Acórdão nº 919/17.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 30 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelPAULO PEREIRA GOUVEIA
Data da Resolução30 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I – RELATÓRIO N............ com sede em L……. 35, 40… B……., Suíça e N............ - P..........., S.A. com sede na Avenida Professor Doutor C……, n.º …-E, T……, 2740 – …. P……., Oeiras, intentaram no Tribunal Administrativo de Círculo de LISBOA processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias contra MINISTÉRIO DA SAÚDE e Outros, entretanto, chamados a juízo.

A pretensão formulada perante o tribunal a quo foi a seguinte: Intimação do Ministério da Saúde para aprovar todas as normas e praticar todos os atos e condutas necessários (incluindo, mas sem limitação, a emissão de orientações, circulares, guias práticos e diretrizes técnicas), dirigidas a quaisquer autoridades do Ministério da Saúde, obrigando essas entidades a: 1- garantir, na sua atuação, que, quando esteja em causa a prescrição da substância ativa IMATINIB, o sistema de prescrição eletrónico permita e exija que o prescritor identifique a indicação terapêutica para a qual o IMATINIB será utilizado, e que o prescritor tem a opção de assinalar que o IMATINIB será usado para o tratamento de GIST, e de receitar Glivec; 2- garantir que as farmácias hospitalares, quando confrontadas com uma prescrição de IMATINIB para o uso no tratamento de GIST, disponibilizaram Glivec para esse tratamento; 3- criar condições, no sistema de contratação pública, que permitam a aquisição de IMATINIB dividido por indicações terapêuticas, com separação entre medicamentos adquiridos para tratamento de GIST e medicamentos adquiridos para tratamento de outras indicações que não GIST, nomeadamente: instruindo Hospitais e outras instituições do SNS para estimar as quantidades de IMATINIB a usar no tratamento de GIST; instruindo a SPMS, Hospitais e outras instituições do SNS a lançar procedimentos de contratação pública para a aquisição de quantidades de IMATINIB estimadas para o tratamento de GIST em procedimentos ou lotes separados, cujas especificações técnicas apenas admitam medicamentos aprovados para uso no tratamento de GIST.

Após os articulados, o tribunal a quo decidiu absolver da instância os demandados por falta de interesse em agir das autoras.

* Inconformadas, as AUTORAS interpuseram o presente recurso de apelação contra aquela decisão, formulando na sua alegação o seguinte extenso quadro conclusivo: A. O recurso vem interposto da decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa quanto a intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias requerida pela N…… contra o Ministério da Saúde. A intimação foi requerida para proteger direitos de propriedade industrial, especificamente, uma patente conhecida como de "segundo uso terapêutico”, que incide sobre um medicamento - o imatinib para uso no tratamento de Tumores Estremais Gastrointestinais ("GIST").

  1. O IMATINIB tem várias indicações terapêuticas aprovadas, mas está primeiramente indicado para o tratamento de duas doenças: leucemia mieloide crónica ("LMC") e tumores de estrema gastrointestinal ("GIST"). A N......... é cotitular da Patente nº ….., intitulada "Tratamento de Tumores Estremais Gastrointestinais" (a "Patente GIST"), que protege, entre outros, o uso de IMATINIB no tratamento de GIST (as "Indicações GIST"). A N......... conferiu à N....... F....... uma sublicença para a exploração da Patente GIST em Portugal. A N....... comercializa o medicamento IMATINIB sob a marca comercial "Glivec".

  2. Por força da proteção conferida pela Patente GIST, e a menos que os titulares da patente o consintam, só o Glivec pode ser oferecido, e em geral explorado, para tratamento de GIST em território português, sem violar a Patente GIST. A comercialização, designadamente, de medicamentos genéricos de IMATINIB para uso no tratamento de GIST infringe a referida patente.

  3. Os medicamentos imatinib são prescritos e dispensados apenas em Hospitais - não se compram, nem vendem, ao público em farmácias -, e, por esta razão, o IMATINIB é adquirido pelos Hospitais do Serviço Nacional de Saúde ("SNS") através de procedimentos de contratação pública.

  4. O sistema de prescrição, e o sistema de compras públicas de medicamentos, estão organizados em função da substância ativa. Em regra, os Hospitais e Serviços do SNS, e a SPMS, lançam procedimentos de contratação pública, e compram medicamentos, por substância ativa. E os médicos prescrevem medicamentos por substância ativa.

  5. Quando o objeto da proteção da patente é o uso de um medicamento para tratamento de uma doença específica - como é o caso da Patente GIST -, o sistema atualmente implementado é desadequado para proteger a patente, ou para criar condições que permitam evitar a sua infração.

    Nesse caso, os médicos prescrevem - por exemplo - IMATINIB, e as entidades adjudicantes lançam procedimentos de aquisição de IMATINIB, independentemente da sua indicação terapêutica.

