Acórdão nº 247/09.4BEALM de Tribunal Central Administrativo Sul, 18 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelDORA LUCAS NETO
Data da Resolução18 de Junho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório A A... – Sociedade Turística, Lda., ora Recorrente, interpôs recurso jurisdicional do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, de 05.11.2015, que julgou improcedente a ação administrativa especial por si intentada contra o Município de Sesimbra, ora Recorrido, na qual peticionava que fosse declarada a nulidade ou anulada a deliberação da Câmara Municipal de Sesimbra, de 03.12.2008, que indeferiu o projeto de arquitetura por si apresentado no âmbito do processo de licenciamento da construção do Hotel Resort "Q...”, localizado no prédio de que é proprietária, sito no A....

Nas alegações de recurso que apresentou (fls. 374 e ss. do SITAF), culminou com as seguintes conclusões: «(…) A - DA INAPLICABILIDADE E INCONSTITUCIONALIDADE DO POPNA 1ª. Contrariamente ao decidido no acórdão recorrido e como resulta expressamente do teor da deliberação da CMS, de 2008.12.03. o pedido de licenciamento apresentado pela ora recorrente foi indeferido com fundamento na “incompatibilidade do projecto com os instrumentos de gestão territorial em vigor, designadamente o POPNA” (v. alínea ff) dos FP; cfr. Doc. 1, junto com a p.i.) - cfr. texto n°s. 1 e 2; 2ª. O procedimento administrativo relativo ao licenciamento da operação urbanística sub judice iniciou-se, em 2001.03.13 (v. alínea b) dos FP) - cfr. texto n° . 3; 3ª. O POPNA, aprovado pela RCM n.° 141/2005, de 23 de Agosto, foi publicado no Diário da República. I Série-B, n.° 161, de 2005.08.23. p.p. 4857 e segs., tendo entrado “em vigor no dia seguinte ao da sua publicação” (v. art. 53° do POPNA; cfr. Ponto 8 da RCM n.° 141/2005, de 23 de Agosto), ou seja, em 2005.08.24 - cfr. texto n°. 3; 4ª. O POPNA não é assim retroactivamente aplicável a um procedimento administrativo iniciado cerca de 4 anos antes da sua entrada em vigor, ex vi do disposto nos arts. 119° e 266° da CRP, nos arts. 7°/3, 12° e 13° do Cód. Civil e no art. 60° do DL 555/99, de 16 de Dezembro (v. Acs. STA de 2003.12.16, Proc. 047751 e de 1992.04.07, Proc. 030349, ambos in www.dgsi.pt: cfr. Ac. STA de 1990.11.20, AD 352/483; cfr. ainda Ac. TCA Norte de 2007.04.12, Proc. 01265/04.4 BEPRT; e Ac. TC n.° 63/2006, de 24 de Janeiro, www.tribunalconstitucional.pt) - cfr. texto n°s. 3 e 4; 5ª. As normas do POPNA, aplicadas com o alcance e sentido que lhes foi atribuído no acto sub judice e no Acórdão recorrido - aplicação retroactiva a procedimentos administrativos iniciados cerca de 4 anos antes da sua entrada em vigor -, são manifestamente inconstitucionais, por violação dos princípios da confiança e segurança jurídica (v. arts. 2°, 9°, 18° e 266° da CRP) e dos direitos de iniciativa económica privada e de propriedade privada (v. arts. 61° e 62° da CRP) cfr. texto n°s. 1 a 5; B - DA ILEGAL REVOGAÇÃO DE ACTOS CONSTITUTIVOS DE DIREITOS 6ª. Contrariamente ao decidido no acórdão recorrido, o p.i.p. apresentado pela ora recorrente, em 2001.03.13. foi tacitamente deferido, ex vi dos arts. 16° e 111° do DL 555/99, de 16 de Dezembro e expressamente deferido por deliberação da CMS. de 2002.07.17 (v. arts. 16° e 17° do RJUE), notificada à ora recorrente por ofício, de 2002.07.25 (v. Doc. 4, junto com a p.i.) - cfr. texto n°s. 6 e 7; 7ª. O pedido de licenciamento foi apresentado pela ora recorrente, em 2003.07.09. na sequência da aprovação vinculativa de anterior p.i.p., em 2002.07.17 (v. art. 17° RJUE), que foi notificada à ora recorrente, em 2002.07.25 (v. Doc. 4, junto com a p.i.) - cfr. texto n°s. 6 a 8; 8ª. O pedido de licenciamento apresentado, em 2003.07.09. foi acompanhado de todos os elementos legalmente exigíveis, presumindo-se devidamente instruído, ex vi do disposto no art. 11° do DL 555/99, de 16 de Dezembro (v. arts. 6°-A/2, 56°, 71°, 76° e 90° do CPA), tendo sido tacitamente deferido, ex vi dos arts. 20°/3 e 111° do RJUE e do art. 108° do CPA - cfr. texto n°s. 9 a 11; 9ª. Os referidos deferimentos tácitos e expressos assumem claramente natureza constitutiva de direitos (v. art. 108° do CPA e art. 20° do DL 555/99) - cfr. texto n°s. 12 a 15; 10ª. Dos termos e circunstâncias em que a deliberação sub judice foi emitida não resulta, de qualquer forma, o reconhecimento da existência de anteriores actos constitutivos de direitos, pelo que, inexistindo voluntariedade na produção de efeitos revogatórios, faltam, desde logo, elementos essenciais do acto em análise, que assim é nulo (v. arts. 123°/1, 133°/1 e 134°/1 do CPA) - cfr. texto n°s. 16 a 19; 11ª. Contrariamente ao decidido no acórdão recorrido, a deliberação sub judice sempre teria revogado ilegalmente anteriores actos constitutivos de direitos, violando frontalmente os arts. 140°/1/b) e 141° do CPA, pois não foi invocada e não se verifica in casu qualquer ilegalidade dos actos revogados - cfr. texto n°s. 20 e 21; C - DA FALTA DE AUDIÇÃO PRÉVIA 12ª. O douto acórdão recorrido enferma de manifestos erros de julgamento, tendo violado frontalmente o disposto nos arts. 20°, 267a/5 e 268°/4 da CRP e os arts. 7°, 8° e 100° e segs. do CPA, pois: a) A deliberação em análise foi proferida “sem audição prévia da A.”, e, além disso, não foram invocados quaisquer fundamentos de facto e de direito justificativos da dispensa dessa audição prévia, pelo que tal acto não podia deixar de ser anulado, ex vi do disposto nos arts. 8°, 100° e 103° a 105° do CPA, bem como do princípio da participação dos particulares na actividade administrativa, constitucionalmente consagrado (v. art. 267°/5 da CRP; cfr. arts. 121° e segs. do NCPA); b) A aplicação in casu do princípio do aproveitamento dos actos administrativos constituiu verdadeira decisão surpresa, e o recurso a este princípio tem como limites intransponíveis a não violação de normas constitucionais e normas imperativas, in casu os arts. 267°/5 e 268°/4 da CRP e os arts. 7°, 8° e 100° e segs. do CPA, não sendo invocáveis meras razões de economia procedimental para salvar ou sanar a posteriori actos ilegais (v. arts. 20°, 203°, 204°, 266 e 268°/4 da CRP) - cfr. texto n°s. 22 a 25; D - DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO 13ª. A deliberação sub judice enferma de manifesta falta de fundamentação de facto e de direito, ou, pelo menos, esta é obscura, contraditória, insuficiente e incongruente, tendo sido frontalmente violados o art. 268°/3 da CRP e os arts. 103°, 124° e 125° do CPA (cfr. arts. 153° e 154° do NCPA). pois: a) Não contém, em si, quaisquer fundamentos de facto e de direito, sendo manifestamente inadmissível e insuficiente referir “a incompatibilidade do projecto com os instrumentos de gestão territorial em vigor, designadamente o POPNA” - cuja aplicação in casu é, conforme se demonstrou, inconstitucional e ilegal -, sem concretizar e especificar os instrumentos em causa e as normas pretensamente violadas; b) Não invocou, nem demonstrou a aplicação in casu de qualquer norma jurídica que pudesse fundamentar o indeferimento impugnado e a revogação de anteriores actos constitutivos de direito, nem foram minimamente invocados quaisquer factos susceptíveis de fundamentar tais decisões; c) A aplicação in casu do princípio do aproveitamento de actos administrativos ilegais constituiu verdadeira decisão surpresa, e o recurso a este princípio tem como limites intransponíveis a não violação de normas constitucionais e normas imperativas, in casu os arts. 267°/5 e 268°/3 da CRP e os arts. 124° e 125° do CPA, não sendo invocáveis meras razões de economia procedimental para salvar ou sanar a posteriori actos ilegais (v. arts. 20°, 203°, 204°, 266 e 268°/4 da CRP) - cfr. texto n°s. 26 a 31; E - DAS VIOLAÇÕES DE DIREITOS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS 14ª. Contrariamente ao decidido no acórdão recorrido, a deliberação impugnada violou ainda os princípios constitucionais da segurança das situações jurídicas e da protecção da confiança da ora recorrente, bem como os princípios da legalidade, da confiança e do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos e os seus direitos de iniciativa económica e de propriedade privada, o que determina por si só a respectiva nulidade (v. art. 133°/2/d) do CPA; cfr. arts. 2°, 9°, 17°, 18°, 61°, 62°, 205° e 266° da CRP e arts. 3°, 4° e 6°-A do CPA) - cfr. texto n°. 31. (…)».

