Acórdão nº 582/19.63BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 21 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelPEDRO NUNO FIGUEIREDO
Data da Resolução21 de Novembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO K……..

intentou ação administrativa especial urgente contra o Ministério da Administração Interna - Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, na qual veio pedir a anulação do ato do SEF de 11/09/2018, que indeferiu o seu pedido de asilo e de proteção subsidiária, e a condenação da ré a: a) admitir o pedido de asilo ou proteção subsidiária e emitir uma autorização de residência provisória ao autor, seguindo-se os demais termos dos artigos 27.º e seguintes da Lei n.º 27/2008, por violação do artigo 24.º, n.º 4, da referida Lei; b) admitir o pedido de asilo ou proteção subsidiária e emitir uma autorização de residência provisória ao autor, seguindo-se os demais termos dos artigos 27.º e seguintes da Lei n.º 27/2008, por violação dos artigos 3.º e 7.º da referida Lei.

Alega, em síntese, que no seu país de origem verifica-se perseguição ou perigo de perseguição do autor, sistemática violação dos direitos humanos e risco de sofrer ofensa grave, ainda que não estejam verificados os requisitos do artigo 3.º da Lei n.º 27/2008, a sua situação enquadra-se no artigo 7.º, a apreciação do seu pedido não seguiu a tramitação do artigo 18.º da Lei n.º 27/2008, como deveria, pois existem relatórios que indiciam a deterioração da situação no Togo quanto a violação de direitos humanos.

Citada, a entidade demandada apresentou resposta, na qual alega, em síntese, que é correta a tramitação adotada, pois o pedido foi efetuado no posto de fronteira, o seu relato é vago, subjetivo e sem atualidade, dele não se retirando receio fundado de perseguição ou risco de sofrer ofensa grave no seu país de origem, devido a violação grave e sistemática dos direitos fundamentais, não existem indícios que suscitem o benefício da dúvida quanto a atos de natureza persecutória ou a ser insustentável a sua permanência no país, concluindo pela improcedência do pedido.

Por decisão de 11/07/2019, o TAC de Lisboa julgou a ação improcedente e absolveu a entidade demandada do pedido.

Inconformado, o requerente interpôs recurso desta decisão, pugnando pela respetiva revogação, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem: “I – Da decisão de mérito do pedido de asilo: 1.º Com base na factualidade apurada nos autos e do acervo de informação que tem vindo a público sobre a República Togolesa, sobre o assassinato indiscriminado de civis, sobre a difícil situação político-económica e social e a crescente violência que ali se vive - que serão factos que a generalidade das pessoas, têm conhecimento, podendo, nessa medida, qualificar-se de factos notórios e do conhecimento geral (cf. art.º 412.º do CPC) – é manifesto que a decisão do SEF que subsumiu o pedido do A. e ora Recorrente no art.º 19.º, n. º 1, als. e) e h), da Lei n.º 27/2008, de 30.06, está errada.

  1. A simples existência dos supra-mencionados relatórios e respectivo conteúdo, associada ao relato do Recorrente são seguramente razões pertinentes e relevantes para o mencionado pedido de protecção.

  2. O relato inicial Recorrente quanto à situação político-social e económica da República Togolesa foi sendo também corroborado nas notícias veiculadas nos órgãos de comunicação social, que de dia para dia vão apontando a situação daquele país como mais gravosa.

  3. Ora, atendendo ao concreto pedido do Recorrente, à sua situação familiar, ao conteúdo integral dos relatórios da UNHCR, da Human Rights Watch e da Amnistia Internacional indicados e ainda, às demais informações, que são públicas, sobre a República Togolesa, haverá um erro manifesto na decisão do SEF de fazer subsumir o pedido do Recorrente na tramitação acelerada do art.º 19.º da Lei do Asilo.

  4. No caso, exigia-se ao SEF a apreciação do pedido do Recorrente ao abrigo do procedimento “normal” do art.º 18.º da Lei n.º 27/2008, de 30.06, procedendo a maiores averiguações acerca da actual situação político-económica e social da República Togolesa.

  5. Caberia ao SEF, fazendo-se valer dos seus poderes oficiosos e inquisitórios, investigar acerca de toda a informação disponível sobre a situação político-económica-social da República Togolesa e depois apreciar essa mesma situação considerando as circunstâncias concretas do Recorrente, para então integrar o conceito de protecção por “razões humanitárias”.

  6. Em suma, no caso ora em apreço e face ao supra exposto, deverá entender- se que a decisão do SEF, que enquadrou o pedido do Recorrente na als. e) e h) do n.º 1 do art.º 19.º, da Lei n.º 27/2008, de 30.06, está manifestamente errada nos seus pressupostos de facto, padecendo de um vício de violação de lei, pois, no caso, as razões que são invocadas para o pedido de protecção subsidiária, para o recorrente, são pertinentes e relevantes.

  7. Ou seja, a decisão recorrida terá de ser anulada porque aplicou ao pedido da requerente, erradamente, o iter procedimental do art.º 19.º da Lei de Asilo, fazendo-o tramitar de forma acelerada, quando o mesmo havia de ter sido tramitado nos termos do art.º 18.º da referida Lei.

  8. Deverá, portanto, ordenar-se a revogação a decisão recorrida e anular o acto da Sra. Inspectora Coordenadora Superior do SEF, de 11.9.2018, que indeferiu o pedido de asilo e de protecção subsidiária formulado pelo Recorrente, e determinar ao SEF a retoma do indicado procedimento, que deve ser tramitado nos termos do art.º 18.º da Lei n.º 27/2008, de 30.06, averiguando-se sobre a situação político- económica-social na República Togolesa e ponderando-se a concreta situação da requerente do pedido de protecção subsidiária.” A entidade demandada não apresentou contra-alegações.

A Exma. Sra. Procuradora-Geral-Adjunta em funções neste Tribunal entende que da prova produzida nos autos não se extrai a conclusão da existência de perigo para o recorrente, nem este provou qualquer situação que impossibilite o seu regresso ao país de origem, concluindo dever ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

* Perante as conclusões das alegações do recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir se ocorreu erro de tramitação do pedido de proteção internacional do recorrente, considerando o disposto nos artigos 18.º e 19.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho.

Dispensados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

* II. FUNDAMENTOS II.1 DECISÃO DE FACTO Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos: 1. O A., vindo em aeronave proveniente do Brasil, no voo TP…70, foi interceptado pelos serviços do SEF no posto de fronteira no Aeroporto Humberto Delgado em 31 de Agosto de 2018, pelas 18h30m; Cf. informação de fls. 1 do p.a.1 e relatório de ocorrência de fls. 5 e ss. do p.a.

  1. Aquando da intercepção, o A. não possuía documento de viagem, tendo-se identificado verbalmente junto daqueles serviços como sendo K…….., nascido, em 21 de Abril de 1985, e nacional do Togo; Cf. ofício de fls. 3, relatório de ocorrência de fls 5. e ss. do p.a. e formulário de fls. 10, todas do p.a.

  2. No dia mesmo 31 de Agosto de 2019, pelas 21h00m, o A. apresentou um pedido de protecção internacional junto dos serviços do SEF; Cf. ofício de fls. 3, relato de ocorrência de fls. 5 e ss., comprovativo de pedido de protecção internacional de fls. 20 e também ofício de fls. 25, todas as fls. do p.a.

  3. Ainda no mesmo dia 31 de Agosto de 2019, pelas 22h24m, o A. foi informado da decisão de recusa da sua entrada em território nacional pelos serviços do SEF, tendo assinado o ofício intitulado «[n]otificação de Recusa de Entrada na Fronteira», onde se invoca como fundamento da recusa de entrada do A. a «Falta de documento(s) de viagem valido(s)»; Cf. relatório de ocorrência de fls. 5 e ss. do p.a. e o dito ofício de fls. 15 e ss. do p.a.

  4. Em 10 de Setembro de 2018, o A. prestou, no âmbito do procedimento originado pelo pedido de protecção internacional apresentado, declarações junto dos serviços do SEF, tendo sido perguntado e respondido, além do mais, o seguinte: « (…) P. Qual o local de nascimento? R. Lomé.

    P. Onde vivia no Togo? R. Em Lomé, também.

    P. Com quem vivia no Togo? R. Os meus pais já faleceram, e vivia com a família toda, incluindo os meus irmãos e o meu avô na casa de família.

    (…) P. De que religião é? R. Cristão católico.

    P. Já pediu asilo alguma vez? R. Não P. A que grupo étnico pertence? R. Ewe.

    P. Porque saiu do seu pais? R. O meu avô era o feiticeiro da nossa comunidade, e queriam obrigar-me a suceder à posição do meu avô como feiticeiro. Como eu não queria ser feiticeiro, e substituí-lo na sua posição, fugi do meu pais.

    P. Se bem compreendi, não queria suceder ao seu avô na sua função de feiticeiro na vossa comunidade e, foi por isso que saiu do Togo? R. Sim.

    P. Pode especificar melhor qual é a vossa comunidade? R. "La forêt sacrée de Bé".

    P. Porque não quis suceder ao seu avô na sua função...

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