Acórdão nº 1623/19.0BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 24 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelCATARINA ALMEIDA E SOUSA
Data da Resolução24 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul l – RELATÓRIO P... – M......, LDA, veio apresentar reclamação contra o despacho do Sr. Director de Finanças Adjunto, da Direcção de Finanças de Lisboa, que indeferiu o pedido de suspensão do processo de execução fiscal n.º 3……, com dispensa de prestação de garantia.

O Tribunal Tributário (TT) de Lisboa, por sentença de 16 de Outubro de 2019, julgou procedente a reclamação, Inconformada, a Fazenda Publica veio recorrer da sentença, apresentando alegações que concluiu nos seguintes termos: «I. Visa o presente recurso demonstrar à evidência o desacerto a que chegou a douta sentença recorrida na parte em que considerou satisfatoriamente cumprido pela ora Recorrido o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais de dispensa de prestação de garantia, julgando procedente a presente reclamação e anulando o ato reclamando, o despacho do Sr. Diretor de Finanças Adjunto, da Direção de Finanças de Lisboa, que indeferiu o pedido de suspensão do processo de execução fiscal n.º 3……, com dispensa de prestação de garantia, incorrendo em manifesto erro de julgamento relativamente à má apreciação jurídica dos factos que à luz da experiência comum suportaram a sua decisão.

  1. A prova dos pressupostos legais de dispensa de prestação de garantia compete ao contribuinte interessado, in casu, à ora Recorrido, nos termos do regime do ónus da prova, artigos 342.º do Código Civil e 74.º n.º 1 da LGT. Cabe-lhe, provar que a prestação de garantia lhe causou prejuízo irreparável ou que se verifica manifesta falta de meios económicos, relevada pela insuficiência de bens penhoráveis.

  2. A dispensa de prestação de garantia depende sempre da verificação de vários pressupostos legais, dois deles de verificação alternativa, e um de verificação obrigatória, recaindo sobre o executado o ónus da prova dos dois primeiros pressupostos (alternativos), nos termos do artigo 52.º, conjugado com o artigo 74.º da LGT, com os artigos 342.º e 344.º do Código Civil e com o artigo 170.º, n.º 3 do CPPT.

  3. Nos termos do n.º 3 do art.º 170.º do CPPT, o pedido de dispensa de prestação de garantia deve ser instruído com a prova documental necessária, devendo o pedido ser logo acompanhado de toda a prova relativa aos factos relativamente aos quais se exige comprovação para ser possível dispensar a prestação de garantia.

  4. Consta do ponto G dos factos dados como provados, que a ora Recorrida apresentou, juntamente com o pedido de renovação de dispensa de prestação de garantia, “declaração passada pela sua Contabilista, a confirmar a incapacidade da ora Reclamante para prestar garantia, cópia da declaração modelo 22 e do IES e ofício da Caixa Geral de Depósitos a informar a impossibilidade de emissão de garantia bancária” [ponto G dos factos dados como provados] VI. Desde logo, os requisitos de que depende a emissão de garantia bancária pelo Banco, no caso, a Caixa Geral de Depósitos, não coincidem, ou podem não coincidir com os requisitos de dispensa de garantia constantes da lei fiscal.

  5. Desconhecemos que condições o Banco coloca e que critérios teve em consideração quando rejeitou a emissão da garantia bancária à ora Recorrido, porque tal não é sequer referido na declaração emitida pelo Banco, limitando-se a afirmar que não é possível satisfazer o pedido por não estarem reunidas as condições necessárias para a emissão da referida Garantia Bancária.

  6. Não pode, portanto, o documento servir como meio de prova da “manifesta falta de meios económicos” da ora Recorrida para efeitos de dispensa de prestação de garantia, ao abrigo do disposto no art.º 52.º n.º 4 da LGT.

  7. A sentença do Tribunal a quo nem sequer se baseou na declaração emitida pela Caixa Geral de Depósitos ou na declaração passada pela sua Contabilista, a confirmar a incapacidade da ora Recorrida para prestar garantia, ou até na declaração modelo 22 ou na IES.

  8. A sentença do Tribunal a quo não se baseou em nenhum dos documentos juntos pela ora Recorrida para justificar o pedido de dispensa de prestação de garantia, para em sede de sentença julgar verificado o requisito de falta de bens penhoráveis suficientes para pagamento da dívida exequenda e acrescido.

  9. O Tribunal a quo julgou verificado o requisito de falta de bens penhoráveis suficientes para pagamento da dívida exequenda e acrescido com base no despacho de indeferimento do pedido de suspensão do processo de execução fiscal n.º 3……, com dispensa de prestação de garantia, proferido pelo Sr. Diretor de Finanças Adjunto, da Direção de Finanças de Lisboa.

  10. E, partindo do parágrafo constante do despacho de indeferimento do pedido de suspensão do processo de execução fiscal n.º 3……, com dispensa de prestação de garantia, proferido pelo Sr. Diretor de Finanças Adjunto, da Direção de Finanças de Lisboa, o Tribunal a quo, conclui que “a penhora do bem estabelecimento comercial da Reclamante não é suficiente para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, nos presentes autos, nem nas demais execuções instauradas em nome da Reclamante que totalizam € 9 671 908,17”.

  11. E, fá-lo “com base nos documentos juntos aos autos, inclusive, da análise da declaração IES”.

  12. Apesar do Tribunal a quo ter conseguido retirar da IES o montante em dívida pela ora Recorrida não fez o mesmo raciocínio relativamente aos demais elementos, também constantes da IES junta pela ora Recorrida, que foram tidos em consideração para efeitos de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, nomeadamente os constantes do ponto L) dos factos dados como provados.

  13. Todos estes elementos foram tidos em consideração para que fosse tomada a decisão de indeferimento de dispensa de prestação de garantia, não tendo, nenhum destes elementos, sido considerado pelo Tribunal a quo, mas somente o facto de não se vislumbrar “a existência de bens penhoráveis suficientes para garantir a dívida exequenda”.

  14. Refira-se ainda que o requisito de que o Tribunal a quo se socorre, o designado “requisito de falta de bens penhoráveis suficientes para pagamento da dívida exequenda e acrescido” é, por si só enganador.

  15. O requisito ora em causa de dispensa de prestação de garantia não é exatamente o da “existência de bens penhoráveis suficientes para garantir a dívida exequenda”, mas sim o da verificação de uma situação de manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido.

  16. Torna-se necessário clarificar a situação, uma vez que não são condições similares de dispensa de prestação de garantia. Não estamos, por isso, sempre a falar do mesmo, muito pelo contrário, estamos perante condições que podem (ou não) conduzir ao mesmo resultado.

  17. Pelo que, ainda que os bens penhoráveis sejam insuficientes para pagamento da dívida, a “manifesta falta de meios económicos” pode revelar-se, ou não se revelar de outra forma.

  18. E, no caso concreto, revelou-se o contrário, a existência de meios económicos, o que só podia ter obstado ao deferimento do pedido de dispensa de garantia.

  19. Desta feita, ainda que não tenha bens penhoráveis suficientes para pagamento da dívida, ainda assim tal não invalida que tenha meios económicos para suprir a dívida e, portanto, que não se verifique um dos pressupostos para a concessão da dispensa de prestação de garantia, ao abrigo do disposto no art.º 52.º n.º 4 da LGT.

  20. Nada impede que um executado com insuficiência ou mesmo inexistência de bens penhoráveis, tenha meios económicos para suprir a dívida.

  21. O conceito de “meios económicos” é muito mais amplo do que a mera existência ou inexistência de bens penhoráveis.

  22. Não é possível avaliar a existência ou inexistência de meios económicas pela existência ou inexistência de bens penhoráveis. Não há uma relação direta e única entre ambos.

  23. Daí que se exija que, além da alegação e prova da mera insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis, o executado prove que a insuficiência ou inexistência de bens, quando manifesta uma situação de carência económica, resulta ou é agravada pela prestação de garantia.

  24. No entanto, nem esta prova foi feita nos autos, nem o Tribunal a quo fez qualquer referência a este requisito complementar.

  25. E, não se diga que não consta dos autos prova suficiente, porque a IES do período de 2017 detém toda a informação para averiguação do pressuposto.

  26. Consta dos autos toda a prova documental necessária, a qual, no entanto, não foi, incorretamente, tida em conta pelo Tribunal a quo.

  27. Aliás, a mesma prova que detinha a Autoridade Tributária e Aduaneira aquando do pedido de dispensa de prestação de garantia, e que a fez indeferir o referido pedido.

  28. À Autoridade Tributária e Aduaneira competia analisar se os documentos juntos pela Recorrida para instruir o pedido de dispensa de prestação de garantia logravam provar os pressupostos da mesma dispensa e foi exatamente isso que foi feito.

  29. Não tendo a Recorrida provado o requisito de verificação obrigatória, “manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido”, não cumpriu o ónus que sobre ele impendia no pedido de dispensa de prestação de garantia – Neste sentido veja-se o Acórdão do TCAS, de 13.09.2018, no âmbito do processo n.º 636/18.3BELRS, disponível em www.dgsi.pt XXXII. No nosso entender, a sentença recorrida, materializou uma interpretação do disposto do n.º 4 do artigo 52° da LGT, incorreta e não consentânea com a jurisprudência maioritária, incorrendo em erro de julgamento, por violação do disposto no art.º 52.º n.º 4 e 74.º da LGT, conjugado com os artigos 342.º e 344.º do Código Civil e com o artigo 170.º, n.º 3 do CPPT.

  30. Pelo que, ressalvando-se sempre o devido respeito, a douta sentença recorrida não poderá deixar de ser revogada e substituída por acórdão que, reconhecendo os vícios apontados julgue não cumprido o ónus da prova dos...

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