Acórdão nº 223/19.9BEALM de Tribunal Central Administrativo Sul, 27 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelPEDRO NUNO FIGUEIREDO
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO S.....

– S….. & C…..., Lda., intentou providência cautelar contra o Infarmed - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P., na qual requer a suspensão de eficácia da deliberação de 14/12/2018 do Conselho Diretivo da entidade demandada, que considerou apto o pedido de transferência da farmácia M.....

de Lisboa para Almada.

Indicou como contrainteressada a sociedade S.....

, Sociedade Farmacêutica, Lda.

Citadas, tanto a entidade demandada como a contrainteressada apresentaram contestação, por exceção, invocando a exceção de ilegitimidade da autora, e por impugnação.

A autora apresentou réplica, sustentado a improcedência daquela exceção.

Por despacho de 28/05/2019, foi determinada a antecipação do conhecimento do mérito da ação administrativa principal, processo n.º 234/19.4BEALM.

Por decisão de 19/09/2019, o TAF de Almada julgou procedente a ação administrativa e anulou a deliberação impugnada.

Inconformada, a entidade demandada interpôs recurso desta decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem: “1.ª O douto Tribunal a quo deveria ter julgado procedente a exceção de ilegitimidade ativa da Recorrida invocada pelo INFARMED, porquanto, nos termos do artigo 55.º/a) do CPTA, a Recorrida não tem qualquer interesse direto e pessoal nos presentes autos.

  1. Nos termos do artigo 2.º/1/c) da Portaria 352/2012, o legislador utilizou a distância de 350 metros como critério legal para assegurar que cada farmácia tem a clientela necessária para ser um negócio atrativo e assim se manter aberta em funcionamento, de forma a garantir a distribuição medicamentosa e de serviços farmacêuticos pelo território e pela população.

  2. Desta forma, sendo incontroverso que a farmácia da Contrainteressada se transferirá para um local situado a cerca de 850 metros da sua farmácia, é evidente que a Recorrida não tem qualquer interesse direto e pessoal pelo simples facto de também ser proprietária de uma farmácia de oficina.

  3. Se assim não se entender, o que apenas em mero benefício de raciocínio se admite, tal significaria qualquer farmácia do país, independentemente da distância a que estejam da nova localização da farmácia da Contrainteressada, teriam legitimidade para requerer a suspensão do ato praticado pelo INFARMED, o que, naturalmente, não faz qualquer sentido.

  4. O Tribunal a quo andou mal ao julgar procedente o vício de violação de lei do artigo 26.º/3 do DL 307/2007, por falta de parecer das câmaras municipais dos concelhos de origem e de destino da transferência ora em causa.

  5. É que, no artigo 2.º da Lei 26/2001 – onde se encontra consagrado os requisitos deste procedimento – não se encontra previsto a necessidade de pedir parecer prévio às câmaras municipais de origem e destino da farmácia a transferir.

  6. Aliás, mais se diga que da análise do regime de transferência de farmácia para concelhos limítrofes não resulta que os requisitos materiais e procedimentais constantes do artigo 26.º do DL 307/2007, sejam avaliados pelo INFARMED no âmbito deste procedimento, porquanto o artigo 2.º da Lei 26/2011 é totalmente omisso a qualquer remissão para o regime de transferência de farmácias dentro do mesmo município.

  7. A conclusão que agora se efetuou é a única aceitável ao abrigo do artigo 9.º do CC, porquanto é a única que interpreta corretamente o artigo 2.º da Lei 26/2011.

  8. De facto, se se fizer uma interpretação histórica do referido preceito, concluir-se-á que não há qualquer elemento que faça aplicar o artigo 26.º do DL 307/2007, ao procedimento para transferência de farmácias para o concelho limítrofe, porquanto 10.ª antes da entrada em vigor da Lei 26/2011 – que alterou também o DL 307/2007 –, o DL 307/2007 era omisso quanto à possibilidade da transferência das farmácias de oficina para concelhos limítrofes 11.ª Sendo certo que, com a entrada em vigor da Lei 26/2011, teve o cuidado de criar um novo regime de transferência de farmácias, regime esse que é absolutamente autónomo do já existente, na medida em que tem os seus requisitos próprios e não faz qualquer remissão para o regime já existente.

  9. Fazendo uma interpretação sistemática do referido preceito, concluir-se-á que entre o artigo 2.º da Lei 26/2011 e os artigos 20.º e seguintes da Portaria 352/2012, as “necessárias adaptações” referidas pelo legislador no artigo 31.º daquela portaria, são referentes precisamente à não aplicação do artigo 26.º do DL 307/2007, na versão dada pela Lei 26/2011.

  10. É que, com exceção do artigo 20.º/1/e) e f) da Portaria 352/2012, todos os demais artigos aplicáveis são relevantes para que o INFARMED possa apurar se, nos termos do artigo 2.º da Lei 26/2011, estão reunidos os requisitos para que uma farmácia se possa transferir para um concelho limítrofe, pelo que, forçoso será concluir que as “necessárias adaptações” referidas pelo legislador no artigo 31.º da Portaria 352/2012 pressupõem a não aplicação do artigo 26.º do DL 307/2007, na redação dada pela Lei 26/2011, ao regime da transferência de farmácia para concelhos limítrofes.

