Acórdão nº 1928/14.6BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 07 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCHÃO MARQUES
Data da Resolução07 de Novembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório O Ministério Público (Recorrente) veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAC de Lisboa que julgou improcedente a acção especial de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa por si intentada contra Aniceto ..........

(Recorrido), de nacionalidade indiana e casado com uma cidadã portuguesa.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões: O disposto no artigo 574.º, n.º 2 e n.º 3 do CPC aplica-se na acção administrativa de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa e essa aplicação não é incompatível com o disposto no art. 83.º, n.º 4 do CPTA, na redacção em vigor à data da propositura da acção.

2. Consequentemente, se o cidadão estrangeiro, regularmente citado, contestar oferecendo o merecimento dos autos, como aconteceu no caso dos autos, consideram-se admitidos por acordo os factos alegados pelo Ministério Público na petição inicial, nos termos do art. 574.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.

3. Devia, por isso, a sentença recorrida ter considerado provados todos os factos articulados pelo Ministério Público, designadamente os descritos nos art.s 2.º, 8.º, 9.º, 10.º, 15.º e 21.º da PI, cuja omissão do probatório implicou um erro no julgamento de facto da sentença recorrida.

4. O julgamento da matéria de facto efectuado pela sentença recorrida deve ser alterado, nos termos dos art.s 149.º do CPTA e 662.º, n.º 1 do CPC e, consequentemente, devem ser dados como provados e aditados os seguintes factos, nos termos do art. 574.º, n.º 2 do CPC, mantendo-se os demais considerados provados: - O R. é filho de pais, ambos de nacionalidade indiana (artigo 2.º da PI).

- O R. não têm qualquer ligação efectiva ou afectiva à comunidade nacional portuguesa,. (artigo 8.º da PI).

- O R. nunca residiu em Portugal, viveu ou sequer trabalhou, pelo que não teve qualquer contacto com a realidade portuguesa, nem através das actividades da comunidade portuguesa na Índia ou Dubai, onde está a residir. (artigo 9.º da PI).

- Todos os elementos da família foram criados na Índia e actualmente estudam e trabalham no Dubai, onde toda a família se mostra integrada. (artigo 9.º da PI) - Não existem quaisquer indícios que o Réu escreva ou fale português, o que implica que, desconhece a língua portuguesa, quem são as figuras mais relevantes da história passada e recente de Portugal, que viva a música e culturas portuguesas conhecendo os seus autores, uma vez que é oriundo de um país cujos idiomas são o urdu e o inglês. (art. 10.º da PI) - Não existem quaisquer indícios que o Réu escreva ou fale português, o que implica que, desconhece a língua portuguesa, quem são as figuras mais relevantes da história passada e recente de Portugal, que viva a música e culturas portuguesas conhecendo os seus autores, uma vez que é oriundo de um país cujos idiomas são o urdu e o inglês. (artigo 15.º da PI) -Todo o seu processo de crescimento e de maturação, com a consequente absorção de costumes, referências e valores, desenvolveu-se no India, país onde nasceu e no qual tem todas as suas referências sociais e culturais (artigo 21.º da PI).

5. Alterada e aditada a matéria de facto provada, nos termos supra descritos, conclui-se que a sentença recorrida, ao julgar a Acão improcedente por falta de prova da inexistência de ligação efectiva do Réu à comunidade nacional, padece de mais um erro de julgamento de direito – art. 9.º, n.º 1, alínea a) da LN.

6. De acordo com a jurisprudência uniformizada decorrente do Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, de 16/06/2016, proferido no processo n.º 0201/16, cabe ao Ministério Público o ónus de prova dos fundamentos da inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional, e essa prova, no caso dos autos, foi feita.

7. O conceito de “ligação efetiva à comunidade nacional”, a que aludem os art.s 9.º, alínea a) da LN e 56.º, n.º 2, alínea a), do RNP, não foi definido pelo legislador, mas tem vindo a ser densificado pela jurisprudência e implica a existência de uma relação estreita do indivíduo com os valores, cultura, língua, hábitos e costumes portugueses; de um efectivo sentimento de pertença e comunhão com a história e a cultura portuguesa, com os elementos que conferem união e identidade como povo e nação.

8. O conceito de “ligação efetiva à comunidade nacional”, a que aludem os art.s 9.º, alínea a) da LN e 56.º, n.º 2, alínea a), do RNP, não foi definido pelo legislador, mas tem vindo a ser densificado pela jurisprudência e implica a existência de uma relação estreita do indivíduo com os valores, cultura, língua, hábitos e costumes portugueses; de um efectivo sentimento de pertença e comunhão com a história e a cultura portuguesa, com os elementos que conferem união e identidade como povo e nação.

9. A "ligação efectiva à comunidade nacional" é verificada através de algumas circunstâncias objectivas que revelam um sentimento de pertença a essa comunidade, entre outras, da Língua portuguesa falada em família ou entre amigos, das relações de amizade e profissionais com portugueses, do domicílio, dos hábitos sociais, das apetências culturais, da inserção económica, ou interesse pela história ou pela realidade presente do País.

10. Analisando a matéria provada pela sentença recorrida e aqueles que devem a ela ser aditados, supra descritos na conclusão n.º 4, é manifesto que, o Ministério Público alegou e provou factos demonstrativos de que o Ré não tem ligação efectiva à comunidade portuguesa.

11. O casamento não basta para se concluir pela existência de ligação efectiva à comunidade nacional, tal como a circunstância de se ter filhos de nacionalidade portuguesa e ser casado com uma actual portuguesa, à luz da lei aplicável ao caso – o art. 9.º na redacção anterior à Lei Orgânica n.º 2/2018 -, sobretudo quando, como acontece, esses filhos e cônjuge também nasceram na India e nunca viveram em Portugal, não consubstanciando qualquer factor de ligação aos valores, costumes e identidade portugueses.

12. Da factualidade provada apenas se pode extrair a conclusão de que o Réu não tem nem nunca teve qualquer sentimento de pertença ou ligação especial à comunidade portuguesa, designadamente não está a ela ligado pelo domicílio, aspectos de ordem cultural, social, de amizade, económico-profissional ou outros que, de acordo com a jurisprudência, permitem preencher o conceito de “ligação efectiva”.

13. Pelo exposto, ao contrário do decidido na sentença recorrida, provou-se a inexistência de ligação efectiva à comunidade portuguesa por parte do Réu, o que constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade, nos termos dos art.s 9.º, alínea a) da LN e 56.º, n.º 2, alínea a), do RNP, tendo a decisão em crise feito uma errada interpretação e aplicação destas normas, nas redacções aplicáveis ao caso, e do conceito de ligação efectiva.

14. Nestes termos, deveria o Tribunal a quo ter considerado provados todos os factos alegados pelo MP na petição inicial e deveria ter considerado verificado o requisito previsto nos art.s 9.º, alínea a) da LN e 56.º,n.º 2, alínea a) do RNP, julgando a acção procedente, por provada.

15. Não o tendo feito, a decisão recorrida incorreu em manifesto erro na fixação da matéria de facto e erro na interpretação e aplicação do direito, violando o disposto, por um lado, nos art.s 83.º, n.º 4 do CPTA e 574.º, n.º 1 do CPC e, por outro, nos art.s 9.º, alínea a) da LN, 5.º, n.º 2 da Lei Orgânica n.º 2/2018, de 05/07, 9.º do CC e 56.º, n.º 2, alínea a) do RNP.

16. Ao contrário do sustentado na sentença recorrida, a actual redacção do art 9.º, n.º 2 da LN, decorrente da alteração introduzida pela Lei Orgânica 2/2018, de 5/07, não é aplicável aos autos, sequer indirectamente, por via de uma suposta “interpretação actualista”.

17. No momento em que foi formulado o pedido de atribuição da nacionalidade na Conservatória dos Registos Centrais, tal como naquele em que foi interposta a presente acção, estava em vigor a Lei n.º 37/81, de 03.10 na redacção decorrente da Lei Orgânica n.º 1/2013, de 29.07, cujo art. 9.º se limitava a três alíneas.

18. Só quatro anos mais tarde, na pendencia da presente acção, é que a Lei Orgânica n.º 2/2018, de 05.07, alterou a redacção do art. 9.º da LN, introduzindo-lhe o número 2 (além do 3), que passou a prever a impossibilidade de oposição à aquisição da nacionalidade com fundamento na inexistência de ligação efectiva à comunidade portuguesa, quando, como no presente caso, existam filhos comuns do casal, que tenham nacionalidade portuguesa. 19. O art. 5.º da Lei Orgânica n.º 2/2018, sob a epígrafe “aplicação a processos pendentes”, prevê expressamente, no seu n.º 2, que apenas o n.º 3 do art. 9.º da LN, na redacção dada pela Lei Orgânica n.º 2/2018, é aplicável aos processos pendentes à data da entrada em vigor, concluindo-se, a contrario, que as demais alterações ao art. 9.º, designadamente o seu n.º 2, não são aplicáveis aos processos pendentes. 20. Idêntica solução foi consagrada pelo art. 4.º do Decreto-lei n.º 71/2017, de 21.06, que alterou o RNP, do qual resulta, expressamente, que a actual redacção do art. 56.º não é aplicável aos processos pendentes à data da entrada em vigor da alteração, desde que o conservador ainda não tenha participado os factos ao MP, o que implica que também não seja aplicável aos presentes autos. 21. Tendo o legislador, no art. 5.º, n.º 2 da Lei...

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