Acórdão nº 1592/04.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 05 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelTÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Data da Resolução05 de Novembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

I. RELATÓRIO A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 03.09.2019, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por A.....

(doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto o indeferimento da reclamação graciosa que versou sobre a autoliquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) atinente ao exercício de 1996.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos: “A. O presente recurso vem reagir da douta sentença proferida em 2019-09-03, no processo n.º 1592/04.0BELSB, que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida pela A....., NIPC ....., contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada sobre a autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 1996, no valor de € 35.171,47 (trinta e cinco mil, cento e setenta e um euros e quarenta e sete cêntimos).

  1. A douta sentença concluiu que a decisão da AT proferida em sede de reclamação graciosa padece de vício de carência da fundamentação, anulando o ato impugnado de indeferimento da reclamação da autoliquidação do exercício de 1996, com as legais consequências.

  2. A RFP não se pode conformar com o entendimento vertido na douta sentença recorrida, por entender que o ato tributário se encontra devidamente fundamentado, reclamando um juízo distinto do formulado pelo Tribunal a quo.

  3. O dever de fundamentação dos atos consta do n.º 3 do artigo 268.º da CRP, tendo sido materializado no procedimento administrativo no artigo 153.º do CPA. Em sede de procedimento tributário, o direito à fundamentação foi materializado no artigo 19.º e concretizado no artigo 21.º ambos do CPT, e, posteriormente, no n.º 1 do artigo 77.º da LGT.

  4. A Jurisprudência e a Doutrina têm entendido que a fundamentação deve ser expressa, clara, suficiente e congruente. A título de exemplo, invoca-se, por todos, a jurisprudência constante do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 1226/13, de 2014-09-10, disponível em www.dgsi.pt.

  5. A fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, como de qualquer ato administrativo, deve ser expressa, clara, congruente, suficiente e, naturalmente, contemporânea do ato. Ou seja, deve conter a explicitação das razões de facto e de direito que motivam o ato (os pressupostos tidos em conta pelo autor do ato), não podem ser confusas ou ambíguas e o conteúdo do ato tem de ter uma relação lógica com os fundamentos invocados.

  6. Analisando a matéria de facto dada como provada, consta do facto D) que, em 2004-05-11 foi proferido o projeto de decisão de indeferimento do procedimento de reclamação graciosa.

  7. Nos termos da informação que suportou o projeto de indeferimento, constante de fls. 540 e ss. do procedimento administrativo, foi pedido à ora Impugnante a apresentação dos elementos relativos à sua contabilidade, incluindo livros contabilísticos, extratos de contabilidade, contas correntes e documentos de suporte aos elementos declarados pela Impugnante na sua declaração modelo 22, cf. parágrafo 16 da informação.

    I. Nessa sequência, concluiu-se que a ora Impugnante não exerce, a título principal uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, verificando-se um erro na autoliquidação de IRC do exercício de 1997 apresentada Impugnante, cf. parágrafo 18 e 19 da informação, devendo o IRC incidir sobre o rendimento global da Impugnante das diversas categorias i.e., à soma dos rendimentos das diversas categorias consideradas para efeitos de IRS, acrescidas dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IRC, beneficiando da isenção em sede de IRC, constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 53.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, exceto para efeitos de rendimentos de capitais e de rendimentos comerciais, industriais ou agrícolas, cf. parágrafo 18 da informação.

  8. Porém, da análise dos elementos juntos pela Impugnante, apurou-se que diversas operações realizadas pela Impugnante foram contabilizadas de forma incorreta, sendo necessário proceder a diversas correções aos elementos considerados na declaração de substituição apresentada pela Impugnante com a reclamação graciosa.

    1. Ao nível dos rendimentos de capitais: (i) os juros creditados nas contas bancárias da Impugnante por diversas instituições bancárias não foram declarados na sua globalidade, cf. parágrafos 38 e 40 da informação, (ii) os juros de mora obtidos pela Impugnante não constam do Anexo 23 à declaração modelo 22, cf. parágrafos 39 e 40 da informação.

