Acórdão nº 53/18.5BECTB de Tribunal Central Administrativo Sul, 19 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelTÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Data da Resolução19 de Novembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

I. RELATÓRIO A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante Impugnante ou AT) veio apresentar impugnação da decisão arbitral proferida a 27.04.2018, pelo tribunal arbitral singular constituído no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no processo a que aí foi atribuído o n.º ….., ao abrigo dos art.ºs 27.º e 28.º do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – RJAT).

Nesse seguimento, a Impugnante apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos: “A. Por via da presente Impugnação pretende a ora Impugnante reagir contra a decisão arbitral proferida a 2018-04-27 pelo Tribunal Arbitral Colectivo, constituído no CAAD que julgou procedente o pedido de anulação das "demonstrações de liquidações" referentes aos períodos de 2012 a 2015/09, com a consequente condenação do reembolso das quantias peticionadas.

  1. O que foi, efectivamente, sindicado foram verdadeiros actos de indeferimento parcial de reembolsos e não, como pretendeu fazer crer a Impugnada e, mais concretamente, o Tribunal arbitral, pretensos actos de liquidação adicional de IVA.

  2. Indeferimentos parciais de reembolsos, esses, que, no caso em apreço, a ora Impugnada solicitou nos períodos de imposto referentes aos períodos de 2012 a 2015/09.

  3. Os actos de indeferimento de pedidos de reembolsos não se subsumem à clássica definição de actos de liquidação de imposto, pois que, contrariamente aos primeiros, através da liquidação «determina-se a colecta que vem a coincidir com o imposto a pagar, a menos que haja lugar a deduções à colecta, caso em que a liquidação também abarca esta última operação.» E. Sem esquecer que o imposto - isto é, o objecto que subjaz ao acto de liquidação - é, do ponto de vista conceptual, uma prestação pecuniária, unilateral, definitiva e coactiva, exigida a (ou devida por) detentores (individuais ou colectivos) de capacidade contributiva, a favor de entidades que exerçam funções ou tarefas públicas.

  4. Diferentemente, o pedido de reembolso é uma das três modalidades legalmente existentes para exercer o direito à dedução de imposto suportado, isto é, para exigir da Administração Tributária um crédito que há mais de 12 meses se encontra em excesso e se efectivou a favor do sujeito passivo.

  5. Ou seja, para além de a figura do reembolso mais não ser que uma das modalidades de dedução do imposto, foi criada, e continua a existir, com o propósito de preservar o princípio da neutralidade fiscal e assim eliminar a distorção de concorrência entre os operadores económicos que se movem nos mesmos meandros comerciais.

  6. Bem distinto disto é o princípio que subjaz ao acto de liquidação, que pura e simplesmente se coaduna com a satisfação das necessidades financeiras do Estado, de acordo com o plasmado no artigo 103.º, n.º 1 da CRP, sendo desse modo, decisões de reembolso e actos de liquidação, actos tributários com naturezas diferentes entre si.

    I. A partir de um belo exemplo de escola, é possível perceber não apenas a utilidade da figura de reembolso, como também da sua diferença face ao verdadeiro acto de liquidação: se se estiver perante uma isenção completa, como é o caso, se uma certa operação é tributada com a chamada taxa zero, o sujeito passivo tem o direito a um reembolso que vai abranger todas as operações de IVA que podem ser imputadas ao produto final.

  7. Deste modo, surge a figura do reembolso, precisamente para dar concretização à neutralidade, a fim de não permitir a tão indesejada distorção em sede de IVA, permitindo que os sujeitos passivos possam recuperar os valores em sede de Iva com foram onerados no passado.

  8. O que não se confunde, de todo, com o objectivo que preside aos actos de liquidação, que, como se sabe, se trata de dar a conhecer aos sujeitos passivos o valor de imposto devido, calculado a partir da matéria tributável apurada.

    L. O Tribunal arbitral, ao decidir de mérito a questão respeitante aos pedidos de reembolso em escrutínio, imiscuiu-se em matéria para a qual é materialmente incompetente, pois que as apelidadas "demonstrações da liquidação" não são demonstrações de liquidação adicional de IVA, nem tão pouco são actos de liquidação de IVA.

  9. Não são, nem nunca serão, actos tributários de liquidação em sentido estrito (sendo actos instrumentais que podem integrar vários tipos de actos em matéria tributária), se tivermos em conta o imposto que estamos a tratar, nomeadamente, para efeitos da atribuição de competência e vinculação da ora Impugnante à jurisdição arbitral.

  10. As apelidadas demonstrações da liquidação naqueles casos, como a que se reportam os presentes autos mais não são do que indeferimentos parciais de reembolsos.

  11. Não pode uma mera questão semântica e ao mesmo tempo formalista - isto é, a atribuição da nomenclatura de "liquidação" a um acto que o não é, como acontece com os actos de indeferimentos de reembolsos - legitimar que o Tribunal arbitral conheça de matéria que lhe não pertence.

