Acórdão nº 19/10.3BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 07 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelANA PINHOL
Data da Resolução07 de Maio de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACÓRDÃO I.

RELATÓRIO A FAZENDA PÚBLICA vem em recorrer para este Tribunal Central Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela impugnante, nos autos, A..........N.V.

( sociedade de direito holandês, com sede em ………., Zeist, nos Países Baixos), contra o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa da liquidação, por retenção na fonte, efectuada no ano de 2005.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: «I - Em apreço está o regime legal interno relativo à retenção na fonte à taxa liberatória dos dividendos distribuídos por sociedades residentes a sociedades não residentes e a pressuposta violação do Direito Comunitário.

II - Nesse sentido, o Tribunal a quo concluiu que os atos tributários impugnados nos presentes autos padecem de vício de violação de lei, por considerar que a retenção na fonte em IRC dos dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal à recorrida impugnante enquanto não residente, viola o princípio da livre circulação de capitais previsto no art.º 56.º do TCE e, consequentemente, o art.º 8.º, n.º 4 da CRP.

III - Contudo não o fez sem previamente se ter pronunciado sobre a tempestividade do meio procedimental/processual utilizado pela impugnante.

Refere a sentença recorrida que o objeto imediato dos autos é o do indeferimento tácito do pedido de revisão, sendo por referência ao mesmo que deve ser aferida a tempestividade dos presentes autos.

IV - Por outro lado, refere ainda a douta sentença que o invocado pela AT, acerca da intempestividade da presente impugnação, improcede.

V - Todavia, a AT considera a impugnação intempestiva, além do mais porque sendo conforme determinado, de direito a matéria em apreço, qualquer outro meio processual seria facultativo; logo, por ter sido apresentada impugnação para além do prazo de 2 anos após a retenção na fonte ocorrida a 6 de Abril de 2005, de acordo com o previsto no art.º 132º do CPPT, verifica-se a extemporaneidade.

VI - São pois duas questões colocadas no âmbito dos presentes autos recursais , tal como as define a sentença proferida pelo tribunal ad quo: saber se a impugnação é intempestiva e, saber se o ato de indeferimento tácito é ilegal tendo em conta que os atos de retenção sobre os dividendos distribuídos são atentatórios do direito comunitário.

Precise-se contudo ainda acerca da tempestividade que nos termos do n.º 1 do art.º 78.º da LGT a revisão oficiosa a pedido do sujeito passivo apenas pode ser efetuada desde que seja por este no prazo de reclamação administrativa e, se feita para além desse prazo, o deve ser com fundamento em erro imputável aos serviços e nunca com fundamento em qualquer ilegalidade.

VII - Referindo Jorge Lopes de Sousa “…É, assim, inequívoco que se admite, a par da denominada revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte (dentro do prazo de reclamação administrativa), que se faça, também na sequência de sua iniciativa, a «revisão oficiosa» (que a Administração deve realizar também por sua iniciativa).

No entanto, não será indiferente para o contribuinte impugnar ou não o ato de liquidação dentro do prazo da «reclamação administrativa», referido no n.º 1 do art.º 78.º da L.G.T. (Não interessa, para apreciação do caso dos autos, esclarecer o sentido da referência feita no n.º 1 do art.º 78.º da L.G.T. à «reclamação administrativa», designadamente se quer significar «reclamação graciosa» ou a reclamação administrativa prevista nos art.ºs 161.º e seguintes do C.P.A..

Na verdade, no caso em apreço, o pedido formulado pelo contribuinte foi apresentado para além do prazo máximo de qualquer desses tipos de reclamações), pois, enquanto o pedido de revisão formulado naquele prazo pode ter por fundamento qualquer ilegalidade, o pedido formulado para além daquele prazo apenas pode ter por fundamento erro imputável aos serviços ou duplicação de coleta, para além de serem diferentes as consequências a nível do direito a juros indemnizatórios.” (negrito nosso).

VIII - Nas presentes circunstâncias a recorrida evoca a ilegalidade das retenções de IRC efectuadas em 2005, clamando que deveria ter ficado isenta à semelhança das sociedades constituídas e a operar de acordo com a legislação portuguesa, por força do princípio da liberdade de circulação de capitais consagrada no art.º 63.º e seguintes do TUE.