    2. Ao nível dos rendimentos comerciais, industriais ou agrícolas: (iii) a contabilização indevida como custo de uma indemnização paga à Senhora M....., sem ter sido produzida a prova necessária para suportar que ocorreu a rescisão do contrato de trabalho e sem ter sido junto o recibo de quitação, cf. parágrafo 41 da informação, (iv) o acréscimo ao resultado líquido do exercício de 20% (vinte por cento) do valor dos custos com despesas de representação, cf. parágrafo 42 da informação, (v) a contabilização indevida como custo das despesas com combustíveis justificadas como “cheques auto”, imputadas ao Departamento de Formação Geral, devendo ser acrescido ao resultado líquido a diferença entre o valor total do custo e o valor já acrescido pela Impugnante, cf. parágrafo 43 da informação, (vi) desconsideração de custos contabilizados na conta 6429 – Remuneração com pessoal / outros, relativos a gratificações, não dedutíveis por a Impugnante não gerar resultados para distribuir, cf. parágrafo 45 da informação, (vii) desconsideração como custo para efeitos de cálculo dos custos comuns do valor de custos com combustíveis, custos com pessoal e custos com IRC e juros compensatórios do exercício de 1991 e do exercício de 1995, imputados ao centro de custo 51 (Departamento Administrativo e Financeiro), cf. parágrafos 44, 46, 47 e 48 da informação.

  9. Em 2004-05-21, a Impugnante foi notificada para o exercício do direito de participação sobre o projeto de indeferimento da reclamação graciosa, cf. facto dado como provado em E), tendo-o exercido em 2004-06-04, cf. facto dado como provado em F) e fls. 569 a 578 do procedimento administrativo.

    L. Em 2004-06-17, foi proferido o despacho de indeferimento na reclamação graciosa, cf. facto dado como provado em G), com os fundamentos citados no facto dado como provado em H), cf. fls. 583 a 612 do procedimento administrativo, e fls. 11 a 21 da douta sentença.

  10. Além dos fundamentos constantes do projeto de indeferimento, na informação que suportou o despacho de indeferimento da reclamação graciosa alega-se que (i) a Impugnante deveria ter contabilizado os juros de mora e os resultados das aplicações financeiras em contas de proveitos, cf. parágrafo 62 da decisão, (ii) foi junto o recibo de quitação relativo à indemnização paga à Senhora M....., cf. parágrafo 63 da decisão, e (iii) que as faturas emitidas relativas à formação, que se mantém a sua qualificação como comercialização de serviços, em virtude da prova documental constante do processo, cf. fls. 64 da decisão, e, nestes termos, deve ser indeferida a reclamação graciosa apresentada pela Impugnante.

  11. Constata-se que a decisão se encontra fundamentada com as razões de facto e de direito que a motivam, sendo expressa, designadamente, a não declaração de rendimentos de capitais (juros de mora e resultado de aplicações financeiras), a desconsideração de custos deduzidos aos rendimentos comerciais, industriais ou agrícolas (indemnização paga, despesas de representação, despesas com combustíveis – cheques auto, despesas com pessoal) e a desconsideração de custos incorridos pelo Departamento Administrativo e Financeiro no cálculo dos custos comuns, encontrando-se a fundamentação contabilística e jurídico-tributária ao longo da decisão.

  12. A fundamentação da decisão é clara, sendo os fundamentos da decisão compreensíveis para o destinatário médio. Neste sentido, cf. a douta sentença recorrida fls. 27 e 28. A fundamentação é suficiente, constando da informação todos os elementos que motivaram a decisão. A fundamentação é congruente, dado que à desconformidade da declaração de substituição apresentada pela Impugnante com o normativo contabilístico e fiscal, desconformidade explanada na informação, se sucede uma decisão de indeferimento.

  13. Nestes termos, a exigência de fundamentação constante do n.º 1 do artigo 77.º da LGT, nos termos requeridos pela jurisprudência e pela doutrina, encontra-se verificada.

  14. Acresce, ainda, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo há largos anos que tem entendido que, sendo atingido o objetivo pretendido pela lei, a preterição de formalidade essencial “degrada-se” em mera irregularidade, deixando de constituir fundamento para a anulação do ato, cf. os acórdãos proferidos nos processos n.º 10457, de 1991-06-26, n.º 17940, de 1994-05-18, n.º 21228, de 1997-06-11, n.º 16376, também de 1997-06-11, cujos sumários se encontram disponíveis em www.dgsi.pt.

  15. O facto de a Impugnante deduzir a presente impugnação judicial com os fundamentos que apresenta, é sinal que conhece os fundamentos da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

  16. O objetivo pretendido pelo n.º 1 do artigo 77.º da LGT, de dar a conhecer os fundamentos da decisão no procedimento tributário para que o contribuinte possa conformar-se com o ato ou discutir a sua legalidade, encontra-se verificado.

  17. Ainda que se entendesse estar o ato indevidamente fundamentado, como concluiu a douta sentença ora recorrida – o que não se concede -, o ato não deveria ser anulado.

  18. O Supremo Tribunal Administrativo afirmou, no acórdão constante do processo n.º 1226/13, de 2014-09-10, que “Contudo, não deve confundir-se a suficiência da fundamentação com a exactidão ou a validade...

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