Acórdão nº 145/19.3BCSLB de Tribunal Central Administrativo Sul, 14 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelDORA LUCAS NETO
Data da Resolução14 de Maio de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório A Federação Portuguesa de Futebol, reclama para a conferência da decisão sumária do relator que, no âmbito de um processo contra si proposto pelo F... - FUTEBOL, SAD, que, ao abrigo do disposto nos art.s 652.º, n.º 1, alínea c), e 656.º do CPC ex vi art. 140.º do CPTA, por remissão para a fundamentação do acórdão deste TCA Sul de 21.11.2019, P. 102/19.0BCLSB, cuja cópia (extraída da base de dados) se anexou, decidiu o seguinte: i) Julgar procedente o recurso interposto pela sociedade F... - Futebol SAD; ii) Anular a decisão de 23.10.2018 proferida pelo Pleno da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol; iii) Revogar o acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto de 09.10.2019; e iv) Fixar o valor da causa em 2.773€, com as demais consequências legais, designadamente, em sede de fixação de custas processuais.

I.1.

A reclamação para a conferência constitui o meio adjectivo próprio ao dispor da parte que se sinta prejudicada pela decisão individual e sumária do relator sobre o objecto do recurso, podendo o recorrente/reclamante, nessa reclamação, restringir o objecto do recurso no uso do direito conferido pelo art. 635.º, n.º 4, do CPC, ex vi art. 140.º do CPTA, mas não pode ampliar o seu objecto, faculdade limitada ao recorrido nos termos do art. 636.º, n.º 1, do CPC, ex vi art. 140.º do CPTA, isto é, limitada à parte vencedora que tendo decaído em alguns dos fundamentos da acção, apesar disso, obteve vencimento no resultado final.

Nestes termos, a reclamação para a conferência da decisão sumária proferida pelo relator faz retroagir o conhecimento em conferência do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão sumária.

Cumpre, pois, reapreciar as questões suscitadas pelo Recorrente em sede de conclusões, fazendo retroagir o conhecimento do recurso ao momento anterior à decisão singular proferida.

Em sede de conclusões, apresentadas no recurso interposto para este TCA Sul pelo Recorrente, foi dito o seguinte: «(…) i. O presente recurso tem por objecto o acórdão de 09.10.2018 do Tribunal Arbitral do Desporto, que confirmou a condenação da recorrente pela prática das infracções disciplinares p. e p. pelos arts. 127.°-1 e 187.°-1 a) e b) do RD, alegadamente cometidas aquando do jogo realizado a 14.09.2018 (entre F... - Futebol SAD e G... - Futebol SAD), punindo-a em multas no valor total de €3.773,00, e fixando as custas no total de € 6.125,40.

ii. Considerando as infracções p. e p. pelos arts. 127.M e 187.M, a) e b) do RD em causa nos autos, era necessário que o Conselho de Disciplina iii. tivesse carreado aos autos prova suficiente de que os comportamentos indevidos foram perpetrados por sócio ou simpatizante da F... — Futebol SAD, e ainda, que tais condutas resultaram de um comportamento culposo da F... - Futebol SAD.

iv. O ónus da prova em processo disciplinar cabe ao titular do poder disciplinar, pelo que, não tem arguido de provar que é inocente da acusação que lhe é imputada.

v. Aliado ao ónus da prova que recai sobre o titular da acção disciplinar, vigora ainda o princípio da presunção de inocência, o qual tem como um dos seus principais corolários a proibição de inversão do ónus da prova, não impendendo sobre o arguido - in casu a recorrente - o ónus de reunir as provas da sua inocência.

vi. E precisamente o princípio de inocência que exigia ao Tribunal formular um juízo de certeza sobre o cometimento das infracções para condenar a Recorrente.

vii. Nem mesmo a presunção de veracidade dos relatórios prevista no art. 13.°, f), do RD, pode contrariar esta quadro normativo, dado que, mesmo beneficiando de uma presunção de verdade, não se trata de prova subtraída à livre apreciação do julgador, não se permitindo daí inferir um início de prova ou sequer uma inversão do ónus da prova.

viii. A míngua de meios de prova demonstrativos da violação de deveres de cuidado, o Tribunal o quo presumiu que a demandante falhou nos seus deveres, entendendo que caberia à demandante ilidir a presunção de culpa pela qual o Tribunal se segue; recorrendo a um critério da primeira aparência.

ix. Resulta claro da leitura do acórdão que o Tribunal a quo confirmou a condenação da demandante somente com base na prova da primeira aparência e num esquema argumentativo e racional fundado numa distribuição de ónus da prova: à demandada, titular do poder punitivo disciplinar, cabe fazer a prova da primeira aparência; e à demandante, uma vez comprovada essa primeira aparência, compete refutá-la, destruindo essa indiciação.

x. Este critério decisório viola o princípio da presunção de inocência, direito fundamental de que a demandante é titular e, do mesmo passo, implica que para a prova dos factos fundamentadores de responsabilidade disciplinar não será necessária uma racional e objectiva convicção da sua verificação, para além de qualquer dúvida razoável, sendo suficiente uma sua simples indiciação.