IX - É inequívoco que não está em causa duplicação de coleta. E salvo melhor entendimento, conforme supra-exposto em sede de alegações recursais, também não estamos perante um erro imputável aos serviços - não está em causa autoliquidação senão em sentido impróprio porque as retenções na fonte foram efetivadas a título definitivo e, não pela própria impugnante, mas pelo substituto tributário.

Ou seja, como a sentença recorrida dá por provado, o pedido de “reclamação” relativo a 2005 foi interposto dentro do prazo legal. Desse modo, o pedido de revisão mesmo com fundamento em erro imputável aos serviços, não sendo necessário, leva à intempestividade do direito impugnatório por caducidade do direito de ação.

X - Por outro lado, considera ainda a AT que, no caso em apreciação, o diferente regime fiscal aplicável às sociedades não residentes não lesa os princípios da não discriminação e da liberdade de circulação de capitais ínsito no Direito Comunitário (arts. 12.º e 56.º do TCE e actuais arts. 18.º e 63.º do TFUE), pelo que, a retenção em sede de IRC, em discussão nos autos, não enferma de qualquer ilegalidade.

Destaque-se como tal que os princípios da tributação Internacional visam essencialmente: a minimização da concorrência fiscal prejudicial e, a aplicação do princípio do preço de plena concorrência em todas as transacções. Mesmo que assim não se considere, para concluir pela legalidade dos atos impugnados face às disposições do direito comunitário supra- mencionadas importa atender, igualmente, às normas vigentes do direito interno em vigor na data dos factos tributários.

XI - A nível comunitário relevam, além dos arts 12.º e 56.º do TCE já acima mencionados, o art. 58.º do mesmo Tratado, na parte que ora se transcreve: “1. O disposto no artigo 56.o não prejudica o direito de os Estados-Membros: a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido; b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infracções às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.

(…) 3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 56.º. (…)”.

Refere o citado art.º 58.º do TCE que a proibição de restrições aos movimentos de capitais não constitui um impedimento a que um EM consagre um regime diferente para os contribuintes que não se encontrem em idêntica situação.

XII - Portanto, nesse sentido, será de atender à Convenção para Evitar a Dupla Tributação (CDT).

XIII - Posto o que, antes de concluir pelo carácter discriminatório de uma determinada norma nacional (no caso está em discussão a admissibilidade à luz do direito) e da existência ou não de causas de justificação que legitimem o carácter discriminatório da mesma, importa determinar, em primeiro lugar, se estamos perante situações comparáveis. Isto porque, só existe discriminação quando o direito interno de um EM aplica regras diferentes a situações comparáveis ou sujeita situações diferentes a um regime idêntico.

XIV - Assim, é necessário proceder à comparação concreta dos casos em litígio a fim de saber se uma situação caracterizada por um tratamento diferente é ou não constitutiva de discriminação proibida pelo Tratado, colocando os não residentes de outros Estados Membros em desvantagem face aos residentes. Ora, tal apreciação não foi considerada na sentença do Tribunal de 1.ª Instância.

XV - A sentença em crise limita-se a remeter, neste ponto, para os princípios da não discriminação e da liberdade de circulação de capitais previstos, respetivamente, nos arts.ºs 12.º e 56.º do TCE (atuais arts. 18.º e 63.º do TFUE) e para acórdãos do TJUE, nos quais são manipulados esses mesmos princípios, sem apurar se o imposto retido à recorrida é recuperado no imposto devido no país do seu domicílio fiscal ou, se se encontra sujeita a um nível de tributação idêntico aos das sociedades residentes em Portugal, limitando-se a uma apreciação teórica.

XVI - Não tendo ficado demonstrado que, em concreto, se verifica a violação dos princípios da não discriminação e da livre circulação de capitais não se pode concluir tout court pelo carácter discriminatório da norma interna em discussão.

XVII - Acresce que, a este respeito, importa ter em conta o firmado na Convenção para Evitar a Dupla Tributação (CDT) celebrada entre Portugal e Holanda qual visa evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento e o capital – argumentos que constituem fundamentos igualmente tidos em conta a nível comunitário, motivo pelo qual o TJUE revela uma maior abertura na aceitação das disposições das convenções de dupla tributação celebradas pelos EM´s.

Por outro lado, como nos parece, a eliminação da dupla tributação encontra-se assegurada pela convenção como se verifica através da leitura do art.º 22.º da mesma.

XVIII - Assim sendo, não se pode concluir que a impugnante se encontra numa situação objetiva diferenciável à das Sociedades constituídas e a operar de acordo com a legislação...

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