Acórdão nº 659/18.2BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 30 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCHÃO MARQUES
Data da Resolução30 de Abril de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório R... Designated Activity Company – Sucursal em Portugal, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, contra o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, uma providência cautelar de suspensão de eficácia de todas as normas da Portaria de extensão do contrato colectivo de trabalho celebrado entre a RENA e o SITAVA e o SQAC (Portaria nº 355/2017, de 16.11).

O TAC de Lisboa, sem oposição, antecipou o juízo da sobre a causa principal (art. 121.º do CPTA).

Por sentença de 14.06.2019, a acção foi julgada improcedente e a Entidade Demandada absolvida do pedido de declaração de ilegalidade das normas, com efeitos circunscritos ao caso concreto da A.

Com tal decisão não se conformando, recorre a R… para este TCAS, terminando as alegações de recurso que apresentou as seguintes conclusões: d. Conclusões A. No entender da ora Recorrente, o Tribunal a quo andou mal: - Ao não reconhecer a violação do princípio da subsidiariedade e especialidade, previsto no artigo 515º do CT, visto que existia já um instrumento de regulamentação negocial que cobria a actividade visada pela portaria de extensão sob escrutínio; - Ao sufragar a decisão administrativa de extensão de uma portaria de extensão quando, admitidamente, a mesma não ponderou os factores cuja avaliação é determinada por regulamento administrativo, sendo que, com isso, violou a obrigação de ponderar as circunstâncias sociais e económicas que deve ancorar tal decisão, conforme previsto no artigo 514.º n.º 2 do CT.

- Ao não declarar a invalidade de uma portaria de extensão que viola a lei e regulamento administrativo e de um ato de membro do governo que contraria uma resolução do Conselho de Ministros; e - Ao omitir a pronúncia quanto à violação da concorrência, emergente da extensão do instrumento de regulamentação coletiva em causa; - Ao não declarar a invalidade da Portaria por falta de fundamentação.

Da violação dos princípios da especialidade e da subsidiariedade B. Aquando da emissão da Portaria 355/2017, que veio estender o CCT RENA, já existia um instrumento de regulamentação coletiva negocial relativo ao setor do handling, nomeadamente o CCT AESH, cujo processo de emissão da portaria de extensão estava em curso pelo menos desde 15 de maio de 2017 (data de publicação do aviso de relativo ao projeto de extensão), e veio a ser efetivamente estendido a toda a atividade de assistência em escala, pela Portaria n.º 361/2017.

  1. Por sua vez, o CCT RENA só viu o seu texto sequer publicado em 15 de outubro de 2017.

  2. Apesar disso, a decisão recorrida defendeu que a Portaria n.º 361/2017 excluía do seu âmbito a auto-assistência em escala, atividade prosseguida pela Recorrente, explanando a seguinte tese: “Da análise do âmbito funcional do contrato colectivo entre a AESH e o SITAVA e da extensão daquele, operada pela Portaria nº 361/2017, de 24 de Novembro, verifica-se que no CCT AESH/SITAVA se estabelece que aquele é aplicável às empresas pertencentes ao sector da assistência em escala, cuja actividade, embora não sendo a actividade principal, consista na prestação de serviços de assistência, seja auto-assistência ou assistência a terceiros. No entanto, a portaria de extensão não acompanha integralmente esse âmbito, já que as condições de trabalho constantes do contrato colectivo e sua alteração entre a AESH e o SITAVA, foram estendidas no território do continente às relações de trabalho entre empregadores não filiados na associação de empregadores outorgante “que se dediquem à actividade de serviços de assistência em escala nos aeroportos”. Quer isto dizer que a extensão operada visa apenas as empresas que se dediquem à actividade de prestação de serviços de assistência em escala a terceiros, afastando assim do seu âmbito as empresas, como a A., cuja actividade principal é o transporte aéreo, ainda que tenha serviços de auto-assistência em escala.” E. Mas esta tese não faz sentido e não tem reflexo nos textos em causa, pois não existe qualquer elemento que possa fundar a convicção de que a portaria que estende o CCT AESH, quando menciona os “serviços de assistência em escala nos aeroportos”, se refere exclusivamente à assistência a terceiros.

  3. Aliás, o argumento do Tribunal a quo desmente-se a si próprio, pois se o texto do CCT AESH refere incluir na prestação de serviços de assistência, seja a (i) auto-assistência; seja a (ii) assistência a terceiros; porque motivo é que a portaria que o estende, ao referir apenas “serviços de assistência”, estaria a excluir a primeira daquelas modalidades (auto-assistência) e não a segunda (assistência a terceiros)? G. A verdade é que qualquer declaratário normal, concluiria que o âmbito da Portaria 361/2017, quando refere os serviços de assistência em escala, inclui tanto a modalidade de auto-assistência como a de assistência a terceiros e, caso pretendesse excluir alguma delas, o declarante normal mencioná-lo-ia.

  4. Note-se que o próprio texto da Portaria 361/2017 assim o indica, porque, logo no segundo parágrafo do seu preâmbulo, descrevendo o âmbito do próprio CCT AESH, refere o seguinte: “O contrato coletivo e a sua alteração entre a AESH (…) e o SITAVA (…) abrangem as relações de trabalho entre empregadores (…) que se dediquem à atividade de serviços de assistência em escala nos aeroportos, correspondentes às categorias 1, 2, 3, 4 e 5 previstas no anexo I do Decreto-lei n.º 275/99, de 23 de julho” I. Note-se que apesar de, reconhecidamente, o CCT AESH incluir ambas as modalidades de assistência, o emissor da portaria não sentiu necessidade de o clarificar neste trecho, tal como não o fez no texto do articulado. Assim, caso o Tribunal a quo quisesse, corretamente, obter indícios sobre o alcance da expressão “serviços de assistência em escala nos aeroportos” incluída na portaria, tinha elementos para o fazer no mesmo texto em que essa expressão surge.

  5. Em face do exposto, e existindo já um instrumento de regulamentação negocial aplicável ao setor, a emissão da Portaria 355/2017, viola o artigo 515.º do CT, motivo pelo qual, prevalecendo a lei sobre a portaria, deveria a decisão recorrida ter declarado a ilegalidade de todas as normas da Portaria 355/2017.

    Da violação do artigo 514º do Código do Trabalho e de Resolução do Conselho de Ministros K. A decisão ora recorrida aplicou mal o Direito quando não declarou a ilegalidade da Portaria 355/ 2017, apesar de esta desrespeitar o disposto: (i) no artigo 514.º n.º 2 do CT; e (ii) na Resolução do Conselho de Ministros n.º 82/ 2017, publicada em 09.06.2017 (doravante “RCM 82/2017”).

    1. A portaria de extensão assume a natureza de regulamento administrativo pelo que o poder de a emitir é limitado pelo princípio da legalidade administrativa, sendo sujeita, desde logo ao disposto no artigo 514.º n.º 2 do CT: “A extensão é possível mediante a ponderação de circunstâncias sociais e económicas que a justifiquem, nomeadamente a identidade ou semelhança económica e social das situações no âmbito da extensão e no do instrumento a que se refere.” M. Assim, duas questões avultam: (i) podia a Portaria 355/ 2017 ser aprovada sem a ponderação económica e social prevista na lei, nomeadamente através dos indicadores e elementos densificadores dessa imposição previstos na RCM 82/2017? e (ii) qual o resultado que se poderia extrair dessa ponderação, caso tivesse existido, à luz da informação existente? (1) Da (in)validade de emissão de portaria de extensão na ausência de ponderação económica e social determinada pela Lei e RCM 82/ 2017 N. Face ao disposto no artigo 514. N.º 2 do CT, a extensão das condições de um CCT depende da ponderação das circunstâncias que aí se encontram expressamente mencionadas. Daí que a RCM 82/ 2017 disponha que o Conselho de ministros resolve: “1 – Estabelecer que a decisão para a emissão de portaria de extensão, tendo em conta o disposto no n.º 2 do artigo 514.º e no artigo 515.º ambos do Código do Trabalho, deve ser precedida da análise dos seguintes indicadores:

    1. Impacto sobre a massa salarial dos trabalhadores abrangidos e a abranger, tendo em vista a aferição dos possíveis impactos económicos da extensão; b) Aumento salarial dos trabalhadores a abranger; c) Impacto no leque salarial e na redução das desigualdades no âmbito do instrumento de regulamentação coletiva a estender; d) Percentagem de trabalhadores a abranger (no total e por género); e) Proporção de mulheres a abranger”.

  6. Apesar do quadro legal impor a ponderação dos elementos acima referidos, a decisão recorrida, optou por ignorar essa obrigação, referindo que a falta de ponderação dos indicadores referidos na RCM 82/ 2017 não impede a emissão de portaria de extensão.

  7. Mas este entendimento é totalmente inócuo porque a análise dos indicadores referidos na RCM 82/2017 é, precisamente, a ponderação de circunstâncias económicas e sociais determinada pelo artigo 514.º n.º 2 do CT. Ou seja, não se apreciando estes indicadores, incumpre-se directamente o disposto nesta norma legal.

  8. Acrescenta o Tribunal a quo, ainda neste domínio, que a análise em causa não era possível por: (i) não existirem dados disponíveis no Relatório Único/Quadros de Pessoal que a DGERT efetua; (ii) tratar-se aqui da extensão do primeiro CCT para o setor do transporte aéreo.

  9. Mas não existe qualquer base legal para fundar a tese de que a análise exigida pela lei e pela RCM 82/ 2017 deve ser executada com base no Relatório Único/Quadros de Pessoal.

  10. Assim, como é incompreensível a tese de que a extensão de um primeiro contrato coletivo poderá escapar à necessidade de ponderação nos mesmos termos em que o são outras extensões, quando o senso comum indicaria o contrário.

  11. A verdade é que, tanto o disposto no artigo 514.º do CT, como o disposto na RCM 82/2017, determinam a necessidade de se efetuar essa ponderação obrigatoriamente, pelo que, mal andou o Tribunal a quo, quando sufragou um...

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