Acórdão nº 1718/19.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 27 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelPAULO PEREIRA GOUVEIA
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I – RELATÓRIO S..............., m.i. nos autos, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de LISBOA impugnação judicial urgente de decisão de inadmissibilidade de pedido de proteção internacional contra MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA - SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS (SEF).

A pretensão formulada perante o tribunal a quo foi a seguinte: - Anulação da decisão do Sr. Diretor Nacional do SEF, de 14.8.2019, que considerou inadmissível o pedido de proteção internacional que formulou, determinando a transferência para Itália - E, consequentemente, a sua substituição por outro ato que permita a análise do seu pedido de proteção internacional pelo Estado Português.

Por sentença de 22-11-2019, o tribunal a quo decidiu absolver o réu dos pedidos.

* Inconformado, o autor interpôs o presente recurso de apelação contra aquela decisão, formulando na sua alegação o seguinte prolixo quadro conclusivo: 1. O recurso vem interposto da douta sentença que decidiu julgar improcedente a ação administrativa para impugnação da decisão proferida pelo Excelentíssimo Senhor Diretor Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, datada de 29.3.2018, que não admitiu o pedido de proteção internacional formulado pelo aí Autor por o considerar infundado, absolvendo assim a Entidade Demandada - Ministério da Administração Interna- do pedido.

  1. No âmbito dos presentes autos foi peticionado o provimento da presente impugnação judicial e consequentemente a anulação da decisão proferida pelo Diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, de transferência do pedido de proteção internacional para Itália, e consequentemente, a sua substituição por outro ato que permita a análise do pedido de proteção internacional pelo Estado Português.

  2. Foi proferida Sentença que julgou “improcedente a presente ação, absolvendo-se a Entidade Demandada dos pedidos.” itálico nosso.

  3. O presente recurso é interposto da referida Sentença de 22/11/2019.

  4. Salvo o devido respeito, que é muito, não pode o Recorrente conformar-se com aquela decisão plasmada na Sentença sob sindicância, nomeadamente quanto à valoração da prova produzida e à aplicação do direito bem como à violação do dever de fundamentação por parte da administração, questão sobre a qual, com o todo o respeito pela opinião contrária, não foi devidamente apreciada pelo Tribunal a quo.

  5. O Recorrente se bem alegou, fundamentou devidamente a situação vivida em Itália, relativamente à migração, que é sobejamente conhecida para qualquer pessoa que se compare a um homem médio, quanto mais para uma Entidade como o R., aqui Recorrido, que pelas suas competências e atribuições, não se pode alear, ou alegar desconhecer os contornos do contexto politico social de Itália em matéria de imigração.

  6. O Recorrente, na sua petição inicial, bem como em requerimento remetido aos autos, o qual não foi impugnado, tendo-se dado o mesmo por aceite, transcreveu excertos de informações referentes à situação vivida em Itália, os quais aqui se dão por reproduzidos por uma questão de simplicidade.

  7. Ainda assim, os textos constantes nos articulados podem ser consultados nos seguintes links: https://br.reuters.com/article/topNews/idBRKCN1J01JT-OBRTP , o artigo intitulado “Itália não será mais "campo de refugiados da Europa", diz novo governo; https://www.wort.lu/pt/mundo/it-lia-fechacentro-para- refugiados-e-despeja-mais-de-500-pessoas-5c48b166da2cc1784e33c406 , o artigo intitulado: “Itália fecha centro para refugiados e despeja mais de 500 pessoas”; Em 16/09/2019 o jornal italiano “The Italian Times” publicou um artigo, cuja publicação pode ser consultada em https://www.theitaliantimes.it/politica/decreto-sicurezza-bis-cos-e- cosa-prevede-novita_160919/, cujo teor do artigo são nomeadamente as alterações provocadas pelo novo Decreto de Segurança 2019 aprovado, conhecido também pelo decreto de Salvini, na migração, e não só; Em 24/09/2019 o jornal Público publicou um artigo cujo título é: “Decreto anti-imigração de Salvini aprovado por unanimidade” Consultável em:https://www.publico.pt/2018/09/24/mundo/noticia/decreto- anti-imigração-de-salvini-aprovado-por-unanimidade-1845089 9. Tudo o acima exposto é indiciativo das condições e do que se passa atualmente em Itália, tal como referido na Petição Inicial.

  8. Muita é a informação que tem vindo a público, veiculada pela comunicação social, nacional e internacional, sobre a situação de grande afluência de refugiados em Itáliaesobreascondiçõesdeacolhimentoepermanênciadosrequerentesdeproteçãointernacionaldaquele Estado-Membro.

