Acórdão nº 00977/18.0BEALM de Tribunal Central Administrativo Norte, 26 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução26 de Julho de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório RI, SA, devidamente identificada nos autos, no âmbito de Processo de Contencioso Pré-Contratual que intentou contra a Infraestruturas de Portugal, SA, no âmbito de procedimento concursal relativo à “Instalação de Rede de Suporte à Exploração em vários troços da Rede Ferroviária Nacional”, peticionando, designadamente, a anulação do ato de adjudicação, com eliminação retroativa de todos os seus efeitos e de todos os atos procedimentais subsequentes e, Subsidiariamente, a reversão da decisão de exclusão dos concorrentes excluídos e promovida a adjudicação à candidatura da Autora, por apresentar o preço mais baixo, tendo como contrainteressados o Agrupamento de Empresas constituído pela TP, SA e MSTM, SA, inconformada com a sentença proferida no TAF de Aveiro em 13.05.2019, que julgou procedente a exceção de caducidade do direito de ação da Autora, e a sua falta de legitimidade para impugnar o ato de adjudicação, veio recorrer jurisdicionalmente da mesma em 13 de maio de 2019, tendo apresentado as seguintes conclusões: “1. A decisão recorrida decreta a absolvição da instância com base na suposta verificação de duas exceções, a saber: i) a caducidade do direito de ação quanto ao pedido de impugnação da exclusão do concurso; e, por outro lado, ii) a ilegitimidade do pedido quanto à impugnação do ato de adjudicação.

  1. Quanto à decisão de caducidade, o tribunal entendeu que o prazo de impugnação da decisão de exclusão da Autora é de 1 mês sobre tal decisão, tendo esta ocorrido, no entender da decisão, a 23.08.2018, ou, no limite, a 14.09.2018.

  2. O tribunal a quo não considerou, porém, as especificidades do caso concreto; 4. Na verdade, na deliberação de 14.09.2018 que decidiu em resposta à impugnação administrativa da exclusão e da adjudicação, a entidade adjudicante adotou o relatório final não sem deferir parcialmente a impugnação da Autora num ponto particular: apurar a veracidade do documento junto pelo concorrente preferido, ordenando nomeadamente a junção do original, e em caso de falsidade decretar a exclusão daquele concorrente; 5. Esse deferimento teve como consequência que a então impugnante continuasse ligada ao concurso, nem que fora para acompanhar o cumprimento do seu pedido.

  3. Não faz sentido deferir (ainda que parcialmente) um pedido de um concorrente e simultaneamente determinar que esse mesmo concorrente estaria arredado do procedimento, ficaria à porta, do lado de fora, do concurso, sem qualquer possibilidade de avaliar, acompanhar, ter o crédito de uma resposta acerca de aquilo que a entidade adjudicante assumiu ser pertinente no seu pedido.

  4. O entendimento da ora Recorrente foi que a manutenção da decisão de indeferimento da sua exclusão - tal como a decisão de adjudicação - apenas se cristalizaria(m) com a avaliação subsequente com os documentos e esclarecimentos pelo concorrente preferido. Nesta altura, estava, pois, em aberto uma decisão sobre a exclusão deste concorrente.

  5. Este foi também o entendimento da entidade adjudicante que posteriormente - em 19.10.2018 - veio a decidir nos seguintes termos: "Informa-se que se encontram esclarecidas as dúvidas suscitadas pelo impugnante (RI), no sentido de determinar a veracidade do documento junto pelo Agrupamento (TP/MSTM), pelo que não existindo nada a obstar à adjudicação deliberada, iremos dar seguimento ao Processo" - sublinhado nosso (cfr alínea M) dos factos e cfr. fls. 8 verso e fls. 744, do processo administrativo); 9. Ou seja e em suma, tendo a impugnação da Autora sido deferida parcialmente, em 14.09.2018, necessário é reconhecer que ela se manteve ligada ao procedimento para além dessa data.

