Acórdão nº 122/14.0BEFUN de Tribunal Central Administrativo Sul, 26 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelRUI PEREIRA
Data da Resolução26 de Setembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I. RELATÓRIO “P.........., SA”, com sede em Lisboa, intentou no TAF do Funchal uma acção administrativa de contencioso pré-contratual contra a Região Autónoma da Madeira, peticionando o provimento do presente meio processual por forma a ser determinada a ilegalidade das cláusulas 5ª, nº 1 e 23ª e o artigo 5º, nº 7, ambos do Caderno de Encargos (relativas ao prazo de execução do contrato e ao valor base) e a consequente anulação do procedimento concursal para estabelecimento de uma rede de comunicações privativa do Governo Regional da Madeira, no âmbito do Projecto egov@madeira, aberto pelo aviso nº 1532/2014, DR, II, nº 57, de 21-3-2014.

Por requerimento apresentado, via site, em 8-9-2014, a autora requereu a ampliação do objecto do processo, impugnando o acto de adjudicação e o contrato.

A ré, notificada, não se opôs à solicitada modificação objectiva da instância, mas pediu, para o caso da acção ser julgada procedente, que se afastasse o efeito anulatório do contrato, nos termos do disposto no artigo 283º, nº 4 do CCP (cfr., respectivamente, fls. 700/701 e 708/713, dos autos).

Em 31-1-2015, o Senhor Juiz “a quo” proferiu sentença – mantida em sede de reclamação para a conferência, por acórdão datado de 27-5-2015 do mesmo Tribunal –, pela qual foi a acção julgada procedente e anulado o “contrato celebrado pela Região Autónoma da Madeira com a E.........., Ldª” (cfr. fls. 737/744 e fls. não numeradas dos autos).

Inconformadas com o decidido vieram, separadamente, a contra-interessada “E.........., Ldª” e a ré Região Autónoma da Madeira apelar para este Tribunal Central Administrativo Sul, tendo cada uma das recorrentes apresentado com a sua alegação, as seguintes conclusões:

  1. Do recurso da “E.........., Ldª” “1. O contrato "sub judice" não configura um contrato de prestação de serviços, nem esta componente é sequer a de maior expressão.

    1. A qualificação do contrato que o júri possa ter feito não é vinculativa para o Tribunal.

    2. Para qualificação do contrato é essencial a interpretação das declarações negociais, as quais não reduzem o contrato "sub judice" a um mero contrato de aquisição de serviços.

    3. Analisando as obrigações constantes do Caderno de Encargos e o objecto do contrato, verifica-se que o mesmo deve ser qualificado como um contrato misto.

    4. O contrato misto implica uma verdadeira fusão, num só contrato, de elementos contratuais distintos que, além de perderem a sua autonomia no esquema negocial unitário, fazem simultaneamente parte do conteúdo deste.

    5. O contrato "sub judice" visa não apenas o fornecimento de um conjunto de recursos tecnológicos (designadamente ao nível da componente passiva em fibra óptica e equipamentos de comunicações e outros meios), mas também uma rede de comunicações privativas que permita as comunicações entre os vários locais do Governo Regional.

    6. Deste modo, ambas as componentes (fornecimento e serviços), acima referidas, são elementos incindíveis para o atingimento do desiderato visado com o concurso em apreço, que é justamente o estabelecimento e utilização dessa rede.

    7. A qualificação do contrato como de aquisição de serviços é, salvo o maior respeito por opinião diversa, redutora, porquanto, além de descaracterizar o contrato "sub judice", desconsidera, em absoluto, uma importante componente do mesmo – a componente de fornecimento de todos os equipamentos necessários à instalação e funcionamento da rede de comunicações privadas.

    8. A qualificação do contrato "sub judice" como um contrato misto afasta a aplicação ao caso em apreço da norma do artigo 440º, nº 1 do Código dos Contratos Públicos.

    9. A existência de um prazo de 20 anos é necessária ou, pelo menos, muito conveniente tendo em conta que aquilo que se visa não é, conforme supra referido, a mera aquisição de equipamentos mas sim a obtenção de um resultado – rede de comunicações privativa – que irá utilizar esses equipamentos.

    10. Havendo uma dissociação entre o fornecimento e a prestação de serviços surge, por um lado, todo um potencial de conflitos entre fornecedor e prestador de serviços, designadamente, em caso de não funcionamento, mau funcionamento ou de não cumprimento dos níveis de serviços, conflitos esses que, não existindo uma relação contratual directa entre aqueles (como sucederia se a contratação dessas componentes fosse distinta), teria de ser gerida pela entidade adjudicante, o que, para além desta não estar tecnicamente vocacionada para o fazer, se reflectiria necessariamente na qualidade e disponibilidade da rede de comunicações, comprometendo assim o relevante interesse público visado com a mesma.

    11. Por outro lado, tal dissociação não permite, tendo em conta o prazo máximo de garantia de 2 anos previsto para os meros fornecimentos no artigo 444º, nº 2 do CCP (o qual só pode ser superior tratando-se de um aspecto submetido à concorrência e, por conseguinte, sujeito àquilo que fosse proposto pelos fornecedores de equipamentos), assegurar as garantias e níveis de serviços exigidos por uma rede como a que é objecto do concurso.

    12. O prazo de vigência do contrato não tem qualquer efeito restritivo da concorrência entre as empresas que prestam serviços de telecomunicações uma vez que os serviços de telecomunicações de voz fixa, voz móvel, internet e televisão não são objecto do concurso em apreço.

    13. Acresce que o juízo subjacente à decisão de vigência de um prazo contratual é um juízo de mérito, perceptível pela referência à "conveniência" no artigo 440º, nº 1 do CCP.

    14. Pelo que, não pode o Tribunal substituir-se na apreciação de mérito ou conveniência da decisão de fixação do prazo contratual, que é próprio e reservado da função administrativa, sob pena de incorrer em violação do disposto no nº 1 do artigo 3º do CPTA e do princípio da separação de poderes consagrado no artigo 2º da CRP.

    15. A questão da qualificação do contrato "sub judice" como contrato misto foi invocada pela ora recorrente na sua contestação de fls ..

    16. O douto acórdão recorrido não abordou a questão da qualificação jurídica do contrato "sub judice", questão esta prévia e essencial à resolução da questão analisada no douto acórdão recorrido relativo ao prazo de vigência do contrato "sub judice".

    17. O contrato "sub judice" deve ser qualificado como contrato misto, sendo afastada a aplicação da norma do artigo 440º, nº 1 do Código dos Contratos Públicos, porquanto específica dos contratos de aquisição de serviços.

    18. Ao assim não entender, o douto acórdão recorrido não fez uma correcta interpretação do artigo 608º, nº 2 do Código Processo Civil e do artigo 440º, nº 1 do Código dos Contratos Públicos”.

  2. Do recurso da ré Região Autónoma da Madeira “1.

    A contra-interessada havia suscitado na sua contestação a questão da qualificação jurídica do contrato em causa, o que não foi objecto de qualquer decisão na sentença do juiz singular.

    1. Confrontada com tal omissão, arguida em sede de reclamação para a Conferência, a formação de três juízes não supriu, incorrendo, em consequência, o Acórdão recorrido em nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d) do CPCivil, "ex vi" do artigo 1º do CPTA.

    2. A considerar-se que a singela afirmação conclusiva vertida no Acórdão da Conferência no sentido de ser manifesta a qualificação do contrato como de aquisição de serviços configura uma verdadeira decisão, o que não se aceita, então o mesmo incorrerá em nulidade por absoluta falta de fundamentação, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea b) do CPCivil "ex vi" do artigo 1º do CPTA.

    3. A entidade demandada, ora recorrida, havia suscitado e requerido o afastamento do efeito anulatório do contrato, por aplicação do artigo 283º, nº 4 do CCP, no seu requerimento de resposta ao pedido de ampliação do objecto da instância.

    4. A decisão singular da 1ª instância nada decidiu relativamente a esta questão.

    5. Confrontada com a omissão a formação de três juízes limitou-se a referir que decidiu a questão ao anular o contrato, não afastando o efeito anulatório.

    6. Decidir a questão implicaria, naturalmente, a ponderação dos fundamentos alegados pela entidade demandada no seu requerimento, por referência aos requisitos legais contidos no artigo 283º, nº 4 do CCP, o que manifestamente não ocorreu.

    7. Donde resulta que o Acórdão recorrido reincidiu na nulidade por omissão de pronúncia nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d) do CPCivil, "ex vi" do artigo 1º do CPTA.

    8. A ter-se por decidida a questão do afastamento do efeito anulatório, o que não se admite, então o Acórdão recorrido incorrerá, igualmente, em nulidade, desta feita por manifesta falta de fundamentação, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea b) do CPCivil "ex vi" do artigo 1º do CPTA, já que não encontramos nas decisões do Tribunal "a quo" um único fundamento para a decisão de não afastar o efeito anulatório tal como requerido pela entidade demandada nos autos.

    9. O artigo 440º, nº 1 do CCP confere à Administração margem de livre decisão quanto ao juízo relativo à necessidade ou conveniência de fixação de um prazo contratual superior a 3 anos, em função da natureza das prestações objecto do contrato ou das condições da sua execução.

    10. Trata-se, portanto, de um juízo de mérito ou conveniência próprio e reservado da função administrativa e insindicável em sede de controlo jurisdicional.

    11. Da conjugação daquele preceito com o artigo 48º do CCP, resulta claro que o Tribunal não pode senão apreciar a fundamentação do ponto de vista da sua suficiência formal, estando-lhe vedado substituir-se à Administração na apreciação do mérito ou conveniência da decisão de fixação do prazo contratual, que é próprio e reservado da função administrativa.

    12. Bastará atentar no conteúdo do Acórdão recorrido, por remissão para a decisão singular, para constatar que o Tribunal "a quo" vai muito além de uma apreciação da suficiência formal da fundamentação aduzida pela entidade demandada para a fixação...

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