xi. Sucede que o arguido em processo disciplinar presume-se inocente, correspondendo o princípio da presunção de inocência em processo disciplinar a um direito, liberdade e garantia fundamental, ancorado no direito de defesa do arguido (art. 32.°, n.os 2 e 10 da CRP), no princípio do Estado de Direito (art. 2.° da CRP) e no direito a um processo equitativo (art. 20.M da CRP) (cf. Ac. do Pleno da Secção do CA do STA de 18-04-2002, Proc. 033881 e Ac. do STA de 20-10-2015, Proc. 01546/14, www.dgsi.pt).

xii. O critério decisório adoptado pelo Tribunal a quo - da prova da primeira aparência, com imposição de ónus da prova ao arguido - contraria aberta e frontalmente a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.

xiii. Pelo exposto, cumpre repor a legalidade, revogando-se o Acórdão recorrido e impondo-se ao Tribunal a quo que adopte um critério decisório em matéria de valoração da prova consentâneo com o princípio da presunção de inocência, exigindo-se, designadamente, que a prova de todos os elementos constitutivos da infração corresponda a um convencimento para para além de qualquer dúvida razoável, e não numa convicção da verificação decorrente da verificação de simples indícios resultantes de uma prova de primeira aparência, e que não se imponha à demandante (arguida no processo disciplinar) o ónus de demonstração da não verificação de qualquer elemento tipicamente relevante, xiv. Mas mais, nem mesmo acolhendo a presunção de verdade prevista no art. 13.°, f) do RD ou jurisprudência recente do Supremo Tribunal Administrativo (processo n.° 297/2018 de 18-11-2018) se alcançaria a condenação da aqui recorrente, porquanto sempre se mostra por preencher pressuposto de imputação e condenação: a actuação culposa da recorrente.

xv. Nos relatórios de jogo, prova documental nos autos que beneficia da presunção de verdade, não se descreve um único facto relativamente ao que fez ou não fez o clube, por referência a concretos deveres legais ou regulamentares, nem tão-pouco se descreve por que forma essa actuação do clube facilitou ou permitiu o comportamento que é censurado; sendo a actuação culposa um dos “demais elementos das infracções"’ que se impunha à FPF, aqui recorrida, provar, sempre se mostrava prejudicada a condenação do Clube por falta de preenchimento de pressuposto legal exigido pelos arts. 127.°-l el87.°- a) e b) do RD.

xvi. Assim não se entendendo, antecipa-se como inconstitucional, por violação do princípio da presunção de inocência (inerente ao seu direito de defesa, art. 32.°, n.°s 2 e 10 da CRP; ao direito a um processo equitativo, art. 20.°-4 da CRP; e ao princípio do Estado de direito art.º da CRP) e do princípio jurídico-constitucional da culpa (art. 2o da CRP), a interpretação dos artigos 127.°, n.° 1, 187.°, n.° 1, alíneas a) e b), e 258.°, n.° 1, do RDLPFP de 2017, no sentido de que a indiciação, com base em relatórios da equipa de arbitragem ou do delegado da Liga, de que sócios ou simpatizantes de um clube praticaram condutas social ou desportivamente incorrectas é suficiente para, sem mais, dar como provado que essas condutas se ficaram a dever à culposa abstenção de medidas de prevenção de comportamentos dessa natureza por parte desse clube.

xvii. Tem-se como inconstitucional, por violação por violação do princípio da presunção de inocência (inerente ao seu direito de defesa, art. 32.°, n.°s 2 e 10 da CRP; ao direito a um processo equitativo, art. 20.°-4 da CRP; e ao princípio do Estado de direito art. 2.° da CRP) e do princípio jurídico-constitucional da culpa (art. 2.° da CRP), a interpretação dos artigos 127.°, n.° 1,187.°, n.° 1, alíneas a) e b), e 258.°, n.° 1,do RDLPFP de 2017, no sentido de que se dá como provado que o clube violou deveres regulamentares e legais de vigilância, controlo e formação dos seus sócios e simpatizantes quando se prove, com base com base no artigo 13.°, al. f), do RDLFPF, que esses sócios ou simpatizantes adoptaram um comportamento social ou desportivamente incorrecto, cabendo ao clube aportar prova demonstradora do cumprimento desses seus deveres.

xviii. O parâmetro da violação do dever de prevenção adoptado pelo Tribunal a quo é o mesmo para a imputação da infracção p. e p. pelo art. 187.°, n.° 1, a) do RD, correspondente ao comportamento incorrecto dos adeptos consubstanciado em cânticos grosseiros e ofensivos de terceiros.

xix. Acontece que é completamente impossível à recorrente impedir manifestações vocais desse tipo e fica sempre por demonstrar a efectividade de qualquer possível esforço pedagógico nesse sentido.

xx. Responsabilizar disciplinarmente os clubes pelas grosserias ditas pelos seus adeptos significa puni-los por algo que, objectivamente, não estão em condições de prevenir ou evitar, o que equivale a uma responsabilidade objectiva.

xxi. Pelo que, não podia o Tribunal a quo condenar a recorrente pela violação do art. 187.º, al´. a) do RD.

xxii. Além do mais, o dever que impende sobre a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT