Acórdão nº 1844/09.3BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 22 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelTÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Data da Resolução22 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul
  1. RELATÓRIO A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 28.02.2018, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por A....., BV (doravante Recorrida ou Impugnante – antes designada E..... BV e que incorporou, por meio de fusão, a A....., N.V., ambas primitivas impugnantes), que teve por objeto o indeferimento liminar da reclamação graciosa que versou sobre as retenções na fonte de dividendos distribuídos a 14.11.2006.

    O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

    Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos: “I – Pelo elenco de razões acima arroladas, ressalve-se melhor e Vosso douto entendimento, infere-se que a sentença proferida pelo Tribunal “ad quo” caiu em erro, porquanto os factos dados como provados devem levar, na aplicação devida das normas substantivas, a solução diversa da constante na sentença recorrida e, portanto, conduzir a uma decisão diferente da adotada pelo Tribunal ad quo. Assim sendo, somos levados a concluir pela existência de uma distorção na aplicação do direito de tal forma a que o decidido não corresponde à realidade normativa objeto de uma análise deficiente, levando a decisão recorrida a enfermar de error juris. Ademais, com o devido respeito, verifica-se um deficit instrutório.

    II – As impugnantes, sociedades devidamente constituídas vieram apresentar IMPUGNAÇÃO JUDICIAL, relativamente à retenção na fonte sobre dividendos distribuídos pelo Banco Comercial Português SA., (BCP), em 2006, relativamente às acções com o código ....., no montante de 0,0037 por acção – ponto E do probatório.

    Esse rendimento bruto foi objeto de retenção na fonte a título definitivo à taxa de 10%, ao abrigo da Convenção Para Evitar a Dupla Tributação Celebrada entre Portugal e os Países Baixos – pontos G e I do probatório.

    III - As questões controvertidas prendem-se com a legalidade das retenções na fonte efetuadas à impugnante respeitantes ao pagamento dos dividendos distribuídos, atento o direito Europeu e, especificamente o princípio da livre Circulação de Capitais.

    IV – Estando em causa a tributação de dividendos distribuídos a sociedades não residentes, a informação necessária para que se proceda ou não à retenção na fonte, depende de saber qual a situação fiscal ou tributária do sujeito passivo e, portanto não se encontra na disponibilidade da AT.

    V – Quanto à legalidade das retenções na fonte efetuadas à impugnante aquando do pagamento de dividendos distribuídos, atentos ao direito europeu e, especificamente o princípio da livre Circulação de Capitais, importa concluir sobre a boa aplicação e cumprimento do Internacional e Comunitário, por duas ordens de razões.

    VI – A primeira directamente por via da aplicação da Convenção bilateral assinada por Portugal e Holanda, Resolução da Assembleia da República n.º 62/2000 que aprovou, para ratificação, a Convenção entre a República Portuguesa e o Reino dos Países Baixos para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital, assinada no Porto em 20 de Setembro de 1999 a que ambos os Estados se vincularam e que vigora na ordem jurídica, nos termos do art.º 8.º da CRP.

    VII - A segunda por via da observância da directiva sobre o regime fiscal comum aplicável às sociedades-mães e sociedades afiliadas de Estados membros diferentes (n.º 90/435/CEE) na redacção à data dos factos: 2006.

    VIII - As sociedades impugnantes não se conformam com a retenção na fonte (operada a título definitivo a uma taxa de 10%), porque, não considerando o valor da participação por si detida de pelo menos de 20% do capital da sociedade distribuidora por mais de dois anos, entende que nenhuma retenção deveria ter ocorrido.

    Consideram ainda essa retenção assente numa discriminação injustificada entre accionistas residentes e não residentes em Portugal, em violação do princípio da livre circulação de capitais, em contrariedade com o previsto no artigo 56.º do Tratado da Comunidade Europeia (“TCE”) e, consequentemente, consubstanciando uma violação do primado do direito comunitário sobre o direito interno, tal como consagrado no n.º 4, do art.º 8.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).

    IX – Contudo, tal discriminação não se verifica porque nas condições estabelecidas no artigo 2.º da Directiva n.º 90/435/CEE, do Conselho, de 23 de Julho, a isenção apenas ocorre sempre que se coloque à disposição de entidade residente noutro Estado Membro da União Europeia que esteja nas mesmas condições e que detenha directamente uma participação no capital da primeira não inferior a 20 % e desde que esta tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante dois anos. (Redacção da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro) - negrito nosso. Ora, a impugnante não fez prova desses requisitos.