  11. Pelo que, o douto Tribunal a quo deveria ter julgado improcedente este vício, assim como a presente ação.” Igualmente apresentou recurso a contrainteressada, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem: “1. O presente recurso de apelação vem interposto da sentença de fls. dos autos que «julgou a presente acção administrativa procedente e consequentemente anulou a deliberação impugnada», ou seja, a Deliberação do Conselho Directivo do INFARMED, de 14 de Dezembro de 2018, que deferiu o pedido de transferência das instalações da Farmácia M.....

    , propriedade da Contra-Interessada, da Rua .....

    , n.º .....

    , ....-...

    Lisboa, concelho de Lisboa, para a Rua .....

    , .....

    , ....-...

    Charneca de Caparica, concelho de Almada, doravante designada por «decisão recorrida»; 2. A título meramente subsidiário e apenas para o caso de o Tribunal recorrido não rectificar a decisão recorrida, desde já se alega perante o Tribunal Central Administrativo - Sul, ao abrigo do n.º 2 do artigo 614.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, a existência de erro material, que corresponde ao trecho «A contra-interessada também foi citada nos presentes autos, não tendo deduzido contestação.» (cfr. p. 2 da sentença), solicitando-lhe diretamente que proceda à respetiva rectificação, para que passe a ler-se: «A contra-interessada também foi citada nos presentes autos, tendo deduzido contestação.» (cfr. p. 2 da sentença); 3. A Contra-Interessada, ora Recorrente, considera incorrectamente julgado o ponto da matéria de facto correspondente ao artigo 78.º, da oposição da Contra-Interessada, ora Recorrente; os concretos meios probatórios, constantes do processo, que impunham decisão diversa, é o doc. n.º 5, juntos com a oposição da Contra-Interessada, ora Recorrente, o qual não foi impugnado; e a decisão que, no entender da Recorrente, deve ser proferida é a de Provado que: «A Deliberação do Conselho Directivo do INFARMED n.º .....

    /CD/2015, de 29 de Janeiro, tem o teor seguinte: «Desde a entrada em vigor da Lei n.° 26/2011, de 16 de julho (“Lei 26/2011”) o INFARMED tem entendido que a autorização de transferência de farmácias para concelhos limítrofes estava dependente da emissão de pareceres favoráveis por parte das câmaras municipais dos concelhos de origem e de destino da farmácia a transferir, por aplicação analógica do artigo 26.º/3 do Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de agosto, na redação dada pela Lei 26/2011 (“DL 307/2007”).

    Este entendimento do INFARMED teve como fundamento o facto de que só com os pareceres das câmaras municipais é que poderia atestar a pertinência da transferência de uma farmácia para um concelho limítrofe para a defesa do interesse público, interesse esse que se consubstancia na boa distribuição de medicamentos e serviços farmacêuticos pela população e pelo território.

    Na verdade, porém, e após reanálise desta questão, o INFARMED concluiu que, pelos motivos que de seguida se enunciarão, esse entendimento não é o que melhor se coaduna com a letra e o espírito da lei.

    Vejamos.

    O regime de transferência de farmácias encontra-se consagrado no artigo 26.° do DL 307/2007, e no artigo 2.º da Lei 26/2011, sendo que, aquele artigo consagra a transferência de farmácias dentro do mesmo concelho, enquanto que este consagra o regime das transferências de farmácias para os concelhos limítrofes da localização original.

    O artigo 26.°/1 do DL 307/2007, na redação dada pela Lei 26/2011, estatui que, “sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a proprietária pode, dentro do mesmo município, transferir a localização da farmácia, desde que observe as condições de funcionamento.” Isto é, nos termos do referido artigo, uma farmácia pode transferir-se para uma localização dentro do mesmo concelho desde que observe as condições de funcionamento previstas nos artigos 27.º e seguintes do DL 307/2007) e respeite os demais requisitos materiais e procedimentais constantes do artigo 26.º do DL 307/2007.

    Por outro lado, no artigo 2.º da Lei 26/2011, uma farmácia pode transferir-se para um dos concelhos limítrofes do concelho onde se encontra instalada, desde que, para além de serem observadas as condições de funcionamento (previstas nos artigos 27.º e seguintes do DL 307/2007), se verifiquem as seguintes condições: i) a transferência seja para um concelho limítrofe cuja capitação seja superior á capitação mínima, ii) existam farmácias a menos de 350 metros do local onde a farmácia originariamente se encontra instalada, e iii) a capitação no município de origem não se torne superior ao mínimo legalmente exigível para a abertura de novas farmácias.

    Note-se que, da análise do regime de transferência de farmácia para concelhos limítrofes não resulta que os requisitos materiais e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT