Acórdão nº 279/09.2BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 25 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelPATRÍCIA MANUEL PIRES
Data da Resolução25 de Junho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACÓRDÃO I-RELATÓRIO O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “L….., LDA”, contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), relativa ao exercício de 2004, no montante global de €125.273,88.

A Recorrente formula as conclusões que infra se reproduzem: “A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos identificados que julga procedente a impugnação deduzida pela impugnante contra a liquidação de IRC referente ao exercício de 2003 no valor de € 125.273,88, na sequência de correcções efectuadas resultantes da não aceitação como gasto do valor correspondente a €396.670,39 declarados pela Impugnante com a destruição de produtos farmacêuticos.

  1. O Tribunal a quo conclui que a documentação trazida aos autos pela Impugnante não permite comprovar a efectiva verificação da perda que decorre da escrita, logo, a dedutibilidade do gasto.

  2. E sabendo nós recair sobre o sujeito passivo o ónus de demonstrar a realização quantificada do gasto de forma a comprovar a bondade do lançamento contabilístico, entendeu o Tribunal a quo estar suportado tal ónus na produção de prova testemunhal das testemunhas A….. e E….., entendimento do qual a Fazenda Pública discorda por, contrariamente ao afirmado na douta sentença aqui recorrida, decorrer da prova produzida em tal sede reconduzirem-se tais testemunhos a declarações integralmente realizadas de forma geral e abstracta.

  3. Pelo que, não poderão os factos constantes do probatório meramente concernentes a tal procedimento – factos das alíneas A. a G. – fundamentar conclusão acerca da prova efectiva do abate dos produtos mencionados nas listagens anexas aos autos de inutilização.

  4. Efectivamente, as testemunhas apresentaram-se em tribunal dispostas a esclarecer aquele que era o procedimento interno relativamente ao abate dos produtos obsoletos ou inutilizados, mas em momento algum lograram confirmar que relativamente aos produtos constantes da lista anexa aos autos de inutilização em particular tal tenha efectivamente acontecido, facto esse do qual se deduziria conhecimento directo dos factos que nos presentes autos se procuram apurar, nem em algum momento confirmaram sequer por sua livre iniciativa terem marcado presença nos alegados abates daqueles dias em particular.

  5. A testemunha A….. refere ao minuto 21 da gravação que assistia a algumas destruições, mas não diz, nem consegue assegurar que tenha assistido ao abate em questão nos presentes autos, nem sequer se recorda dos mesmos por algum motivo em particular, e só dessa forma lograria demonstrar conhecimento concreto e directo dos factos levados ao probatório; e quanto a eventuais desvios dos bens, aos 21 minutos e 54 segundos afirma que não acredita, suportado naquela que julga ser a qualidade e honestidade dos profissionais da empresa, o que nos reconduz para uma mera questão de fé, não podendo no entanto afirmar tal facto a 100% conforme afirma aos 22 minutos e 05 segundos da gravação.

  6. Por outro lado, a mesma questão colocada à testemunha E….. obteve a seguinte resposta ao minuto 34: “não tinham pessoas dessa natureza”, afirmação essa que mais uma vez assenta numa mera presunção de boa fé e não em factos objectivos relacionados com a efectiva comprovação do alegado abate dos específicos produtos em causa.

  7. Acresce que, em momento algum esta testemunha afirmou de forma expressa que tenha marcado presença naqueles dias e em particular que tenha assistido àqueles processos de destruição em particular [apenas afirma aos minutos 29 e 44 segundos que em geral procedia à destruição dos bens], pelo que, não podia a douta sentença assentar a sua convicção em tal facto não levado ao probatório e não provado.

    I. Referindo a douta sentença que “Estes produtos, como evidenciaram as testemunhas, eram objecto de várias fases de controlo interno, por forma a garantir que eram efectivamente destruídos, tendo os responsáveis pelos departamentos financeiro, contabilístico e logístico assistido à destruição dos produtos relatados nos autos de inutilização, elaborados a 30.06.2004 e 30.12.2004, referidos nas alíneas H. e I. do probatório.” (sublinhado nosso), verificamos não constar dos factos provados qualquer alusão ao facto de terem os responsáveis assistido ao abate em questão e que dá aqui como assente a douta sentença.

  8. Sublinha-se que a mera leitura dos factos das alíneas A. a E. do probatório revela precisamente todo um discurso marcadamente geral e abstracto, sem factos concretos e sem resposta às questões enunciadas supra em 35. a 44., quando o que se procura apurar nos presentes autos é: se a alegada destruição dos bens foi efectivamente levada a cabo de acordo com o procedimento instituído pela empresa e não se a empresa tinha para o efeito um procedimento instituído; se as testemunhas se recordam que os produtos em particular tenham sido devolvidos pelas farmácias ou pelos armazenistas para o centro logístico, até porque antes de lá chegar existiam mais dois pontos de recolha; se a testemunha E….. se recorda de ter conferido estes produtos em particular e da data concreta em que os mesmos foram alvo de destruição.

  9. E nenhum destes factos foi concretamente afirmado pelas duas testemunhas identificadas e em posição de poder aferir da verificação de tais factos, pois nenhuma das testemunhas afirmou peremptoriamente que os bens constantes da lista anexa aos autos de inutilização foram alvo de abate.

    L. Ora, não tendo a Impugnante feito a prova que lhe incumbia, ao abrigo do disposto no artigo 74.º da Lei Geral Tributária, suficiente e bastante no sentido de comprovar a efectiva verificação da perda inscrita contabilisticamente, não pode pois o custo ser fiscalmente aceite à luz do artigo 23.º do CIRC.

  10. E, nos termos expostos, a douta sentença ao julgar procedente a presente impugnação fê-lo incorrendo em erro de julgamento de facto, atenta a errónea apreciação dos factos pertinentes para a decisão, uma vez que reconhecendo a douta sentença não se mostrar suficiente a prova documental, basicamente reconduzida aos autos de inutilização e a uma declaração emitida pela I….., dos factos enunciados nas alíneas A. a G. resulta uma enunciação geral e abstracta que não podia convencer o tribunal de que a Impugnante logrou produzir prova capaz de que aqueles produtos em concreto constantes da relação anexa aos autos de inutilização foram efectivamente destruídos e naquelas quantidades.

  11. Mais incorrendo em errado julgamento de facto ao concluir em sede de motivação da decisão de facto terem as testemunhas assistido aos abates quando tal facto não consta do probatório nem resulta das declarações das testemunhas, com violação do disposto no artigo 74.º da Lei Geral Tributária.

    Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., concedendo-se provimento ao recurso, deverá a douta sentença ser revogada, com o julgamento improcedente da impugnação, com as legais consequências. Sendo que V. Exas. decidindo farão a Costumada Justiça.” *** A Recorrida apresentou as seguintes contra-alegações: “I. Imputa a Fazenda Pública à douta Sentença recorrida um erro de julgamento por (alegada) má apreciação da prova considerando, em particular que, face à prova produzida nos autos, não podia o Tribunal a quo decidir como decidiu.

    II. Considera a Fazenda Pública que o depoimento prestado pelas testemunhas teve carácter geral e abstracto não permitindo concluir que os produtos constantes dos anexos aos três autos de imobilização foram, de facto, destruídos.

    III. A falência de tal argumentação é manifesta na medida em que, em violação expressa da Lei e da Constituição da República Portuguesa, pretende desconsiderar a totalidade a prova testemunhal produzida nos autos fazendo depender a respectiva relevância de exigências irrazoáveis e de preenchimento materialmente impossível.

    IV. Os factos considerados (e bem) provados pelo Tribunal a quo não são mais do que a descrição do processo de controlo então implementado pela Recorrente, desde o momento em que ocorria uma devolução – o que podia suceder, quer por expiração do prazo de validade do produto, quer pela obsolescência dos mesmos, nomeadamente pela renovação das linhas dos produtos – até à respectiva destruição.

    V. Tal processo foi descrito pormenorizadamente pelas testemunhas A….. e E….., responsável pelo centro logístico da Recorrida e responsável financeiro, respectivamente e passava por: (i) Elaboração de uma nota de devolução pela farmácia ou parafarmácia onde o bem se encontrava; (ii) Confirmação “in loco” por um vendedor da Recorrente dos produtos devolvidos e transporte dos mesmos produtos, dentro de um saco, para um de dois lugares: (i) ou para a sede da empresa ou, (ii) directamente, para a central de expedição (hoje centro logístico) sita, à data em, S. João da Talha; (iii) Sempre que tal sucedia, o original da nota de devolução ia para o serviço de clientes da Recorrente, e uma cópia acompanhava o saco que continha os produtos; (iv) Com o referido original, o serviço de clientes emitia as notas de crédito em função de tais devoluções; (v) Logo que os sacos contendo os produtos chegavam ao armazém, o responsável de armazém, Sr. E….., confirmava, uma vez mais, o teor dos sacos confrontando, por amostragem, o mesmo com as notas de devolução, sendo, depois, tais sacos, colocados numa zona específica do armazém, afastados dos restantes produtos, fechados dentro de caixas e enrolados em papel celofane; (vi) Finalmente, os produtos eram recolhidos pelo funcionário P….. da empresa de gestão de resíduos (“I….., Lda”) que, na companhia de um funcionário da empresa, os transportava até ao interior de um veículo de compactação onde os mesmos eram comprimidos, triturados e destruídos; e (vii) Os resíduos resultantes dessa destruição não tinham qualquer possibilidade de...

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