Acórdão nº 47/20.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 29 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelSOFIA DAVID
Data da Resolução29 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I - RELATÓRIO M.......... intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TACL), contra SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteira), organismo pertencente ao Ministério da Administração Interna (MAI), a presente acção administrativa, onde peticiona a anulação ou a declaração de nulidade da decisão proferida pela Directora Nacional (DN) do SEF, de recusa de protecção internacional e a condenação ao deferimento do pedido de asilo do A. com vista à concessão definitiva de protecção humanitária e consequente autorização de residência permanente em Portugal, e subsidiariamente, de protecção subsidiária.

O Tribunal julgou improcedente a acção e absolveu o R. dos pedidos.

Inconformado com a decisão, o Recorrente apresentou as suas alegações, onde formulou as seguintes conclusões: “A. O Autor impugnante e ora recorrente, para prova dos alegados factos, requereu no processo em primeira instância a produção de provas: (Pericia exarada pelo CPR sobre questão dos refugiados da Jordânia, e declaração de parte do requerente do asilo), contudo, no processo não foram produzidas tais provas.

B. Não foram produzidas tais provas essenciais, o que, a não ter acontecido, constitui omissão de pronúncia e preterição dos direitos de defesa do Impugnante, porquanto, não lhe foi permitido produzir em Julgamento, provas legal e tempestivamente requeridas, que sendo produzidas em Julgamento, permitiriam a prova de tais factos por si alegados, e que seriam essenciais para a decisão de mérito, nomeadamente nos termos e para os efeitos da consideração e aplicação do principio do ‘NON REFOULEMENT’, daí resultando face ao exposto, a NULIDADE DA DECISÃO proferida pelo Tribunal de Circulo de Lisboa, o que se invoca e aduz para todos os legais efeitos.

C. Não obstante tal ter sido expressamente alegado pelo impugnante em sede de alegação de direito junto do TAC de Lisboa, o Tribunal ‘a quo’, recusou expressamente analisar, pronunciar-se e decidir, sobre a violação daqueles princípios (beneficio da dúvida e ‘non refoulement’), por os considerar, ‘in casu’, irrelevantes, não obstante invocados e alegados.

D. Tais princípios, pela sua dimensão e importância, nomeadamente, o risco de morte do requerente em caso de expulsão / deportação para a Jordânia, como tal invocado implicaria face ao principio do beneficio da dúvida a concessão da situação de asilo como requerida, e que, nessa sequência, o principio de non refoulement’, se aplicaria também imediatamente.

E. O princípio da não repulsão (Non-Refoulement, em francês, como é mais conhecido ao nível internacional) proíbe a «devolução» de um refugiado a um país onde possa estar sujeito a perseguição ou tortura.

F. Este princípio é um elemento fundamental do Direito Internacional e do respeito pelos Direitos do Homem, e de acordo com o artigo 33.° da Convenção de 1951, «nenhum dos Estados contratantes expulsará ou repelirá um refugiado, seja de que maneira for, para as fronteiras dos territórios onde a sua vida ou a sua liberdade sejam ameaçadas em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas».

G. O Princípio da Não Devolução foi igualmente invocado a propósito da extradição, sendo que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem produzido igualmente jurisprudência em sede de interpretação do artigo 3.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem aplicando o Princípio da Não Devolução.

H. O princípio do “non refoulement” apresenta-se como argumento e norma imperativa do direito internacional, sendo hoje entendido como uma forma de proteção dos direitos humanos para um tipo específico de pessoa, o refugiado, desde logo pela proibição de expulsar ou de repelir o estrangeiro para um lugar onde a sua vida ou liberdade estejam ameaçadas. É hoje verdadeiro direito consuetudinário internacional, ‘ius cogens’.

I. Não poderia nem deveria o Tribunal ‘a quo’ ter deixado de produzir prova, nem deixar de apreciar e discutir a aplicação dos indicados princípios do beneficio da dúvida e do ‘non refoulement’, porquanto constando estes de normas imperativas do direito internacional, nomeadamente emanados de Convenções, como a Convenção Europeia dos Direitos do Homem; J. Os alegados princípios, nomeadamente o principio do beneficio da dúvida e o principio do ‘non refoulement’, constando de Convenções e Tratados Internacionais, são de aplicação primordial e automática, prevalecendo sobre quaisquer regulamentos.

K. Pelo que, ‘in casu’, mal andou o Mmo. Juiz ‘a quo’, ao decidir que os demais vícios de violação de lei alegados, em concreto violação do princípio do benefício da dúvida e do princípio do “non refoulement”, são absolutamente irrelevantes.

L. Ao decidir de tal forma, o Mmo. Juiz ‘a quo’ incorreu a sentença no vicio de omissão de pronúncia, M. Além de má interpretação e aplicação do disposto na al. a) do n.° 1 do art. 19.°- A e do n.° 2 do art. 37.° ambos da Lei n.° 27/2008, de 30-6, bem como do n.° 3 do art. 3.° do Regulamento Dublin, no confronto com o art. 4.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, e artigo 3.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, quanto à aplicação do Princípio da Não Devolução.

