Acórdão nº 817/19.2BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 26 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelALDA NUNES
Data da Resolução26 de Setembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo, do Tribunal Central Administrativo Sul: Relatório O Ministério da Administração Interna/ Serviço de Estrangeiros e Fronteiras recorre da sentença proferida na presente instância, a 19.7.2019, que julgou procedente a ação especial urgente de pedido de asilo e condenou a entidade demandada a: a) reconstituir o procedimento de determinação do Estado Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional apresentado por A.......

, procedendo à sua instrução cabal para efeitos de determinar se se encontram preenchidos os pressupostos de aplicação da cláusula de salvaguarda constante do art 3º, nº 2 do Regulamento Dublin III relativamente à prefigurada transferência para Itália; b) apreciar as informações coligidas e decidir de acordo com os critérios decorrentes da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia – em diálogo com o TEDH – uma vez que está em causa aplicação de direito da União, sendo imposta a observância do sentido e âmbito dos direitos fundamentais em causa garantidos pela CEDH.

O recorrente pede seja revogada a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, por, nas alegações que apresentou, concluir: «1. A 2.4.2019, o cidadão gambiano A....... apresentou, junto do Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF, um pedido de proteção internacional ao Estado Português, no âmbito do qual se verificou, através do sistema Eurodac (sistema de comparação de impressões digitais criado pelo Regulamento (EU)603/2013), que o requerente, ora recorrido, havia apresentado um pedido de proteção internacional a Itália, a 12.8.2015, e à Alemanha, em março e abril de 2016.

  1. Ao contrário do enquadramento efetuado pela sentença ora recorrida, o presente caso não se enquadra no art 20º, nº 5 do Regulamento de Dublin III – que se reporta à situação em que o requerente retira o primeiro pedido apresentado antes de se ter concluído o processo de determinação do Estado responsável pela análise do pedido.

  2. Tendo em conta que o requerente apresentou um pedido de proteção internacional ao Estado italiano que deu início à respetiva análise, está em causa a aplicação do art 18º, nº 1, al b) ou d) do Regulamento Dublin.

  3. Pelo que, o procedimento de determinação da responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional apresentado pelo ora recorrido, conforme o Regulamento Dublin III, já se encontra finalizado. Não sendo, por isso, de «reconstituir o procedimento de determinação do Estado Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional apresentado por A.......» como julgou a douta sentença.

  4. A apreciação sobre a existência de falhas sistémicas num Estado Membro da União Europeia participante do Sistema de Dublin não se basta com uma invocação genérica e abstrata de que existem falhas sistémicas.

  5. Ao considerar que na medida em que o requerente de asilo invoca, de forma abstrata, a existência de falhas sistémicas, a sentença ora recorrida inverte automaticamente não só o ónus da prova (ainda que partilhada), mas também o ónus de alegação, que deve ser minimamente concretizada no caso individual.

  6. No quadro do Sistema Europeu Comum de Asilo e na medida em que a Itália é um Estado Membro da União Europeia e participante do acervo de Schengen, sujeita aos princípios jurídicos do quadro axiológico da União Europeia, o princípio da confiança mútua impõe que se presuma que o procedimento de asilo e as condições de acolhimento em Itália está em conformidade com as exigências da Carta, da Convenção de Genebra e da CEDH.

  7. Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da União Europeia, tal presunção deve ser afastada quando, em concreto, o requerente traga elementos que demonstrem (ou, pelo menos, suscitem) que o tratamento dos pedidos de asilo num determinado Estado – Membro, por causa de determinadas circunstâncias, comporte um sério risco de os requerentes de proteção internacional serem tratados, nesse Estado – Membro, de modo incompatível com os seus direitos fundamentais.

  8. No que respeita ao sistema de análise dos pedidos de asilo, atualmente existentes em Itália, não é de considerar a existência de quaisquer factos, de que o Estado Português conheça ou deva conhecer, que constituam razões sérias e verosímeis que levem a conclui pela existência de falhas sistémicas no procedimento de asilo em Itália.

  9. Sendo que, nos presentes autos, o requerente de proteção internacional não apresenta quaisquer elementos concretos e individualizados relativamente à existência de falhas sistémicas em Itália no procedimento de proteção internacional ou relativas às condições de acolhimento.

  10. As falhas sistémicas devem ter um nível particularmente elevado de gravidade, que depende do conjunto dos dados da causa. Esse nível particularmente elevado de gravidade seria alcançado quando a indiferença das autoridades de um Estado Membro tivesse como consequência que uma pessoa completamente dependente do apoio público se encontrasse, independentemente da sua vontade e das suas escolhas pessoais, numa situação de privação material extrema que não lhe permitisse fazer face às suas necessidades mais básicas, como, nomeadamente, alimentar-se, lavar-se e alojar-se, e que pusesse em risco a sua saúde física ou mental ou a colocasse num estado de degradação incompatível com a dignidade humana.