  9. Bem sabemos que cabe ao A. o ónus da prova dos factos que alega.

  10. No entanto, uma entidade como a R., pelas suas competências e atribuições, não se pode alear ou alegar desconhecer os contornos do contexto político social de Itália em matéria de imigração, devendo antes pugnar pela obtenção de informação concreta antes de proferir a sua decisão.

  11. Veja-se neste sentido, e a título de exemplo, o Douto acórdão proferido em 06/06/2019 pelo Douto Tribunal Central Administrativo Sul, no processo n.º 2240/18.7BELSB.

  12. É certo que, muitas vezes os migrantes, os que pedem asilo, ou pessoas em geral, não falam, omitindo até situações, porque não conseguem por traumatizados das situações que passaram e vivenciaram.

  13. Não é por o Recorrente, no entendimento do Tribunal a quo nada ter declarado em termos concretos, que não poderá existir um risco considerável de o mesmo regressando a Itália ficar sujeito a uma situação de privação material, que não lhe permita fazer face às suas necessidades mais básicas, como alimentar, lavar e alojar-se.

  14. Vejamos a situação recente que aconteceu com o “Navio Open Arms”, como supra se vem referindo, com cerca de 100 pessoas a bordo, parado durante 19 dias, dada a recusa das entidades para o Navio atracar, denota-se a situação e a posição de Itália.

  15. Não poderá ser o critério de o Recorrente nada ter declarado quanto à sua situação e condições enquanto esteve em Itália, decisivo para a não anulação a decisão da Diretora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e improcedência da Ação.

  16. É referido na Douta Sentença que “(…) aceite tacitamente a responsabilidade pela apreciação do pedido de proteção internacional do aqui A. pelas Autoridades de Itália, à Entidade demandada apenas competia, como fez, proferir decisão de inadmissibilidade do pedido e, após notificação, assegurar a execução da sua transferência para esse país (…).” Itálico nosso.

  17. Ora, era à Entidade Recorrida que cabia colher mais elementos de prova quanto à situação concreta do Recorrente e das condições do mesmo em Itália no período em que lá esteve, o que não foi feito.

  18. A Entrevista/Transcrição e Decisão da Entidade Recorrida, viola de forma grosseira os deveres de fundamentação e boa-fé a que a Administração está vinculada.

  19. Caso não se considere que não existem elementos suficientes no processo que permitam a anulação da decisão do SEF, o que por mera hipótese se admite, sem nunca conceder, deverá o processo baixar à Autoridade recorrida para que esta reabra o processo e profira decisão devidamente fundamentada, fazendo as questões pertinentes. - Em sentido próximo veja-se o Douto Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul de 02/06/2016 no qual se pode ler “impõe- se ao examinador do pedido de asilo, caso o Requerente não consiga, por falta de elementos de prova, fundamentar algumas das suas declarações, mas desde que estas sejam coerentes e plausíveis face à generalidade dos factos conhecidos; 22. E ainda, o Douto acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, de 22/11/2019, que acompanha o sentido do recurso dos presentes autos dispondo que: “1. Não obstante o disposto no art. 19.º-A, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 27/2008, de 30.06 e art. 25.º, n.º 2 do Regulamento de Dublin, não é verdade que tendo ocorrido uma situação de admissão tácita, se impõe ao Estado Português, de uma forma vinculada e sem mais, a tomada de decisão de transferência do requerente de proteção internacional.

    Não sem antes o SEF averiguar acerca do procedimento e das condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional, aferindo sobre eventuais falhas sistémicas nas condições de acolhimento, muito em particular quando o país de transferência seja algum país em relação ao qual sejam conhecidas ocorrências que podem justificar a ponderação prevista no n.º 2 do art. 3.º do Regulamento de Dublin, como é o caso de Itália.

    E nem se diga que tal indagação, quanto a estes aspetos, estava dependente de alegação pelo requerente de asilo, ora Recorrente.

    Desde logo, porque tais circunstâncias embora possam revelar-se em acontecimentos passados, e vividos pelo requerente no período em que tenha estado no país em causa, e onde terá pedido Asilo, também podem ser circunstâncias supervenientes, que se verifiquem no momento em que a decisão de transferência do requerente de proteção internacional esteja em vias de se efetivar, após aceitação, expressa ou tácita, do país em causa.

    Importa distinguir, em particular nos procedimentos de natureza pretensiva, o que são aspetos pessoais, apenas conhecidos pelos interessados e que, por esse motivo, deverão...

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