Acórdão nº 3233/15.1BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 10 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelALDA NUNES
Data da Resolução10 de Outubro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: Relatório Manuel .......... intentou ação administrativa especial de impugnação de ato, contra o Ministério da Administração Interna, pedindo que lhe seja reconhecido que se enquadra nos limites ao afastamento coercivo previstos na alínea c) do artigo 135.º da Lei n.º 23/2007, que, face a esse reconhecimento, se proceda à revogação da decisão de afastamento coercivo e, em consequência, que se profira decisão sentenciando que preenche os limites ao afastamento coercivo previstos na alínea c) do artigo 135.º da Lei n.º 23/2007, e que preenche os requisitos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 122.º da Lei n.º 23/2007, pelo que é inexpulsável de Portugal, devendo ser concedida autorização de residência, sem carecer de visto; sem conceder, e para o caso de assim não se entender, requer que lhe seja substancialmente reduzido o período de interdição de entrada em Portugal e não lhe seja aplicado qualquer período de interdição de entrada no restante espaço Schengen, podendo assim refazer e readaptar-se à sociedade com o acolhimento, a ajuda, o amparo, o apoio e o acompanhamento do seu pai e madrasta em França.

Por sentença do TAF de Sintra a ação foi julgada procedente e, em consequência, foi anulado o despacho de 5.6.2015, que determinou o afastamento coercivo do autor do território nacional e a sua interdição de entrada por um período de quinze anos.

Inconformado, o Ministério da Administração Interna/ SEF interpôs recurso para este TCA-Sul, tendo nas alegações formulado as conclusões seguintes: «1ª - A autoridade recorrida não concorda com os termos da sentença ora recorrida.

2ª - A decisão de afastamento coercivo anulada traduz o exercício de um poder vinculado e foi efetuada em estrita observância da legislação que a enforma, pois o legislador no Artº 134º nº 1 a) utilizou a expressão "'é afastado", o que inculca uma ideia clara de imposição vinculada e objetiva e não discricionária; 3ª - Encontra-se fundamentada de facto e de direito e não padece de qualquer vício, pois não possuindo o Autor qualquer título que o habilite ou legitime a permanecer ou a residir em território nacional, está em situação irregular (cf. Artº 181º nº 2 da lei 23/2007), em violação das regras imperativas da referida Lei, normativo de ordem pública; 4ª - Ao contrário do erroneamente inferido pela douta sentença, a decisão de afastamento coercivo não tem, nem pode, nos termos imperativamente fixados pelo Artº 145°, fundar-se senão na permanência irregular, nem a decisão ora impugnada afirma coisa diversa.

