Acórdão nº 00739/18.4BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 03 de Julho de 2020
Magistrado Responsável | Helena Canelas |
Data da Resolução | 03 de Julho de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RELATÓRIO A ENTIDADE NACIONAL PARA O MERCADO DE COMBUSTÍVEIS, E.P.E.
(devidamente identificada nos autos) ré na ação administrativa que contra si foi instaurada em 09/03/2018 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga por C., LDA.
(igualmente devidamente identificado nos autos) em que foram identificados como contrainteressados (1) a DIRECÇÃO GERAL DE ENERGIA E GEOLOGIA-DGEG; (2) o FUNDO AMBIENTAL; (3) a B., SA; (4) a C., SA; (5) a P., SA; (6) a R., SA; (7) a O., SA; (8) a A., LDA e (9) a P., SA, inconformado com a decisão proferida pela Mmª Juíza do Tribunal a quo datada de 19/06/2019 (fls. 434 SITAF) pela qual declarou a área administrativa materialmente incompetente para apreciar a questão objeto dos autos e determinou a remessa dos autos à área tributária daquele Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, dela interpôs o presente recurso de apelação (fls. 463 SITAF), pugnando pela revogação da decisão recorrida considerando-se o Tribunal Administrativo competente em razão da matéria para decidir a ação, formulando as seguintes conclusões nos seguintes termos: A. Entendeu o Tribunal a quo não ser competente em razão da matéria para conhecer dos presentes, tendo remetido os mesmos para o Tribunal Fiscal de Braga, pois que, “Atento os contornos do litígio evidenciados quer pela Petição Inicial quer pelos documentos juntos com o mesmo articulado, está em causa, e em suma, a (i) legalidade do acto - decisão proferida no processo n.º 013/UB/2016, a correr termos nos serviços da Ré - ENTIDADE NACIONAL PARA O MERCADO DE COMBUSTÍVEIS, EPE, que determinou o pagamento da quantia de €4.516.000,00 (quatro milhões quinhentos e dezasseis mil euros) à Autora relativos a compensações pelo alegado incumprimento das obrigações de incorporação de biocombustível relativas ao ano de 2015”.
B.
Partindo da necessidade da necessidade de apurar da natureza da compensação, o douto Tribunal a quo questiona, sem mais, se “As compensações pela incorporação deficiente de biocombustível, devidas nos termos do Decreto-lei n.º 117/2010, de 25 de Outubro (supra referido) constituem tributos?”, mais tendo concluindo que, “No caso em apreço, está em causa, manifestamente, a aplicação de normas de direito fiscal uma vez que a pretensão as compensações previstas no artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 117/2010 constituem tributos (públicos), revestindo as características próprias acima referidas – são prestações pecuniárias coactivas, devidas a entidades públicas para satisfação das suas finalidades.” C. Justificou o douto Tribunal a quo sua convicção, assim descrita, no facto de: • “O Decreto-Lei n.º 117/2010 citado (..) estabelece um regime de compensações e contra-ordenações relativamente aos operadores que desrespeitem as suas obrigações de incorporação, sendo que uma das obrigações – a que aqui releva – é a aquisição de títulos de biocombustíveis a terceiros, sendo estes em princípio transaccionáveis em mercado por produtores e incorporadores. Dispondo o artigo 24.º do citado DL, que sempre que os operadores não consigam apresentar títulos de biocombustíveis (TdB) que atestem o cumprimento das respectivas obrigações de incorporação ficam sujeitos ao pagamento de compensações, determinadas por cada TdB que esteja em falta.”; • “No caso de o operador não cumprir, a ENMC despoleta o procedimento de imposição do pagamento da compensação aplicável (..)”; • “(..) também por vontade do legislador, que o facto gerador da obrigação de pagar as compensações estabelecidas no citado artigo 24.º do DL n.º117/2010, está no incumprimento das obrigações de incorporação previstas no referido artigo 11.º, relativa à falta de apresentação dos TdB, sendo a vontade das partes irrelevante quer quanto ao seu conteúdo, validade e momento, pois que na falta da apresentação referida, nasce de imediato a obrigação legal de pagar as compensações.”; • “As compensações que no DL n.º 117/2010 estão fixadas são devidas a entidades públicas para a satisfação das suas finalidades próprias.” D. Ora, com o devido respeito, que é muito, não podemos concordar com o pugnado pelo douto Tribunal recorrido pois que, não só a Autora Recorrida configurou a ação como administrativa, na perspetiva de que o ato de aplicação de compensações tem natureza administrativa, bem como se verifica manifesto erro de julgamento quanto à natureza da compensação do n.º 1 do 24.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de Outubro, ao ter o douto Tribunal a quo qualificado a mesma como ato de liquidação tributário, configurando a referida compensação, isso sim, um ato administrativo sancionatório (que não contraordenacional).
Senão vejamos: E. Na doutra sentença ora em recurso é feita uma análise à legislação dos biocombustíveis, concluindo-se que a compensação reveste as características típicas dos tributos públicos atenta a sua estrutura, procedimento de aplicação e regras de afetação da receita que não permitem qualificá-la como sanção (administrativa).
