Acórdão nº 1143/20.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 07 de Janeiro de 2021

Data07 Janeiro 2021
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1998_02

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: B....., devidamente identificado nos autos de acção administrativa de impugnação, com tramitação urgente, que instaurou contra o Ministério da Administração Interna (MAI), inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão, proferida em 14.8.2020, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu a Entidade demandada do pedido.

Das respectivas alegações é possível deduzir quais os concretos aspectos que considera incorrectamente julgados (cfr. o nº 4 do artigo 146º do CPTA), enunciados da seguinte forma: “8.

(…), assim não entendeu assim o juiz “a quo” pois a sentença proferida pelo Exmo. Juiz de Direito do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa julgou improcedente pedido do ora Recorrente por entender que “foi facultada a hipótese ao A., em termos suficientes, de participar no procedimento e influenciar o teor da decisão administrativa impugnada, garantindo-se o seu direito de audição/defesa/participação, razões pelas quais improcede a alegação do A. neste conspecto.” 9.

Porém tal entendimento não há de prevalecer, tendo em vista os argumentos que se seguem bem como a jurisprudência proferida por esse Tribunal.

  1. A questão de direito que se quer ver protegida através do presente recurso se traduz na não observância de uma formalidade indispensável, que é a audiência do interessado previamente à decisão que põe termo ao procedimento, nos termos e para os efeitos do artigo 17 da Lei do Asilo.

  2. Entende o Recorrente que não foi dada oportunidade para se pronunciar sobre todos os elementos (não valorados) não obstante carreados para os autos, violando-se, dessa forma, o mais elementar direito de “participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito”, cf. nº 5 do artigo 267 da Constituição da República Portuguesa e nº 2 do artigo 41 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

  3. O Código do Procedimento Administrativo, em sua Secção IV, versa sobre uma formalidade essencial do procedimento administrativo ao tratar da AUDIÊNCIA DOS INTERESSADOS, que é um “pilar” do procedimento administrativo, uma formalidade essencial cuja falta gera vício de invalidade e cuja realização obedece a um conjunto de requisitos.

  4. A audiência prévia consiste no direito de os interessados conhecerem, antes de ser tomada a decisão, o sentido provável da mesma e poderem ainda pronunciar-se sobre as questões de facto e de direito relevantes, requerer diligências ou juntar documentos (artigo 121.º).

  5. A notificação de audiência prévia deve conter as seguintes menções (artigo 122.º); a) forma pela qual o interessado se pode pronunciar (por escrito ou oralmente) e prazo para o fazer (não inferior a 10 dias úteis); (…) 15.

    Em que pese a previsão do nº 2 do artigo 24, em que as declarações prestadas pelo Recorrente “valem, para todos os efeitos, como audiência prévia do interessado”, a verdade é que este procedimento especial do pedido de asilo, não deixa de se consubstanciar numa transposição de Diretivas Europeias, estando, por isso, sujeito ao Direito da União, bem como à Constituição da República Portuguesa.

  6. Também o Regulamento (EU) nº 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de junho, conhecido como Convenção de Dublin vem estabelecer em seu art. 4º o direito à informação e, no art. 5º, a realização de uma entrevista pessoal.

  7. Entende o Apelante que o direito de audição/defesa no âmbito do procedimento especial de determinação do Estado responsável pela apreciação do pedido de proteção internacional, ainda que não expressamente previsto no regime procedimental definido no art. 37 da Lei 27/2008, deve ter-se, todavia, como imposto e de ser exigida a sua observância sob pena de infração aos princípios normativos invocados.

  8. De conseguinte, se faz necessária a oitiva do Apelante a fim de lhe dar a possibilidade de produzir defesa, de emitir ou tomar posição, quanto à decisão a tomar, explicitando a sua motivação sobre o Estado Membro que entende dever apreciar o pedido formulado e também sobre o Estado Membro para o qual se determina sua transferência.

  9. É imprescindível ser dada ao destinatário da decisão lesiva aos seus interesses a possibilidade de, antes de a mesma ser tomada, apresentar as suas observações ou invocar elementos relativos à sua situação pessoal, de modo a permitir que a autoridade competente tenha em conta todos os elementos pertinentes no momento em que decidir.

  10. Nem se alegue que o Recorrente foi notificado pelo SEF, acerca do sentido provável da proposta de Decisão que seria proferida, concedendo-lhe um prazo de 5 (cinco dias) úteis para se pronunciar por escrito, tendo este transcorrido “in albis”.

