Acórdão nº 00147/10.5BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução15 de Maio de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório O Município de (...), devidamente identificada nos autos, no âmbito da Ação Administrativa Comum contra si intentada pela A., S.A.

, tendente a ser indemnizada em 69.909,59€, acrescidos dos correspondentes juros, em decorrência do acidente verificado em identificada Estrada Municipal, em 21.10.2004, em que foi interveniente Betoneira da sua segurada Sociedade G., Lda., ao ter sido arrastada em resultado de abatimento de terras verificado no local, inconformado com a Sentença proferida no TAF de Mirandela em 2 de maio de 2015, que julgou a ação parcialmente procedente, tendo condenado o Réu, designadamente, ao pagamento à Autora de quantia equivalente a dois terços do que esta pagou aos lesados, veio recorrer para esta instância, aí tendo concluído: “1- A Douta Sentença ignora matéria que foi alvo de confissão da Autora em sede de pontos 1, 2, 4, 5, 6, 8, 9, 10, 11, 32 e 50 da Douta PI, e que de per si já permitia dirimir o litígio, e atribuir à segurada e seus motoristas a total responsabilidade pelo acidente.

2- Assim, a Autora confessou que o evento em análise tratou-se de um acidente de viação – facto que é sustentado pelo vertido no artigo 2.º do Código da Estrada, (versão em vigor à data); Douto Acórdão da Relação de Coimbra de 07/07/87 – Col. Jur. XII-IV-62; Douto Acórdão da Relação de Lisboa de 12/12/96 – Col. Jur. XXII-V-140; Douto Acórdão do Supremo de 21/06/67 – Bol. 168-229; e no mesmo sentido Código Civil Anotado de Antunes Varela – 2.ª edição a páginas 447 e 448.

3- Tal matéria deveria ter sido alvo de concretização expressa, prevendo um ponto específico em sede de matéria Provada, dando assim como provado que o evento em análise se tratou de um acidente de viação.

4- Ao não fazê-lo de forma expressa, o Digníssimo Tribunal Recorrido violou o disposto no artigo 358.º n.º 1 do CC, violou o disposto no artigo 2.º do C. da Estrada, na versão em vigor à data dos factos, e violou o sentido dos Acórdãos referidos.

5- A Autora confessou que o veículo sinistrado era conduzido por um funcionário da Segurada pela Autora, no exercício das suas funções.

6- Tal matéria foi alvo de confissão pela Autora, e aceitação pelo Réu, e deveria ter sido alvo de consignação expressa em sede de matéria Provada.

7- Ao não fazê-lo, o Digníssimo Tribunal Recorrido violou o disposto no artigo 358.º n.º 1 do CC, e desconsiderou também a prova produzida.

8- O facto de o veículo sinistrado estar a ser conduzido por um funcionário da Segurada pela Autora, no exercício das suas funções implica a análise do sinistro ao abrigo do disposto no artigo 503.º n.º 3 do CC.

9- Com efeito, tratando-se de comissão, incumbe sobre o motorista uma presunção de culpa.

10- Em sede de Douta Sentença, a página 13.º, o Digníssimo Juiz entende que tal presunção de culpa não deve pesar na análise do litígio, nomeadamente pelo facto de o Réu não se apresentar como lesado, e tal presunção só interessar caso terceiros demandassem a segurada.

11- Tais argumentos não podem colher, nomeadamente sabendo-se que a Autora assume posição processual em que substitui a segurada.

12- Acrescenta em parágrafo 3.º da mesma página que “Na presente situação tal não ocorre, e veja-se que, a proceder tal argumento, estava encontrada a fórmula mágica para que todas as entidades públicas se desonerassem das suas responsabilidades sempre que, numa ocorrência deste género, houvesse relação de comissão.” 13- À Autora cabia o ónus da prova previsto no artigo 342.ºdo CC, acrescida da presunção de culpa prevista no artigo 503.º, n.º 3 do CC, elementos jurídicos desconsiderados pela Douta Sentença.

14- Tal desconsideração, além de furtar elementos essenciais à análise do litígio, também representa uma discriminação negativa do Réu, em razão da pessoa, e por essa via é uma violação do disposto no artigo 13.º da CRP.

15- A Autora também confessa que o veículo estava estacionado, e que esse facto implicava a ocupação da berma e de parte da estrada.

16- Essa confissão vem de facto expressa em sede de matéria Provada em factos 5, 7, e 8.

17- Ora, conjugada com os factos Provados 19.º, 20.º, 21.º e 22.º, facilmente se verifica que a viatura estava mal estacionada, nomeadamente por violação do disposto no artigo 50.º n.º 1, alínea a) do Dec-Lei 114/94, de 3 de Maio, revisto e republicado pelo Dec-Lei 2/98 de 3 de Janeiro – o estacionamento do veículo impedia a formação de duas filas de trânsito, numa via onde se faz em dois sentidos.

18- Esta situação tem importância acrescida devido ao facto de o Réu ter sido condenado por não colocar sinalização proibitiva de estacionamento no local.

19- A proibição de estacionamento já deriva da Lei, o que deita por terra um fundamento essencial da condenação: a omissão de sinalização.