    X - Assim, para que fosse materialmente e imediatamente aplicável o disposto no número 3 do art.º 14.º do CIRC, a isenção, deveria ser feita prova perante a entidade que se encontrava obrigada a efectuar a retenção na fonte, anteriormente à data da colocação à disposição dos rendimentos ao respectivo titular, de que a mesma se encontraria nas condições de que depende a isenção aí prevista, sendo esta a relativa às condições estabelecidas no artigo 2.º da Directiva n.º 90/435/CEE, de 23 de Julho, a efectuar através de declaração confirmada e autenticada pelas Autoridades Fiscais competentes do Estado membro da União Europeia da residência da entidade beneficiária dos rendimentos (ainda de observar seriam as exigências previstas no artigo 119.º do CIRS).

    Tal prova não foi feita e a matéria de facto provada relativamente às sociedades impugnantes também não permite concluir que as mesmas detinham uma participação superior a 20% do capital da entidade que procedeu à distribuição dos dividendos, embora o valor de aquisição das mesmas possa ser superior a € 20.000.000,00 (sem que se saiba qual o capital da entidade distribuidora e sem qualquer verificação do código relativo às acções em causa, conforme supra melhor exposto).

    XI – De facto, face à possibilidade de ocorrência de dupla tributação internacional, por estarmos perante um ato que ocorre por previsão das normas tributárias de dois Estados, a situação deve ser ainda enquadrada com o auxílio das convenções internacionais. Nesse âmbito tal situação, encontra-se prevista e regulada pelas Convenções Internacionais, livremente ratificadas pelos Estados, in casu: a Convenção entre a República Portuguesa e o Reino dos Países Baixos para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital, assinada no Porto em 20 de Setembro de 1999, aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 62/2000, em 27 de Abril de 2000.

    Desse modo e com efeito, a reciprocidade de tratamento entre Administrações Fiscais é evidente sendo disso também expressão o que se colhe de https://www.belastingdienst.nl/wps/wcm/connect/bldcontenten/belastingdienst/business/other_subjects/refund_or_exemption_dividend_tax/dividend_tax_refund ou de https://www.belastingdienst.nl/wps/wcm/connect/bldcontenten/belastingdienst/business/other_subjects/refund_or_exemption_dividend_tax/forms XII – Como tal, para qualquer interpretação sobre a matéria decidenda há que atentar ao que refere o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo: 0968/12, Acórdão datado de 23-01-2013, disponível em www-dgsi-pt, ou seja, o direito comunitário não pode deixar de ser observado pelo que, em caso de dúvidas face à aplicação do direito comunitário e em consumação do art.º 8.º n.º 4 da CRP, existe o reenvio prejudicial para o TJCE, cujas decisões são vinculativas para os tribunais portugueses, conforme é exemplo o acórdão datado de 2003/07/27, proferido no processo n.º 0874/03, disponível também em www-dgsi-pt. Ora desde já se invoca que em caso de dúvida se deve colocar a questão em apreço ao TJCE.

    XIII - Questão semelhante (tributação de juros) foi apreciada no acórdão TJUE proferido em 22 dezembro 2008 (processo nº C-282/07), tendo sido emitida pronúncia nos seguintes termos: “Os artigos 52º do Tratado CE (que passou, após alteração a artigo 43º CE), 580 do Tratado CE (actual artigo 48º CE), 73º-B e 73º-D do Tratado CE (actuais, respectivamente, artigos 56º CE e 58º CE), devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação fiscal de um Estado-membro que obriga à retenção na fonte do imposto sobre os juros pagos por uma sociedade residente desse Estado a uma sociedade beneficiária residente de outro Estado-Membro, embora isente dessa retenção os juros pagos a uma sociedade beneficiária residente do primeiro Estado-membro cujos rendimentos são tributados neste último Estado-Membro a título do imposto sobre as sociedades.

    Este considerando deve ser conjugado com o considerando 32 do acórdão TJUE proferido em 8 novembro 2007 (processo C-379/05), que apreciou questão semelhante de diferença de tratamento fiscal resultante das diferentes residências de sociedades beneficiárias de dividendos distribuídos. (...) há que distinguir tratamentos desiguais, permitidos nos termos do artigo 58º, nº 1, alínea a), CE, das discriminações proibidas pelo nº deste mesmo artigo.

    (…) para que uma regulamentação fiscal nacional (...) possa ser considerada compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais , é necessário que a diferença de tratamento respeite a situações não comparáveis objectivamente ou se justifique por razões imperiosas de interesse geral (v. acórdãos de 6 de Junho de 2000, Verkoojjen,C-35/98 (…); de 7 de Setembro de 2004, Manninen, C-319/02 (..); e de 8 de Setembro de 2005,Blanckaert,C-512/03(...) XIV – E, como se refere a propósito na obra “A Tributação das Sociedades na União Europeia” consideram-se impostos...

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