    Ao apresentar proposta a esses procedimentos, os fornecedores de genéricos de IMATINIB vão, necessariamente, oferecer, vender, e colocar IMATINIB no mercado para tratamento de GIST, assim infringindo a Patente GIST.

  6. Esta infração é uma consequência direta da forma como os sistemas de compras públicas e de prescrição foram concebidos e são implementados.

    Para criar condições para proteger a patente, é imperativo que as compras de imatinib efetuadas pelo SNS (seu único comprador) sejam divididas em função da indicação terapêutica em que o imatinib será usado.

    Sem esta separação, a Patente GIST não pode ser protegida (apenas) por sentenças proferidas por Tribunais Arbitrais, ou mesmo acatada por fornecedores de medicamentos genéricos de imatinib.

  7. A N....... requereu a presente intimação, essencialmente, para tornar possível esta separação entre imatinib para uso no tratamento de GIST (indicações protegidas pela Patente GIST), e imatinib para uso de outras indicações, não protegidas - tanto na prescrição, como na compra do medicamento imatinib por parte do SNS.

    I. Quando a N....... requereu a intimação, a SPMS estava na iminência de adjudicar um Acordo Quadro para aquisição centralizada de - entre outras substâncias - IMATINIB (o CP 2017/..... 5). Além disso, os Hospitais do SNS estavam a lançar procedimentos para aquisição de IMATINIB sem separação entre indicações protegidas pela Patente GIST e indicações não-protegidas, e a adjudicá-los a genéricos de IMATINIB.

    Essas eram as ameaças que justificavam o recurso à intimação. Entretanto, o estado de coisas à data do requerimento inicial de intimação alterou se, mas o mesmo risco iminente de violação mantém-se.

  8. O Acordo Quadro CP 2017/..... foi suspenso e depois revogado nos lotes respeitantes ao fornecimento de imatinib (o que foi comunicado aos autos, ainda em primeira instância). No momento em que a intimação foi decidida, a SPMS estava já a lançar outro procedimento pré contratual de adjudicação de um Acordo Quadro que tem por objeto o fornecimento de Medicamentos do foro oncológico e imunomoduladores, entre eles o imatinib, às Instituições e Serviços do SNS (o Acordo Quadro CP 2017/..... ).

  9. O CP 2017/..... é adjudicado em lotes, divididos apenas por substância ativa - isto é, o imatinib não será, tanto quanto se sabe, aí contratado e adquirido em função da indicação terapêutica em que será utilizado. O prazo para apresentação de propostas definido era o dia 3 de janeiro de 2018.

    L. Chamado a decidir neste contexto, o Tribunal a quo entendeu, essencialmente, que: A questão seria emergente da Invocação de direitos de propriedade Industrial pelas autoras perante empresas terceiras (...)”; e O Tribunal Administrativo seria incompetente para aferir a violação do direito fundamental de propriedade industrial, pois o artigo 2.

    º da Lei n.

    º 62/2011, de 12 de dezembro, dispõe que "os litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade Industrial, incluindo os procedimentos cautelares, relacionados com medicamentos de referência na aceção da alínea ii) do nº 1 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 116/2006, de 30 de Agosto, e medicamentos genéricos, independentemente de estarem em causa patentes de processo, de produto ou de utilização, ou de certificados complementares de proteção, ficam sujeitos a arbitragem necessária, institucionalizada ou não institucionalizada"; "Não estando demonstrada a violação do invocado direito de propriedade industrial, não podendo este tribunal conhecer dessa invocada violação, não está demonstrada a indispensabilidade de as autoras recorrerem ao tribunal administrativo por forma a intimar o Ministério da Saúde a atuar de determinada maneira em matéria de prescrição de substâncias e de organização do sistema de contratação pública. O interesse em agir consiste na indispensabilidade de o autor recorrer a juízo para satisfação da sua pretensão. Pode dizer-se que o autor só tem interesse em agir quando não dispõe de quaisquer outros meios (extrajudiciais) de realizar aquela pretensão. E isso, acontece, ora porque tais meios, de facto, não existem, ora porque, existindo, o autor os utilizou sem sucesso.

    " (página 10); Não estaria nos autos "demonstrada a necessidade da presente ação, por não estar demonstrada quer a violação dos direitos de propriedade industria/, quer que tais direitos não puderam ser plenamente prosseguidos com as ações arbitrais propostas, que as autoras referem que propuseram) e com eventuais processos cautelares instrumentais de tais ações", declarando a final a falta de interesse em agir da N....... e absolvendo as Demandadas da instância.

  10. Sem prejuízo de a N....... criticar a decisão mesmo com o suporte factual em que foi proferida, os factos relevantes para o processo tiveram desenvolvimentos importantes desde a data em que a sentença foi emitida. Apesar de o Tribunal a quo não ter apreciado o mérito da ação, o Tribunal de recurso pode fazê-lo no mesmo acórdão em que revoga a decisão recorrida (cf. artigo 149, nº 3 do CPTA). Se este alto Tribunal pretender proferir uma decisão de mérito, deve...

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