  6. Nestes termos, é a decisão de 19.10.2018 que marca o início do prazo de 1 mês para efeitos de contagem do prazo.

  7. Ainda que assim não fosse, necessário é reconhecer que os termos em que a Administração conduziu o processo concursal geraram dúvidas atendíveis e razoáveis, pelo que sempre se teria que atender nos termos do n.º 3 do art. 58º que, no caso concreto - para quem entenda que a decisão de exclusão é anterior à decisão final - aquele prazo de 1 mês teria de entender-se suscetível de se ter prolongado; 12. Na verdade, estabelece a Lei que o prazo pode ser alargado (por três meses) sempre que a tempestiva apresentação da petição não seja exigível a um cidadão normalmente diligente, em virtude de a conduta da Administração ter induzido o interessado em erro; ou, quando não tendo ainda decorrido um ano, o atraso deva ser considerado desculpável, atendendo à ambiguidade do quadro normativo aplicável ou às dificuldades que, no caso concreto, se colocavam quanto à identificação do ato impugnável, ou à sua qualificação como ato administrativo ou como norma - cfr alíneas b) e c) do artigo 58º n.º 3, que se aplica por remissão expressa do artigo 101º do CPTA.

  8. A forma como o Tribunal a quo forçou a letra da decisão de 14.09.2018 é a mais cabal demonstração de que o prazo poderia e deveria ser prolongado ou o atraso, a haver, sempre seria desculpável.

  9. A sentença recorrida incorre, pois, num duplo erro de interpretação e aplicação da Lei, porquanto entende que o decurso do prazo referido no artigo 101º CPTA se iniciou antes da decisão se ter tornado perfeita e definitiva e, por outro lado, nega simultaneamente a extensão de tal prazo nos termos do art. 58º n.º 3 CPTA.

  10. Neste sentido o presente recurso suscita a apreciação de uma questão de direito cujo objeto é a errada interpretação e aplicação das referidas normas processuais.

  11. De resto e quanto à exceção da ilegitimidade, também não está em causa uma matéria de direito, pois ao contrário do que refere o tribunal a quo, não decorre da decisão sobre a caducidade necessariamente a impossibilidade de o candidato excluído poder impugnar a adjudicação; 17. Desde logo, o art. 77.º-A CPTA reconhece legitimidade processual para a impugnação de um ato superveniente à exclusão - o ato de celebração do contrato adjudicado - a quem foi excluído do procedimento e não tenha recorrido dessa exclusão.

  12. Na realidade, esta norma comprova que a impugnação de atos jurídicos praticados em matéria de contratação publica - máxime impugnação do contrato celebrado "não pode ser reconhecida apenas às partes" da relação jurídica decorrente do ato impugnado, como tradicionalmente sucedia, "mas deve ser alargada a outras pessoas e entidades, atenta a particular relevância pública de que se revestem" (a invalidade decorre das ilegalidades cometidas no âmbito desse procedimento; cf. Mário Aroso de Almeida/ Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, p. 551.

  13. Ora, por maioria de razão, tem de ser reconhecida legitimidade nas mesmas circunstâncias se estiver em causa a impugnação de ato preparatório dessa mesma celebração, como é o caso do ato de adjudicação impugnado na presente ação sobretudo quando esteja em causa uma questão suscitada no procedimento pelo concorrente excluído.

  14. E assim, quem impugna uma dada decisão do procedimento pré-contratual com fundamento numa dada ilegalidade, tem de lhe ver reconhecida legitimidade para, mais tarde, impugnar os atos subsequentes que comprovem a manutenção dessa mesma ilegalidade, revelando-se assim dissidentes da decisão tomada em resposta à sua impugnação administrativa.

  15. Uma interpretação que negue tal legitimidade, resultará numa situação de indefesa dos interesses do particular "cujos interesses tenham sido afetados pela violação de regras do procedimento pré-contratual. Tal interpretação será ferida de inconstitucionalidade, porque contrária ao direito de acesso à justiça e a tutela jurisdicional efetiva, consagrado no art. 268.º n.º 4 e art. 20.º CRP, incorrendo simultaneamente na violação dos princípios gerais da contratação o pública impostos pelo direito da União Europeia, ilegalidades qualificadas cuja apreciação jurídica expressamente se requer a este Tribunal Superior.

  16. Basta que na situação presente seja possível em abstrato à Autora cumular sucessivamente nesta ação a impugnação do contrato, nos termos da...

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