Acórdão nº 1865/09.6BELRA de Tribunal Central Administrativo Sul, 09 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelANA PINHOL
Data da Resolução09 de Julho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACÓRDÃO I.

RELATÓRIO A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade «P...................» contra os actos de liquidação adicional de IRC, dos exercícios de 2005 e 2006 e respectivos juros compensatórios, no montante global de €217.042,40.

Nas suas alegações de recurso formula as seguintes conclusões: «

  1. A AT cumpriu as exigências legais impostas em matéria de fundamentação formal das suas decisões – artigo 77º, nº1 da LGT e artigos 152 e 153º do CPA, aplicáveis ex vi o art.2º do CPPT, dado ter apresentado os elementos factuais e documentais que integram o procedimento inspectivo num discurso suficiente, claro e congruente, permitindo ao seu destinatário, do ponto de vista de um “destinatário normal” colocado numa situação semelhante à sua, conhecer e avaliar das concretas razões de facto e de direito que levaram a AT a decidir como veio a decidir.

    B) Igualmente, cumpriu o ónus probatório que sobre si recaía, trazendo ao procedimento inspectivo todo um acervo de sérios e suficientes indícios, no sentido de demonstrar que as operações tituladas pelas facturas postas em causa não correspondiam a reais e efectivas transacções de bens e/ou serviços.

    C) Não competindo à AT demonstrar a falsidade das facturas em crise, mas apenas evidenciar os indícios bastantes da sua inverdade, de molde a fazer cessar a presunção de veracidade de que beneficia a contabilidade e as declarações do contribuinte, tudo nos termos dos artigos 74º, nº 1 e 75º, nºs 1 e 2 da LGT e do art.342º, nº 1 do Código Civil, aplicável ex vi o art. 2º do CPPT.

    D) Cabendo ao contribuinte, nestas circunstâncias, o ónus da prova da realidade das operações respectivas.

    E) Nesse exacto sentido e com a devida vénia, vejam-se os Acórdãos de 2003/04/30, do STA, processo 0241/03, do TCAN de 2013/03/14, processo 01393/06.1BEBRG e, ainda, do TCAN de 2013/02/28, processo 00383/08.4BEBRG.

    F) O relatório inspectivo final amplamente demonstrou que as facturas postas em crise não discriminavam os alegados serviços prestados quer quanto à data da sua realização, que quanto ao local da sua realização, quer quanto à sua duração, extensão ou quantidade, recorrendo a expressões vagas, tais como “prestações de serviços de betonilhas” ou “execução de trabalhos de betonilhas” e incapazes de possibilitar qualquer exame ou controlo pela AT.

    G) A contabilidade ou escrita da sociedade impugnante também não supriu qualquer das insuficiências apontadas à facturação, nem a notificação que lhe foi dirigida, em 29/09/2008, veio fornecer quaisquer elementos documentais complementares, de modo a colmatar as lacunas do descritivo das facturas.

    H) A mesma ausência de elementos se verificou em relação aos meios de pagamento envolvidos, evidenciando o relatório inspectivo que as facturas questionadas foram alegadamente liquidadas em numerário e em montantes que excediam os limites impostos pelo art.63º-C da LGT, na redacção vigente à data dos factos (€7.494,00 e €7.718,00, respectivamente para 2005 e 2006).

    I) Ficando por esclarecer, designadamente, o facto de os pagamentos efectuados em numerário não terem reflexo nos extractos bancários da impugnante, a discrepância detectada entre os locais, as datas da prestação/fornecimento dos serviços, os pagamentos efectuados e as saídas de meios financeiros das contas bancárias e, ainda, a identificação dos beneficiários desses pagamentos, nem o estabelecimento de uma correspondência entre os valores debitados na conta-caixa e os valores das facturas em causa.

    J) A organização contabilística implementada na impugnante não permitia, de forma clara e inequívoca, demonstrar os pagamentos aos fornecedores relativos às prestações de serviços postas em causa.

    K) Violando os artigos 17º, nº 3 e 123º do CIRC.

    L) As facturas em causa não cumprem os formalismos legais em sede de IVA (art.36º do CIVA) e em sede do IRC (art 23º do CIRC), não podendo documentar os custos do exercício (nem conferir direito à dedução do IVA mencionado).

    M)Tudo nos termos do art.23º do CIRC (e do art.19º, nº 3 do CIVA).

    N) Conforme profusa prova documental produzida pela Fazenda Pública - relatório inspectivo final e seus anexos e documento único que foi junto à contestação, e, ainda, o depoimento da testemunha arrolada pela RFP que, na audiência de julgamento, depôs com objectividade e conhecimento pessoal dos factos.

    O) Factualidade assim provada, mas sem reflexo no probatório e, a final, sem consideração na fundamentação da decisão final.

    P) O probatório encontra-se pois deficientemente fixado, notoriamente insuficiente quanto à factualidade estabelecida a partir da prova documental e testemunhal produzida pela AT.

    Q) A fundamentação substancial das correcções efectuadas reveste-se da clareza, suficiência e congruência que a lei lhe impõe e foi contemporânea à iniciativa correctiva da AT.

    R) A sentença sob recurso incorre em erro de julgamento, por deficiente avaliação da prova documental e testemunhal produzidas pela AT e fixação do probatório, fazendo errónea aplicação e interpretação dos normativos legais que regulam a situação vertente, designadamente, do artigo 268º/3 da CRP, dos artigos 63º-C, 74º, 75º e 77º da LGT e artigos 23º, 17º e 123º do CIRC, pelo que não deve manter-se.

    Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de Vossas Ex.as, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, anulando a decisão ora recorrida e mantendo-se as liquidações adicionais de IRC dos anos de 2005 e 2006 na ordem jurídica, com o que se fará como sempre JUSTIÇA» **A Sociedade Recorrida apresentou contra-alegações e formulou as seguintes conclusões: «

  2. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou procedente a impugnação judicial apresentada pela ora Recorrida, anulando as liquidações nº ................ e nº ................, relativas a IRC dos exercícios de 2005 e 2006, respectivamente, emitidas na sequência das correcções efectuadas no âmbito de acção de inspecção externa desencadeada pela DFL, por alegada violação do disposto nos artigos 23º do CIRC, 38º, 58º, 74º e 75º da LGT e 6º do RCPIT; B) As correcções efectuadas pela inspecção tributária, nas quais se baseia a decisão ora sindicada, partem do pressuposto de que algumas das facturas emitidas pela Recorrente não titulam verdadeiras prestações de serviços, configurando operações simuladas; C) Em sede de decisão, o Douto Tribunal a quo aderiu na íntegra à argumentação expendida pela ora Recorrida, dando como provados os factos alegados e sustentados nos documentos do procedimento administrativo, concluindo que os indícios recolhidos pela Recorrente não permitem suportar objectivamente as correcções efectuadas à matéria tributável da ora Recorrida e, consequentemente, a emissão das respectivas liquidações adicionais; D) Factualidade reforçada pelos Serviços do Ministério Público que decidiram arquivar o processo-crime contra a Recorrente por insuficiência e contradições nos elementos recolhidos pelos serviços da AT e em concreto pela DFL no decurso do procedimento de inspecção; E) Por discordar da referida decisão, a Fazenda Pública apresentou recurso da sentença proferida alegando, em suma, que a decisão do Tribunal a quo incorre em erro de julgamento, por deficiente avaliação da prova documental e testemunhal produzidas pela AT e fixação do probatório, fazendo errónea aplicação e interpretação dos normativos legais que regulam a questão controvertida; F) Desde logo, a Recorrida não pode deixar de salientar a clamorosa falta de rigor das alegações apresentadas pela Recorrente, quanto aos argumentos que fundamentam o presente recurso, uma vez que esta entende ter feito "profusa prova" dos factos alegados, invocando para o efeito o depoimento da testemunha por si arrolada, quando, na verdade, não houve nos presentes autos produção de prova testemunhal, (cfr. Despacho proferido pelo Douto Tribunal a quo a fls. 533, de 4 de dezembro de 2012); G) Por outro lado, a ora Recorrente não logrou cumprir o ónus a que estava adstrita nos termos do artigo 640ºCPC, não resultando claro das suas alegações quais os factos que esta entende terem sido incorrectamente julgados e, também, quais os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados; H) Feitas estas considerações prévias e conforme se evidenciou nas presentes contra-alegações, entende a Recorrida que a posição sustentada pela Recorrente nas suas doutas alegações de recurso padece de manifesto erro nos pressupostos de facto, pelo que a sentença ora recorrida não merece qualquer censura, requerendo-se a sua confirmação por parte deste Venerando Tribunal, bem como a total improcedência do presente recurso; I) Face ao teor da impugnação judicial apresentada pela ora Recorrida, da sentença do Tribunal a quo e das alegações da Fazenda Pública, a questão material controvertida é só uma: averiguar se a AT cumpriu os critérios legais e em concreto o ónus de prova para fundamentar as correcções em sede de...

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