O Recorrido, devidamente notificada para o efeito, não contra-alegou.

Neste Tribunal Central, o DMMP notificado nos termos do disposto nos artigos 146.º e 147.º do CPTA, pronunciou-se no sentido de o recurso não merecer provimento.

Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

  1. 2. Questões a apreciar e decidir: As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento em virtude de: i) ter decidido que o pedido de licenciamento apresentado pela ora Recorrente não foi indeferido com fundamento na “incompatibilidade do projeto com os instrumentos de gestão territorial em vigor, designadamente o POPNA” - como resulta expressamente do teor da deliberação da CMS, de 2008.12.03 – cfr. 1.ª a 5.ª conclusões de recurso; ii) ao não ter anulado a deliberação impugnada por esta ter revogado ilegalmente anteriores atos constitutivos de direitos – na sequência de pedido de informação prévia apresentado e pedido de licenciamento subsequente -, violando frontalmente os arts. 140°/1/b) e 141° do CPA, pois não foi invocada e não se verifica in casu qualquer ilegalidade dos atos revogados - cfr. texto n°s. 20 e 21 – cfr. 6.ª a 11.ª conclusões de recurso; iii) ao ter aplicado in casu do princípio do aproveitamento dos atos administrativos, verificada que foi a falta de audiência prévia, o que constituiu verdadeira decisão surpresa, e em virtude de o recurso a este princípio ter como limites intransponíveis a não violação de normas constitucionais e normas imperativas, in casu os arts. 267°/5 e 268°/4 da CRP e os arts...

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