N. Tudo, constituindo NULIDADE da douta Sentença.” O MAI não contra-alegou.

Foram os autos ao Digno Magistrado do Ministério Público, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do art.º 146.º do CPTA, que se pronunciou no sentido da improcedência do recurso.

Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

II – FUNDAMENTAÇÃO II.1 – OS FACTOS Na 1.ª instância foi dada por assente, por provada, a seguinte factualidade, que não vem impugnada no recurso: 1 - Em 13/12/2019, o A., nacional da Jordânia, apresentou, junto dos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras - Gabinete de Asilo e Refugiados, pedido de asilo que deu origem ao processo n.° 2194/19 (cfr. fls. 1 e 3 do processo instrutor e admissão por acordo).

2 - Em 18/12/2019, o A. foi objecto de entrevista no GAR — Gabinete de Asilo e Refugiados, do SEF, que deu lugar à tomada de declarações, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual se extrai o seguinte: P. Em Portugal é-lhe concedido apoio por uma Organização Não Governamental designada por Conselho Português para os Refugiados (CPR) durante todo o procedimento de proteção internacional. Autoriza que seja comunicado ao Conselho Português para os Refugiados, de acordo com o previsto no n95, do artigo 24B, da Lei n9 27/08 de 30.06, com as alterações introduzidas pela Lei n9 26/14 de 05.05, a decisão que vier a ser proferida no seu processo? R. Sim.

P. Tem algum problema de saúde? R. Tenho problemas de asma.

P. Neste momento, sente-se capaz e em condições de realizar esta entrevista? R. Sim.

P. Esta primeira parte da entrevista serve para conhecermos melhor a sua pessoa, os seus antecedentes, a traçar o seu perfil. Pode falar sobre a sua pessoa, dando o máximo de detalhes sobre si.

R. Eu nasci em Aman, estudei 10 anos. A minha mãe já faleceu, tenho três irmãs e somos quatro irmãos. Casei a 08.07.2005.

P, Qual era o seu trabalho? R. Eu trabalhava num salão de cortar cabelo e finalmente tinha um gabinete de viagens. Abri a loja em 2015.

P. A loja era sua? R. Sim era mi8mhha.

P. Onde ficava esta loja? R, Em Amman, no bairro de Sofia P. Mais alguém trabalhava na loja? R. O espaço é meu mas tinha mais uma rapariga que trabalhava comigo.

P. Era com esta loja que sustentava a sua família? R. Sim P. Tinha mais algum negócio? R. Tinha um cabeleireiro para homens.

P. Sabe explicar que empresa é esta "Alhaj Eid for trade of cars spare parts"? R. O meu pai era sócio desta empresa, mas esta empresa já não existe.

P. Quem da sua família vive na Jordânia? R. As minhas irmãs são casadas lá, estão lá dois irmãos meus e o meu pai.

P. Onde está a sua mulher e os seus filhos? R. Estão também na Jordânia P.Onde estão a viver? R. Estão em Amman no bairro de Marje AI Hamam. Fica na zona do aeroporto P. Vamos agora falar sobre o percurso que fez desde que saiu do seu país até chegar a Portugal. Pode descrever todo o trajeto que efetuou, dando o máximo de detalhes.

R. Sai no dia 03 de outubro de 2017 de avião para o Líbano. Fiquei lá quatro dias e depois fui para a Turquia, para Istambul. Estive lá cerca de dois meses. Fiquei à espera da minha mulher e dos meus filhos. Eles vieram ter comigo no mês de Novembro.

P. Quanto tempo estiveram a viverem Istambul? R. Estivemos a viver juntos de Novembro a 24 de dezembro de 2017.

P. O que aconteceu depois do dia 24 de Dezembro? R. Eu fui para o chipre.

P. E a sua família? R. fomos todos juntos.

P. Quando é que entraram no chipre? R. No dia 24 de Dezembro eu estou do lado do Chipre junto à Turquia e fico lá até ao dia 28 de Dezembro. Depois entrei para o lado do Chipre do lado grego. Eu como tenho o passaporte da Jordânia é-me permitido entrar no Chipre no lado da Turquia.

P. então e a sua família? R. estavam comigo.

P. o que é que se passou no Chipre? R. Pedimos todos asilo.

P. Lembra-se a data em que pediu asilo? R. Foi no dia 08 de janeiro de 2018.

P. Qual foi a decisão ao seu pedido de asilo? R. Lá pedimos asilo e entras e ficamos à espera de ser chamado para a entrevista mas nunca chamam. Eu fechei o pedido de asilo.

P. quando é que fechou o pedido de asilo? R. No mês de Julho.

P. porque razão fechou o pedido? R. Porque as pessoas com quem eu tenho problemas na Jordânia descobriram que eu estava no chipre.

P, O que fez a seguir? R. A minha família foi para a Jordânia e eu fui para o Dubai.

P. porque é que a sua família não foi consigo para o Dubai? R. A vida lá é muito cara e difícil.

P. Porque foi para o Dubai? R. Não tinha hipótese de ir para outro país. Fui lá ter com um a migo meu.

P. Porque é que a sua família regressou à Jordânia? R. Porque a Jordânia é o país deles. Eu não podia ir com eles para o Dubai. É complicado que...

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