Ora, F. Do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de Outubro, sob a epígrafe metas e obrigação de incorporação, emerge, prima facie, a obrigação que leva à compensação em caso de incumprimento.
G. Este preceito sofreu diversas alterações16, sendo que o essencial manteve-se sem alterações, a saber: • A menção, precisa, à existência de uma obrigação, que consta do n.º 1, nos seguintes termos: “As entidades (…) abreviadamente designadas por incorporadores, estão obrigadas a contribuir para o cumprimento das metas de incorporação nas seguintes percentagens de biocombustíveis (…)”; • O estabelecimento, com ligeiras variações nas diversas versões, do procedimento a que fica sujeito o particular, com vista a demonstrar o cumprimento da obrigação (a obrigação de incorporação é comprovada, trimestralmente, através da apresentação de títulos de biocombustíveis junto da entidade fiscalizadora especializada para o setor energético, pelos incorporadores).
H. Há, assim, inequivocamente, uma obrigação e há também um procedimento destinado a provar o seu cumprimento, sendo que, o diploma legal é perfeitamente claro em relação ao facto de não existir substituto para a apresentação de TdB’s, havendo, isso sim, mais de uma forma de obter os TdB’s, como seja através da incorporação de biocombustíveis ou da aquisição a quem tenha títulos em excesso.
I. Assim, a alternativa existe, com vista a estimular o comportamento do mercado (aqui se findando a margem de opção que a lei concede), em incorporar ou adquirir de quem incorporou “em excesso” e tem títulos disponíveis para serem transacionados, o que significa que, a lei não fixou um sistema com três alternativas: i) incorporação; ii) aquisição; iii) pagamento de taxa ou imposto, através da compensação.
J. Não existe uma equivalência, nem a lei parece indicar, em momento algum, que ou entrega TdB’s ou paga tributo, não havendo, assim, a apresentação de uma alternativa de cumprimento através de um mecanismo fiscal. A compensação é algo que surge após o incumprimento, que visa reparar ou reestabelecer a ordem jurídica violada ou, de outro modo, as consequências da violação.
Mais ainda, K. O diploma legal em apreço tem um Capítulo V, dedicado a Compensações e regime contraordenacional, sendo que este enquadramento sistemático não deve, do ponto de vista interpretativo, ser tido por inócuo.
L. Na verdade, a partir dele conseguimos intuir dois aspetos relevantes: i) as compensações e as contraordenações são realidades distintas (o que, aliás, resulta também do disposto nos artigos 26.º e 27.º do diploma legal); ii) o legislador agrupou, no mesmo capítulo, realidades distintas do cumprimento e que importam apenas em situações de incumprimento. Dito de outro modo, as consequências do incumprimento são agrupadas num capítulo dedicado a sanções ou, mais amplamente, à reação e compensação do incumprimento (havendo reposição da legalidade violada).
M. Este capítulo sofreu, nos seus dois artigos principais, os artigos 24.º e 25.º, algumas alterações desde a sua entrada em vigor, sendo que, tais alterações reforçam a ideia de que estamos perante duas reações sancionatórias administrativas, ainda que, em dado momento, de natureza diferente (sendo que, como há muito é reconhecido, a distinção entre sancionar e reparar o mal feito é ténue).
Ora, N. Do Artigo 24.º na versão inicial, resultava que: “1 - Pelo incumprimento do disposto no n.ºs 1 e 3 do artigo 11.º e do n.º 1 do artigo 28.º ficam os incorporadores sujeitos ao pagamento de compensações num valor a definir por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da energia e do ambiente, por cada TdB em falta.
(..) 3 - A determinação e a liquidação do pagamento de compensações devidas competem à DGEG.” O. Assim, a obrigação de pagar uma compensação está construída como um caso de responsabilidade, pela violação de uma obrigação determinada - “(..) Pelo incumprimento (…) ficam os incorporadores sujeitos ao pagamento de compensações.” -, surgindo, assim, como uma sanção.
P. Por outro lado, atente-se à remissão que é feita para um instrumento regulamentar, com vista a aferir o quantum da sanção17, o que configura um comportamento típico no Direito Sancionatório Público não penal (Na verdade, os ramos como o Direito do Ambiente ou o Direito da Energia e outros de elevada complexidade técnica convocam, muitas vezes, a necessidade de recorrer a disposições sancionatórias em branco).
Q. Vejamos, então, a versão seguinte, que resultou do Decreto-Lei n.º 69/2016 (a versão em vigor à data dos factos relevantes aos presentes): “Artigo 24.º Compensações 1.
O incumprimento das obrigações de apresentação dos TdB como comprovativo da incorporação de biocombustíveis nos termos do n.º 2 do artigo 11.º e dos artigos 13.º e 18.º determina o pagamento de compensações no valor de (euro) 2 000, por cada TdB em falta.
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Em alternativa ao disposto no número anterior, a...
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