5ª - A referência ao Artº 135°, tal como aduzida pelo SEF não serve o objetivo de fundamentar a decisão de afastamento coercivo, enquadrando-se num outro iter cognitivo que antecede essa decisão; 6ª- Previamente à prolação de uma decisão de afastamento, no decorrer do respetivo procedimento, o SEF analisa da situação fáctica do cidadão estrangeiro em situação irregular, verificando se a mesma é enquadrável em qualquer das alíneas do Artº 135º, mas também se, na circunstância do cidadão estrangeiro a(s) preencher, a respetiva conduta não prefigura qualquer das exceções à inexpulsabilidade previstas no corpo do artigo; 7ª- O douto tribunal " a quo " não deu boa conta destas etapas, confundindo a decisão de afastamento coercivo e sua fundamentação - a permanência irregular - com a averiguação sobre se o ora recorrente preenche ou não as alíneas do Artº 135º e, sobretudo, se a sua conduta é de molde a atuar as cláusulas de salvaguarda do corpo desse artigo; 8ª- Neste sentido, o SEF não adita qualquer fundamento à decisão de afastamento coercivo que se baseia unicamente no Artº 134º nº 1 a) da Lei nº 23/2007, antes, limita-se, em plena congruência legal, a reiterar que a conduta criminosa do ora recorrido, embora não constituindo fundamento para o seu afastamento, se assume como fulcral para se concluir do preenchimento de 2 dos 3 critérios do Artº 135º ab initio; 9ª- Para proferir a sua decisão, o tribunal "a quo" desenvolveu um raciocínio jurídico destruturado, não interpretando corretamente o corpo do Artº 135º e a sua relação com o Artº 134°, erro patente na sentença que proferiu; 10ª - Ao contrário do propalado pela douta sentença, o cerne da questão a dirimir não se prende com o preenchimento das diversas (ou mesmo de todas as alíneas) do Art° 135°, sendo certo que se reitera que o Direito a constituir família previsto no Artº 36º CRP, imanente a qualquer cidadão nacional ou estrangeiro, como refere o constitucionalista, Jorge Miranda, " (...) não afasta a aplicação do Artº 33º e das normas legais nele baseadas, não sendo constitucionalmente admissível uma leitura que negasse a aplicação do regime de asilo, expulsão e extradição aos estrangeiros e apátridas que tenham constituído uma família com um cidadão português ou com uma pessoa que, nos termos do Artª 15°, n.º 1, se encontre ou resida legalmente em território nacional"; 11ª - Não é aceitável a asserção pugnada pela sentença de que sempre que o agente fosse cidadão estrangeiro e tivesse entrado em Portugal com menos de 10 anos, etc. tal redundaria, sem mais, na impossibilidade do seu afastamento de território nacional, impossibilidade reservada legal e constitucionalmente aos cidadãos portugueses (Artº 33º nº 1 CRP); 12ª- Com efeito, admitindo-se sem reservas que o ora recorrido entrou em Portugal com 2 anos, nada obstaculiza a prolação da decisão ora sindicada, asserção não percebida pelo douto tribunal "a quo"; 13ª- Nesta sede, importa auscultar o iter cognoscitivo do Artº 135°, o qual, se reitera ao arrepio da sentença, configura a exceção à regra, sendo certo que esta é a do afastamento coercivo de cidadãos estrangeiros em situação irregular, determinando que, pese embora haja fundamento para afastamento nos termos do Artº 134º nº 1 a), a existência de alguma das circunstâncias tipificadas nas alíneas do Artº 135° obsta ao mesmo; 14ª - Esta proteção não é absoluta, pois a aplicação das exceções ao afastamento previstas nas alíneas do Artº 135º é delimitada por três critérios negativos, plasmados no corpo da norma, pugnados pelo SEF (mas negados pela douta sentença), o que significa que, ainda que a situação fáctica de um cidadão estrangeiro se enquadre em quaisquer das suas alíneas (ou mesmo cumulativamente em várias), se impõe indagar se este não incorreu em qualquer conduta enquadrável em algum(ns) dos critérios negativos enunciados ab initio na mesma norma; 15ª- Assim, ainda que preencha uma (ou várias) das alíneas do Artº 135º, tal não acarreta automaticamente a respetiva inexpulsabilidade, que só acontece se o cidadão não tiver praticado qualquer ato suscetível de constituir um atentado à segurança nacional (1º critério), ou à ordem pública (2º critério) ou que se subsuma nas condutas previstas nas alíneas c) e f) do n º 1 do Artº 134º (3º critério); 16ª- Ao contrário do que a douta sentença ajuizou, basta atentar na conduta do ora recorrido para, de imediato, concluir que este não goza dessa proteção contra a inexpulsabilidade, obstaculizada pela sua atuação, que gerou uma condenação numa pena efetiva de 22 anos, facto que se repercute na atuação da(s) clausula(s) de salvaguarda do Artº 135° ab initio, tal como defendido pelo ora recorrente; 17ª- Nestes termos, ainda que se admita que o recorrido tenha entrado em Portugal com 2 anos, tal facto, embora se prefigure como adequado para o inserirem nos limites à expulsabilidade vertidos, respetivamente, na alínea a) do Artº 135º, seria ope legis liminarmente afastado pela exceção constante no início do mesmo preceito: " Com exceção dos casos de atentado à segurança nacional ou à ordem pública e das situações previstas nas alíneas c) e f) do n. º 1 do artigo 134.º ...". (Sublinhado nosso); 18ª - Na aceção da lei, o facto do ora recorrido ter entrado em Portugal com menos de 10 anos, não constitui de per si inibição ao afastamento, sendo necessário, para usufruir desta prerrogativa, que se demonstre que a sua conduta em território nacional não tenha atentado contra a segurança nacional ou ordem pública, o que, in casu, é inviável, face ao elenco de crimes de que há registo; 19ª- Nesta sede, urge esclarecer que a conduta do recorrido só releva para não o considerar como inexpulsável, e não, como confunde a douta sentença, para servir de fundamento à decisão de afastamento coercivo que se alicerça apenas na sua permanência irregular; 20ª- A menção do Artº 135º ab initio às alíneas c) e f) do nº 1 do Artº 134º tem a função de uma mera remissão, enquanto técnica legislativa, significando apenas que o legislador, em detrimento de descrever literalmente determinadas situações como limites negativos à inexpulsabilidade, optou por remeter para o teor de outras normas consideradas adequadas a este desiderato; 21ª- No âmbito do Artº 135º, a remissão para as alíneas c) e f) do nº 1 do Artº 134º não serve para afirmar que o cidadão a afastar coercivamente o irá ser também com fundamento nestas alíneas (o que seria ilegal face ao Artº 145°, que só permite afastamento coercivo com base em permanência irregular plasmada na alínea a)), mas tão somente para aproveitar a tipologia de condutas ali plasmadas para definição de um dos critérios de desvalor que excecionam a inexpulsabilidade, precisamente o que atende à pratica de atos criminais graves; 22ª- Nesta sede, importa referir que nem o tatbestand do Artº 33° nem do Artº 36º nº 6 ambos da CRP conferem proteção para a situação vertente, sem prejuízo dos direitos aí consagrados não se perspetivarem como absolutos, tendo de se articular com outros direitos (de igual força constitucional) também protegidos, entre os quais se destacam a segurança e a ordem públicas; 23ª- Como bem referem os autores Júlio A.C. Pereira e José Cândido de Pinho in "Direito de Estrangeiros - Entrada, Permanência, Saída e Afastamento - Anotações, Comentários e Jurisprudência", Coimbra Editora...

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