  11. Não existe qualquer indício, nos presentes autos, de que o Autor, ora recorrido, se encontre numa situação de particular vulnerabilidade, que o individualizasse ou o distinguisse dos outros beneficiários de proteção internacional em Itália e o coloque entre as pessoas vulneráveis.

    Pelo contrário, o cidadão nacional da Gâmbia é maior de idade, solteiro e não padece de limitações em termos de saúde.

  12. Na sequência da recente situação vivida em Itália, que veio suscitar a adoção de medidas excecionais, designadamente a suspensão de aplicação de normas do Regulamento Dublin relativas à transferência para Itália, foi já considerado pelas instâncias europeias que o referido quadro de crise se encontra ultrapassado, estando neste momento todas as normas de Dublin relativas à responsabilidade da Itália em plena aplicação, precisamente por não existirem atualmente razões sérias e verosímeis que levem a concluir pela existência de falhas sistémicas no procedimento de Asilo em Itália.

  13. Ao contrário da argumentação expendida na, aliás, douta Sentença, não há quaisquer elementos nos presentes autos que permitam acionar a cláusula de salvaguarda prevista no segundo parágrafo do nº 2 do art 3º do Regulamento Dublin III tendo em vista a desaplicação das demais normas do referido Regulamento que, aliás, visa precisamente que o tratamento de um pedido de proteção internacional se faça de forma unitária em todo o espaço europeu, tendo em vista a agilização e adaptação, em determinadas situações, da tramitação dos procedimentos.

  14. Tal decisão esvaziaria de conteúdo as obrigações do Estado-Membro responsável, in casu a Itália, e comprometeria a realização do objetivo de determinar rapidamente o Estado-Membro competente para conhecer um pedido de asilo apresentado na União.

  15. Dos elementos trazidos aos presentes autos e do Processo Administrativo, e como resulta da análise ao regime jurídico do Sistema de Dublin e do desenvolvimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça da União Europeia, o que se pode concluir com certeza é que, perante a verificação de que o cidadão nacional da Gâmbia A....... havia apresentado um pedido de proteção internacional a Itália, o SEF deu início ao respetivo procedimento administrativo que culminou com a decisão da transferência do requerente para Itália, Estado responsável pela sua retomada a cargo, conforme art 18º, nº 1, alínea b) ou d) do Regulamento (UE) 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho e nº 1 do art 37º da Lei nº 27/2008, situação que, forçosamente, implica a prolação da decisão de inadmissibilidade do pedido.

  16. A Itália é o Estado responsável pelo pedido de proteção internacional do ora requerido, até estarem esgotadas todas as garantias de recurso, administrativo e jurisdicional, nos termos do Regulamento de Dublin.

  17. Não pode deste modo, a Entidade Demandada, concordar com a douta sentença, por considerar que procedeu num incorreto enquadramento e interpretação dos factos e do direito.

    O recorrido contra-alegou o recurso, refutando qualquer erro de julgamento de facto e de direito.

    A Exma. Procuradora Geral Adjunta, notificada nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º, ambos do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

    Sem vistos, vem o processo submetido à conferência para julgamento.

    Fundamentação de facto O Tribunal a quo deu como provados os factos que seguem: a) «O Autor aparenta ser nacional da Gâmbia e natural de Basse ─ cfr. informações constantes do PA.

    b) O Autor apresentou por escrito, junto dos serviços do R., a 02/04/2019, pedido de asilo e proteção do Estado Português, o qual deu origem ao processo de asilo n.º 511/19 ─ fls. 6/7 e 14 do PA.

    c) Foi consultado o sistema EURODAC e foram detetados três Hits positivos com os n.ºs de referência: i) I............., inserido pela Itália, em Livorno a 12/08/2015; ii) DE................, inserido pela Alemanha, em Heilderberg, a 29/3/2016; e iii) DE................., inserido pela Alemanha, em Nurnberg, a 28/4/2016 ─ cfr. fls. 3 a 5 do PA.

    d) A 15 de abril de 2019, pelas 15h30m, o A. prestou declarações junto do SEF, na presença de intérprete de língua wolof ─ de nome M…… ─ tendo sido confirmado que o requerente e o intérprete se entendiam e se iria efetuar a entrevista em língua wolof ─ fls. 17 do PA.

    e) Durante a entrevista o Requerente foi perguntado sobre a sua passagem por países europeus com a indicação de que tinha sido encontrado um registo na base de dados de impressões digitais Eurodac recolhido em Itália a 12/08/2015 e outro na Alemanha a 29/3/2016; referiu, a esse...

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