20- A proibição de estacionamento aplica-se, por via do Código da Estrada, a veículos, como o sinistrado, que impeçam a formação de duas filas de trânsito, numa via onde se faz em dois sentidos.

21- Sobre este ponto, importa igualmente apontar à Douta Sentença a falha de entender que o veículo não se encontrava em circulação – página 14, 2.º parágrafo: “Ora, a viatura não se encontrava em circulação, mas parou no local à espera de outra viatura …”, ou seja, entende o Meritíssimo Juiz que o veículo sinistrado, apesar de estacionado ocupando a berma e parte da via, não se encontrava em circulação.

22- Este entendimento, que parece justificar o entendimento de que o veículo não se encontrava mal estacionado, viola o disposto no artigo 2.º do Código da Estrada – um veículo, mal estacionado, ocupando parte da berma e da via, está em circulação! 23- Relacionada com a questão da irregularidade do estacionamento, está a desconsideração da presunção (iuris tantum), que a jurisprudência considera surgir da violação de regras legais que disciplinam a circulação rodoviária (presumindo-se a negligência do condutor), também desconsiderada em sede de Douta Sentença.

24- A Autora confessa também que o condutor do mesmo veículo já por diversas vezes, o havia estacionado no mesmo local, carregado de betão, com o objetivo de o descarregar na dita obra, sendo que o ponto 8.º de factos Provados não expressa essa confissão de forma clara.

25- Daí que deveria constar dos factos Provados que “o condutor do mesmo veículo já por diversas vezes o havia estacionado no mesmo local, carregado de betão, com o objetivo de o descarregar na dita obra.” 26- A prova Documental produzida, nomeadamente os documentos 3.º e 4.º juntos com a Contestação concorrem para provar que foram as específicas características do veículo, bem como o facto de estar mal estacionado, que associados à repetição da infração levaram ao acidente; 27- Também comprova que a via estava em bom estado e que os motoristas poderiam ter estacionado os camiões em local mais seguro (nomeadamente onde se encontra estacionada a camionete), 28- Matérias que deveriam constar de Factos Provados.

29- A prova testemunhal produzida vai no sentido da tese vertida pelo aqui Réu, e justificava, nomeadamente, que fosse dado como provado que: O estacionamento do veículo impossibilitava a formação de duas filas de trânsito (portanto, estava mal estacionado), Que a via e o muro onde se deu o acidente se encontravam em bom estado; Que os camiões se encontravam estacionados por vezes durante mais de meia hora, encostados ao muro, e por vezes mais do que um ao mesmo tempo, no mesmo local onde se deu o acidente; Que a via era transitada por camiões de grande porte, nomeadamente para a construção da autoestrada A24, e que nunca ocorreu qualquer problema; Que “Os habitantes do local temiam que o acidente ocorresse devido ao mau estacionamento, repetido, daquele tipo de viatura, por períodos longos, por vezes de mais de um veículo, com o mecanismo em funcionamento, inclinados, carregados, e que por isso o muro pudesse ceder.” Que o motorista poderia ter estacionado em local mais seguro 30- Por outro lado, o facto 28.º de factos Provados deve ser corrigido, porque não expressa o teor dos depoimentos, e substituído pelo texto “Os habitantes do local temiam que o acidente ocorresse devido ao mau estacionamento, repetido, daquele tipo de viatura, por períodos longos, por vezes de mais de um veículo, com o mecanismo em funcionamento, inclinados, carregados, e que por isso o muro pudesse ceder.” 31- A Douta Sentença peca assim por: 32- Desconsiderar a matéria alvo de confissão pela Autora, 33- A prova Documental e testemunhal produzida, 34- Entender haver omissão de sinalização quando a proibição é evidente, e resulta diretamente da Lei, 35- Entender haver omissão de fiscalização quando tal não é missão do Réu, mas sim da GNR (que não terá agido), 36- E por último desconsiderar a carga negligente da conduta do(s) motorista(s) da segurada da Autora, a quem se impõe um dever especial de cuidado, e que assumiu um comportamento descuidado e temerário, violando igualmente o código da estrada.

37- O presente Recurso tem assim por base o disposto nos artigos 639.º, n.º 2 (por violação do artigo 358.º n.º 1, e 503.º, n.º 3 do C. C., artigo 50.º n.º 1, alínea a) do Dec-Lei 114/94, de 3 de Maio, revisto e republicado pelo Dec-Lei 2/98 de 3 de Janeiro, artigo 2.º do mesmo diploma, e artigo 13.º da CRP) e 640.º n.º 1 e 2, do CPC, Termos em que deverá ser revogada a Douta Decisão Recorrida e substituída pela absolvição total do Réu, ou pelo menos ser alterada a proporção da condenação, diminuindo a responsabilidade do Réu.” O Recurso Jurisdicional foi admitido por Despacho de 30 de Junho de 2015.

A Recorrida A., S.A.

não veio apresentar Contra-alegações de Recurso.

O Ministério Público junto deste Tribunal, tendo sido notificado em 14 de outubro de 2016, veio a emitir Parecer em 26 de outubro de 2016, no qual, a final, se pronuncia no sentido de dever “ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e, consequentemente ser inteiramente...

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