Acórdão nº 00634/17.4BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução15 de Novembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* * I – RELATÓRIO C. S. R. D. M. A.

, devidamente identificada nos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel [doravante T.A.F. de Penafiel], de 05.02.2019, proferida no âmbito da Ação Administrativa intentada contra a ORDEM DOS MÉDICOS DENTISTAS, que julgou procedente a suscitada exceção dilatória ilegitimidade processual da Autora, e, consequentemente, absolveu a Ré da instância.

Alegando, a Recorrente formulou as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso: “ “(…) 1ª.

A A. tem, enquanto paciente do CI e participante à Ré, um interesse legítimo para impugnar a decisão de arquivamento proferida pela Ré.

  1. Tanto mais, que a Ré não encetou qualquer diligência para apurar os atos praticados pelo CI.

  2. A A. enquanto participante e visada pelas condutas do CI tem interesse em lançar mão da arma judiciária, pois como bem salienta Vieira de Andrade “não significa que é bastante ter um interesse ilegítimo, mas apenas que basta ter um interesse de facto diferenciado, não se exigindo a titularidade de um interesse legalmente protegido”.

  3. Não restam dúvidas que a A. sendo, sem margem para dúvidas, titular de um interesse de facto diferenciado, por ser participante, visada e lesada, tem legitimidade para impugnar a decisão proferida pela Ré.

  4. A A. foi, pelo menos, reflexamente, prejudicada pela decisão de arquivamento.

  5. Os denunciantes num processo disciplinar têm legitimidade de impugnar uma decisão de arquivamento, sob pena de qualquer decisão de arquivamento ser insuscetível de impugnação.

  6. A interpretação do art° 55° do CPTA feita pela decisão recorrida, de que nos processos disciplinares, os denunciantes não têm legitimidade para impugnar a decisão de arquivamento, é inconstitucional, uma vez que, por força do artigo 20° da CRP, a todos é garantida a tutela judicial, e todos têm direito em obter uma decisão justa.

Face ao exposto a sentença recorrida violou, além do mais, o disposto no art.° 9° e 55° do CPTA e art.° 20° da CRP, pelo que, na procedência das anteriores conclusões, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra, que julgue improcedente a exceção de ilegitimidade, com o consequente prosseguimento dos autos.

Assim, se decidirá em conformidade com o Direito e se fará inteira JUSTIÇA.

(…)".

* Notificada que foi para o efeito, a Recorrida apresentou contra-alegações que concluiu da seguinte forma: “(…) 1.

O art.° 55.° n.° 1, al., a) que “ 1 - Tem legitimidade para impugnar um ato administrativo: a) Quem alegue ser titular de um interesse direto e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo ato nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos”.

  1. O interesse diz-se "direto" quando o benefício resultante da anulação do ato recorrido tiver repercussão imediata no interessado. Ficam, portanto, excluídos da legitimidade processual aqueles que da anulação do ato recorrido viessem a retirar apenas um benefício mediato, eventual, ou meramente possível.” 3.

    “O interesse diz-se "pessoal" quando a repercussão da anulação do ato recorrido se projetar na própria esfera jurídica do interessado.

  2. Finalmente, o interesse diz-se "legítimo" quando é protegido pela ordem jurídica como interesse do recorrente.” 5.

    Ora, como veremos, a Recorrente não detém qualquer direito ou interesse direto pessoal e legitimo que tenha sido afetado pelo despacho impugnado.

  3. Como é sabido, a responsabilidade disciplinar profissional resulta, principalmente, da violação de deveres deontológicos vinculativos para a classe profissional em causa, no caso dos médicos dentistas, afetando os interesses comuns a toda a classe profissional, sendo que tais deveres se encontram consagrados no C.D.O.M.D., ou no próprio Estatuto da ordem profissional.

  4. A finalidade essencial do processo disciplinar é defender os interesses da classe e da comunidade na boa administração dos cuidados de saúde, punindo os visados que os contrariem.

  5. Ou seja, o exercício da ação disciplinar não tem, por isso, em princípio, em conta os interesses pessoais dos participantes, daí que a sua efetivação caiba à entidade representativa dos interesses desta classe profissional - a Ordem dos Médicos Dentistas - que constitui uma associação pública.

  6. No que toca à defesa dos interesses particulares de cada um, rege o instituto da responsabilidade civil profissional, que aliás, no caso concreto até já se encontra a ser exercida pela Autora, na medida em que contra o Réu intentou uma ação declarativa comum a qual corre termos sob n.° 607/18.0T8PVZ no Juízo Central Cível da Póvoa do Varzim - Juiz 6.

  7. Como é de elementar clareza, a decisão impugnada não tem qualquer relevância na esfera jurídica da autora. Não lhe aquece, nem lhe arrefece.

  8. Por tal, e como é óbvio, os denunciantes ou outras pessoas diretamente envolvidas na situação concreta em que se levantou a alegada violação de deveres deontológicos não são afetadas pela procedência da ação e não têm qualquer interesse legítimo na aplicação, manutenção ou cessação do ato punitivo.

  9. É pois, patente a falta de razão da recorrente, nada havendo a apontar á decisão recorrida.

    Termos em que, deve o recurso ser julgado não provado e improcedente mantendo-se na integra a decisão recorrida, tudo com o que se fará, como é apanágio deste tribunal, inteira.... JUSTIÇA (…)”.

    * O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

    * O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer a que alude o nº.1 do artigo 146º do CPTA.

    * Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

    * *II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

    Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir resume-se a saber se a sentença recorrida, ao julgar nos termos descritos nos autos, incorreu em erro de julgamento de direito, por violação do “(…) disposto no art.° 9° e 55° do CPTA e art.° 20° da CRP (…)”.

    * *III– FUNDAMENTAÇÃO III.1 – DE FACTO O Tribunal a quo não fixou factos, em face do que aqui se impõe estabelecer a matéria de facto, rectius, ocorrências processuais, mais relevante à decisão a proferir: 1.

    A Autora, aqui Recorrente, apresentou participação disciplinar à Ordem dos Médicos, no dia 11 de julho de 2016, no qual é visado o médico dentista Paulo Rompante, portador da cédula nº. 1075 [por admissão]; 2.

    A Recorrente, com a apresentação da participação disciplinar descrita nos autos, procurou evidenciar uma eventual situação de violação das regras impostas pelas legis artis no domínio da especialidade médica desenvolvida pelo participado em relação à sua pessoa [cfr. fls. 23 e 24 dos autos - suporte físico – cujo teor se dá por integralmente reproduzido].

  10. Sobre essa participação disciplinar recaiu a deliberação do Conselho de Deontologia da Ordem dos Médicos Dentistas, de 18 de dezembro de 2016, que determinou o arquivamento da participação disciplinar apresentada pela Autora [cfr. fls. 23 e 24 dos autos - suporte físico – cujo teor se dá por...

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