grande-protesto-de-apoio-a-refugiados ], cujo teor se dá por reproduzido e da qual constam, entre outras, as seguintes referências: «(…) Entre janeiro e junho deste ano, quase 100 mil requerentes de asilo desambarcaram na costa italiana e as autoridades continuam sem conseguir garantir o acolhimento e integração destas pessoas.

    // (…) No sábado, milhares de requerentes de asilo e italianos que saíram em sua defesa marcharam pela capital com cartazes onde se lia "Os refugiados não são terroristas", exigindo o fim dos despejos e garantias de habitação adequada aos requerentes de asilo – depois de, na véspera, o conselho municipal de Roma, cuja câmara é liderada pelo movimento populista Cinco Estrelas, ter chegado a um acordo com a empresa que detém o edifício em causa para que 40 refugiados idosos, doentes e menores possam continuar a viver ali nos próximos seis meses enquanto aguardam novas casas».

  11. ...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT