Acórdão nº 1013/19.4BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 07 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelALDA NUNES
Data da Resolução07 de Novembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo, do Tribunal Central Administrativo Sul: Relatório U..........

recorre da sentença proferida pelo TAC de Lisboa, a 22.7.2019, que julgou improcedente a ação administrativa urgente contra o Ministério da Administração Interna, em que pedia a anulação da decisão proferida pelo SEF, em 29.4.2019, a considerar o pedido de proteção internacional do recorrente inadmissível e determinou a sua transferência para Itália, nos termos do art 38º da Lei nº 27/08, de 30.6, com a redação dada pela Lei nº 26/14, de 5.5 (Lei do Asilo).

A sentença recorrida entendeu que não se encontram reunidos os pressupostos legais de constituição da entidade requerida no dever de admitir o pedido de proteção internacional formulado pelo requerente à fase de instrução, não se encontrando, por esse motivo, também constituída no dever de apreciação dos concretos fundamentos do pedido, para efeitos do preenchimento, ou não, dos requisitos previstos nos arts 3º e 7º da Lei do Asilo.

Inconformado, o requerente interpôs recurso para este TCA Sul, concluindo as respetivas alegações nos termos que seguem: 1. A decisão do SEF e a sentença que a confirmou fazem uma errada interpretação e aplicação do disposto na alínea a) do n.º 1, do artigo 19º - A e do nº 1 do artigo 20º, da Lei n.º 27/08, de 30 de junho, alterada pela Lei nº 26/2014 de 05 de maio, e do artigo 25º, Nº 2 do Regulamento (CE) N.º 604/2013 do Conselho, de 26 de junho, uma vez que não estão sustentadas numa correta aplicação do: - Regulamento (CE) N.º 604/2013, considerandos (2), (17), (21) e artigo 3º nº 2; - Regulamento n.º 343/2003, artigo 3. °, n.º 1 e 2; - Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 4º.

  1. A decisão recorrida viola o Princípio da justiça em matéria de proteção internacional ao não levar a sério o apuramento efetivo da situação do Recorrente colocando neste todo o ónus de demonstrar as falhas sistémicas e a grave deficiência das condições de vida como refugiado na Itália.

  2. O despacho do SEF, à luz dos motivos revelados na Resposta que deu no presente processo judicial, é anulável por falta de audiência prévia (arts. 121º e 163º do CPA), cf. o acórdão do TCAS de 06-06-2019, proc. nº 90/19.2BELSB (Rel. Paulo Pereira Gouveia).

  3. Ainda que assim se não entenda (por eventual extemporaneidade de arguição), essa falta de audiência, associada: à atitude passiva (ou pouco proactiva) do SEF na entrevista (não procurando logo esclarecer expressões pouco claras ou afirmações genéricas alusivas a más condições na Itália); ao contexto atual de fluxo de refugiados e de muito noticiadas más condições de acolhimento em Itália; ao dever que impende sobre a administração do principio do inquisitório (artigos 115º, n artigo 115º, nº 1 CPA, e 41º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia), tudo isso leva a uma só conclusão: os dados do processo instrutório não são suficientes para o apuramento da concreta e real situação do Recorrente de modo a determinar-se com segurança e com o respeito pela audição e participação do Recorrente se estão verificados os pressupostos de facto e de direito previstos nº 2 do art. 3º do Regulamento (CE) N.º 604/2013 para a análise por Portugal do mérito da proteção internacional ou se, ao invés, deverá mesmo manter-se a decisão do SEF ora em crise.

  4. Atendendo ao deficit de instrução, imputável ao SEF, e falta de audiência prévia, e não apenas deficit de informação, imputável ao Recorrente, não é correto concluir-se como faz a sentença «Nada tendo sido alegado em concreto nos autos pelo A. que permita concluir pela existência desses motivos válidos para afastar/ilidir o regime legal da retoma da apreciação do pedido de proteção internacional por outro Estado-membro, nos termos já expostos, é de manter a decisão impugnada». O ónus da prova aqui não pode ficar apenas a cargo do Recorrente num contexto como a situação presente. A este respeito avoca-se aqui o acórdão do TCAS de 06-06-2019, Proc. nº 2240/18.7BELSB (Rel. Alda Nunes).

  5. Também no presente caso, sendo público e notório que a Itália sofre de um afluxo imenso de refugiados e debate-se com sérios problemas de acolhimento dos mesmos, não deveria o silêncio da Itália em relação ao pedido submetido pelo Estado português, ser suficiente para uma recusa, sem mais, da análise, cabendo ao SEF a investigação das condições sistémicas e de acolhimento deste país, isto porque poderá, eventualmente, a final vir a confirmar-se a falta de condições sistémicas e de acolhimento do Requerente de proteção internacional.

TERMOS EM QUE deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, ser a decisão do SEF anulada por falta de audiência prévia (arts. 121º e 163º do CPA). Se assim se não entender, deverá ser revogada a sentença, substituindo-a por acórdão que condene a entidade requerida (através do SEF), a instruir o procedimento, com informação fidedigna atualizada sobre o funcionamento do procedimento de asilo italiano e as condições sistémicas de acolhimento dos requerentes de proteção internacional em Itália e, em particular do ora Recorrente».

O recorrido não contra-alegou o recurso.

A Exma. Procuradora Geral Adjunta, notificada nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º, ambos do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Sem vistos, vem o processo submetido à conferência para julgamento.

O objeto do recurso: Atentas as conclusões das alegações do recurso, que delimitam o seu objeto, nos termos dos arts 635º, nº 3 a 5 e 639º, nº 1 do CPC, ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, dado inexistir questão de apreciação oficiosa, a questão decidenda passa, por determinar se a decisão recorrida, que julgou a ação improcedente e absolveu a entidade recorrida do pedido, incorreu em erro de julgamento na interpretação que fez do disposto no art 3º, nº 2 do Regulamento (EU) nº 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26.6 (Regulamento de Dublin).

Fundamentação de facto O Tribunal a quo deu como provados os factos que seguem: 1. «U.........., ora A., é nacional da República da Guiné-Bissau (cfr. teor de fls. 8 a 9 do p.a.); 2. Em 11.3.2019, o ora A. formulou pedido de proteção internacional junto do Gabinete de Asilo e Refugiados (GAR) do SEF (cfr. de fls. 10 a 16 do p.a.); 3. O GAR verificou no sistema EURODAC (sistema de comparação de impressões digitais) um Hit positivo, com o “Case ID IT1GE.....E”, inserido pela Itália em 1.4.2016, e um Hit positivo, com o “Case ID Dr.....”, inserido pela França em 3.7.2018 (cfr. de fls. 3 a 4do p.a.); 4. Em 27.3.2019 o ora A. foi entrevistado pelo SEF no âmbito do processo de asilo nº …/2019 e do procedimento especial de admissibilidade com vista a determinar o Estado-Membro responsável pela análise do seu pedido de proteção internacional, resultando dos registos EURODAC e da entrevista efetuada, designadamente, que: saiu do seu país de origem em “(…) 20 de março de 2014. // Sozinho. // Tinha o bilhete de identidade // Sai da Guiné Bissau fui para o Senegal onde estive 6 meses. Fui para a Mauritânia onde estive 4 meses depois passei pelo Mali, fui para o Burkina Faso viajei para o Níger. Depois fui para Líbia onde estive 6 meses. Entrei em Itália no dia 20 de setembro de 2015. Fiquei lá até 2016. Viajei para França, falei com as autoridades e fiquei 7 meses. Depois fui para Espanha e tive a ajuda de um casal que arranjou um sitio para eu ficar e me deu dinheiro, nessa altura fiz o meu passaporte. Estive lá cerca de um ano e seis meses. Tinha um amigo doente em França e voltei lá para o visitar, sei que foi em 2018. Ao entrar em França na fronteira como não tinha documentos as autoridades levaram-me e tiraram-me as impressões digitais. Não pedi asilo. Disse que ia visitar um amigo e deixaram-me ir. Estive nessa altura quase um mês em França. Regressei a Espanha e organizei-me para vir para Portugal. Viajei de autocarro e cheguei a Lisboa no dia 09 de março de 2019. // (...) // Não [regressou ao país de origem]. // Não [é titular de título de residência]. // Estive em Espanha [nos últimos 5 meses anteriores ao pedido de proteção. // (...) //” pediu proteção internacional ou facultou as suas impressões digitais em Itália e França, desconhecendo se se encontram em análise ou se foi/ram recusado/s; não tem problemas de saúde; motivo porque solicitou proteção internacional “Eu sou muçulmano e na minha religião não é bem vista a homossexualidade. O meu pai quando soube quis me matar. O meu pai mandou-me sair de casa e mandou um grupo de pessoas para me baterem e me matarem. Cheguei a desmaiar e deixaram-me num descampado. Consegui levantar-me e fui para a casa de um amigo que me deu dinheiro para viajar e sair da Guiné Bissau.”, tendo o GAR...

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