  11. Convém destacar que referido prazo não é um prazo razoável, consagrado pelo artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, uma vez que o Apelante é um cidadão estrangeiro que desconhece a língua portuguesa, tem dificuldades na comunicação e desconhece totalmente o ordenamento jurídico português, sendo que, apesar de estar legalmente representado, não teve tempo de preparar convenientemente o recurso, a uma pelas dificuldades inerentes de comunicação e a duas pelo prazo extremamente reduzido.

  12. Por fim, a jurisprudência deste Tribunal tem decidido favoravelmente a tese do ora Recorrente, conforme se observa dos seguintes julgados: (…) - Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul // 1560/19.8 BELSB // CA // 16/01/2020 // Ana Celeste Carvalho - Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul // 557/19.2 BELSB // CA // 26/09/2019 // Dora Lucas Neto - Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul // 409/19.6 BESNT // CA 07/11/2019 // Alda Nunes - Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul // 1157/19.2 BELSB // CA // 21/11/2019 / Dora Lucas Neto 23.

    Ainda se assim não fosse, também deve ser levado em consideração os fatos alegados pelo Apelante e transcritos em sua entrevista com relação à demora do Estado italiano em apreciar o seu pedido de asilo.

  13. O fato de o Estado italiano não ter se pronunciado durante 3 anos não equivale a uma aceitação tácita mas confirma que está, por razões conhecidas e evidentes, sobrelotado de pedidos.

  14. Isto porque a Itália não tem capacidade sistémica, organizacional, social e económica para receber tantos requerimentos de apoio internacional, colocando em risco o destino dos requerentes, que nunca poderá ser no sentido de voltarem ao país de origem, no caso do Apelante à Guiné-Bissau, porquanto tal decisão consubstanciaria numa violação do princípio da não expulsão, previsto no artigo 33º, nº 1, 1ª parte, da Convenção de Genebra de 1951.

  15. Desde 2015 a Itália tem sido alvo de sobrelotação migratória não tendo capacidade para oferecer meios humanos e condições de acolhimento e promoção de segurança, fato esse que não pode ser ignorado devendo, ao contrário, serem dadas alternativas em respeito ao princípio da não repulsão, conforme o disposto no artigo 3º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, dos artigos 1º, 3º, 18º e 19º, nº 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e do artigo 78º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, pelo que a decisão em causa viola tais disposições normativas, não restando dúvidas de que, ao ser encaminhado para a Itália, será mantido numa situação de tratamentos desumanos e degradantes, na medida em que aquele Estado não tem capacidade para continuar a acolher requerentes de proteção internacional.».

    Notificado para o efeito, o Recorrido não apresentou contra-alegações.

    O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, não emitiu parecer.

    A questão suscitada pelo Recorrente, delimitada nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consiste, em suma, em saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao considerar a acção improcedente.

    Na decisão recorrida foram dados por provado os seguintes factos, não impugnados pelo Recorrente: «1. A 24 de Dezembro de 2015, o A. formulou pedido de protecção internacional e as suas impressões digitais foram registadas no sistema EURODAC em Itália, em Sondrio, registo esse que foi associado à referência .....; Cf.

    fingerprint form do EURODAC de fls. 3, questionário preliminar de fls. 4 e ss. e entrevista de fls. 21 e ss. [a numeração é e será do p.a., salvo menção em sentido contrário] 2. O A. apresentou pedido de protecção internacional junto dos serviços do SEF, em Lisboa, no dia 10 de Fevereiro de 2020, declarando junto daqueles ser B....., ser nacional da Guiné-Bissau e ter nascido a 15-2-1994 em Tcharim-Gabú; Cf. formulário de fls. 1, o fingerprint form do EURODAC de fls. 2, o questionário de fls. 5 e ss. e a declaração comprovativa de apresentação do pedido de protecção internacional de fls. 14.

  16. Aquando do pedido formulado em Portugal, foram recolhidas e registadas na base de dados do sistema EURODAC as impressões digitais do A.; Idem.

  17. Em 17 de Fevereiro de 2020, o A. foi entrevistado, no procedimento originado pelo seu pedido, nos serviços do SEF, tendo previamente sido informado pelo funcionário daqueles serviços de que o Regulamento Dublin estabelece os critérios e mecanismo de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de protecção internacional apresentado num dos Estados-Membros por um nacional de país terceiro ou apátrida, de que apenas um Estado-Membro é responsável, e de que o pedido do A. seria sujeito a um procedimento especial de admissibilidade e de que este procedimento prevê a possibilidade de o pedido de protecção internacional ser considerado inadmissível quando se se verifique que Portugal não é o Estado-Membro responsável pela análise do pedido de protecção internacional; Cf. auto de entrevista/transcrição a fls. 21 e...

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