  12. Tal redundaria na vitória da forma sobre a substância, autorizando que a caracterização de um acto puramente administrativo, versando sobre uma questão fiscal (o deferimento parcial do reembolso), se transformasse, como que num golpe de mágica, em pretenso acto de liquidação, apenas por que à notificação do dito deferimento se lhe atribuiu o título de "demonstração de liquidação".

  13. O acto de liquidação trata de ser o veículo onde se determina a colecta e se aplica a taxa à matéria colectável e que, a um tempo, leva também ao conhecimento do contribuinte o montante de imposto que tem a pagar, de acordo com a sua capacidade contributiva, em ordem à satisfação das necessidades financeiras do Estado de Direito.

  14. Conceptualmente, esta definição em nada se confunde com os actos em matéria tributária que indeferem os pedidos de reembolsos, pois destes últimos actos não resulta qualquer obrigação dos contribuintes perante a máquina fiscal que não tivessem já antes.

  15. Este tipo de actos administrativos em matéria fiscal - como é o caso da situação aqui em apreço - resultam de pretensões dos contribuintes, que, depois, pela Administração serão deferidos ou indeferidos.

  16. A própria decisão que agora se impugna, acaba por, de forma quase subliminar, dizer isso mesmo, ainda que o faça por referência aos meios de defesa ao dispor dos contribuintes e ainda que tal passagem pretendesse, justamente, fazer vingar a ideia contrária, isto é, a de que reembolsos e actos de liquidação têm as mesmas características.

  17. No artigo 17.º da p.i., a Requerente confessa que o procedimento interno de inspecção que foi instaurado - ordens de serviços n.º ….., ….., ….., ….., …..e …..-, foi-o no seguimento de um pedido de reembolso por si apresentado nos termos do artigo 22.º do CIVA, «decorrente do pedido de reembolso de IVA efectuado na declaração periódica respeitante ao mês de Agosto de 2015, no montante de € 419.798,24.» V. Olvida o Tribunal que o artigo 93.

    9 do CIVA, precisamente o artigo para onde o artigo 22.º, n.º 11 e 13 do CIVA remete o contribuinte que pretenda impugnar um acto de indeferimento de reembolso, respeita aos actos de compensação e não aos actos de liquidação.

  18. Se os reembolsos podem e devem ser qualificados como actos de liquidação, cabe perguntar por que razão o dito artigo 22.º, n.º 11 e 13 do CIVA não remeteu antes para o artigo 97.º do CIVA quanto a matéria de defesa, precisamente a norma que elenca os meios impugnatórios ao dispor do contribuinte sempre que é surpreendido por um acto de liquidação? A resposta é simples, porque enquanto um acto que indefere um reembolso é, como dissemos acima, um acto administrativo em matéria tributária, já um puro acto de liquidação é um acto tributário stricto sensu.

    X. A referida "demonstração de liquidação" mais não se traduziu do que o resultado do acerto de contas entre o reembolso solicitado pela Impugnada e as correcções efectuadas pelos serviços de inspecção tributária após se ter procedido à aferição da legitimidade dos referidos pedidos de reembolso, sendo que esta questão não apresenta controvérsia na ponderada e correcta jurisprudência desta jurisdição arbitral.

  19. Neste sentido, v.p.t. o Acórdão Arbitral, de 3 de Outubro de 2015, proferido no âmbito do processo n.º48/2015-T, ou no Acórdão de 127/2007, processo n.º0303/07.

  20. O direito ao reembolso de IVA não assume o carácter de um verdadeiro direito potestativo que se imponha, sem mais, de forma inelutável, a quem o deve prestar.

    AA. Efectivamente, há um dado fundamental, que diz respeito à aferição da legitimidade do reembolso face aos sujeitos passivos do imposto e essa legitimidade só se afere, nomeadamente, em função da legitimidade do exercício do direito à dedução, em sede de IVA, sendo que no caso dos presentes autos, a aferição da legitimidade dos referidos reembolsos foi efectuada através dos procedimentos inspectivos, nos termos do exigido no artigo 22.º do CIVA.

    BB. Atendendo, por um lado, ao disposto no artigo 9.º, n.º 3 do CC, que prevê que na fixação e no alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas, bem como atendendo, por outro lado, que existe uma diferença conceptual entre acto de liquidação stricto sensu e acto em matéria tributária, CC. Os actos que indeferem pedidos de reembolsos não são passíveis de serem sindicados em jurisdição arbitral, muito simplesmente porque, nem no RJAT, nem na Portaria de Vinculação o legislador aí inseriu - nas competências do CAAD - precisamente a declaração de ilegalidade de actos de indeferimento que provenham de pedidos de reembolsos.

    DD. Leia-se então, por contraponto à Portaria e ao RJAT, o ETAF, artigo 49.º, a propósito da competência dos tribunais tributários, onde, no seu n.º 1, i) e iv), para além de apreciarem os actos de liquidação, têm também competência para apreciar actos administrativos respeitantes a questões fiscais que não sejam atribuídos à competência de outros tribunais.

    EE. O ETAF, aquando da delimitação de competências dos tribunais...

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