Acórdão nº 1590/17.4BEPRT de Tribunal Central Administrativo Sul, 11 de Julho de 2019
Magistrado Responsável | HÉLIA GAMEIRO SILVA |
Data da Resolução | 11 de Julho de 2019 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul l – RELATÓRIO R....
, melhor identificado nos autos, veio deduzir, nos termos do disposto nos artigos 109º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), Intimação para Proteção de Direito Liberdades e Garantias contra a Autoridade Tributária e Aduaneira representada pela Diretora Geral dos Impostos quantos aos atos e comportamentos praticados pela Divisão Operacional do Norte da Direção de serviços Antifraude.
O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 31 de janeiro de 2019, julgou improcedente a ação.
Inconformado, R....
, veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões: «1.º Quer com a apresentação da intimação que deu origem aos presentes autos, quer nas alegações, o Requerente levantou um conjunto de questões jurídicas, sendo que o Tribunal ad quo não se pronunciou, de todo, quanto à principal questão levantada: admissibilidade da utilização dos meios de prova obtidos em processo-crime em procedimentos tributários e a consequente violação do direito à inviolabilidade das comunicação e do direito à reserva da vida privada.
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Dispõe o n.º 4 do artigo 34.º da CRP que: “É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvo os casos previstos na lei em matéria criminal”.
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O facto de a correspondência electrónica ter sido obtida no âmbito de um processo-crime não legitima a sua utilização fora do processo-crime, e muito menos no âmbito de procedimentos tributários.
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Dada a importância dos bens jurídicos tutelados (direitos, liberdades e garantias pessoais), a CRP só permite a sua compressão em sede de processo criminal, e, por sua vez, a Lei Penal só admite essa compressão dentro de limites estritos.
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A utilização, em procedimentos de natureza administrativa, como são os procedimentos tributários, de transcrições de correio electrónico obtidas por via de apreensão em processo-crime, viola a CRP e o direito pessoal fundamental que esta confere ao Requerente da reserva da intimidade da sua vida privada, bem como a garantia, também fundamental, da inviolabilidade dos meios de comunicação fora dos casos taxativamente previstos na lei.
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A sentença recorrida não se debruça, de todo, sob esta questão primordial.
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Verificando-se omissão de pronúncia quanto à principal questão levantada pelo Recorrente, deverá a sentença recorrida ser declarada nula, ao abrigo do artigo 615.º, n.º 1, al. c) do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPTA, substituindo- se por outra que declare a inadmissibilidade da utilização destes meios de prova obtidos no processo-crime em procedimentos tributários.
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Sem prescindir, sempre se dirá que é irrelevante aferir do conteúdo das comunicações para se concluir que houve violação dos direitos do Requerente, bem como é irrelevante a titularidade das contas de e-mail para se aferir se os direitos do Requerente foram concretamente violados.
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O conteúdo da correspondência electrónica é absolutamente irrelevante, se a sua obtenção para o procedimento tributário é ilegal, sendo que a violação dos direitos, liberdades e garantias do Requerente inicia-se e consuma-se com o acesso aos e-mails fora do procedimento criminal e não depende, mínimo que seja, do concreto conteúdo das mensagens de correio electrónico em causa – rigorosamente nada! 10.º Além disso, o facto de se tratar da utilização de e-mails profissionais recolhidos na entidade para quem o Requerente trabalha, não afasta os princípios constitucionais, nem as normas legais que regem a matéria de acesso às comunicações, sendo tal entendimento pacificamente acolhido pela jurisprudência.
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Assim, a sentença recorrida viola, de forma flagrante, os artigos 26.º, n.º 1 e 2 e 34.º, n.º 4 da CRP, e os artigos 109.º e 111.º do CPTA.
Nestes termos e nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, deve a sentença recorrida ser declarada nula, por total omissão de pronúncia, que constitui vício de nulidade de sentença, ao abrigos dos artigos 1.º do CPTA conjugado com o artigo 615º, n.º 1, c) do CPC, substituindo-se por outra que declare a inadmissibilidade da utilização de meios de prova obtidos no processo crime em procedimentos tributários e, consequentemente a Autoridade Tributária e Aduaneira ser intimada a: ▪ De imediato, a desentranhar de todos os procedimentos findos e em curso das certidões, seja em papel ou formato digital, contendo mensagens de correio electrónico enviadas e/ou recebidas pelo Requerente, apreendidas, no âmbito do processo de inquérito 4/14.6ARLSB que corre termos no DIAP de Santo Tirso, e a entregá-las ao ora Requerente ou, em alternativa, ao procurador do MP titular do processo de inquérito do DIAP de Santo Tirso; ▪ Deverá ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira ser intimada a abster-se de utilizar, em qualquer outro procedimento tributário em curso ou que venha a desencadear, quaisquer mensagens de correio electrónico enviadas e/ou recebidas pelo Requerente que tenham sido apreendidas no âmbito do processo de inquérito 4/14.6ARLSB, que corre termos no DIAP de Santo Tirso.» »« A recorrida, FAZENDA PÚBLICA, notificada do recurso, apresentou as suas contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões: «A. O Recorrente imputa à douta sentença do tribunal a quo vício de omissão de pronúncia, sustentando a existência de violação de direitos de natureza privada, mas a argumentação trazida aos autos em nada contraria a fundamentação da decisão recorrida não se revelando susceptível de alterar o sentido da mesma decisão.
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Na sequência dos procedimentos inspetivos que foram efetuados à sociedade I.... – I...., Lda., o Recorrente suscita a questão da admissibilidade da prova recolhida no âmbito do processo crime e ação efetuada pelo Organismo Europeu de Luta Antifraude/OLAF, referente a mensagens de correio eletrónico.
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No que concerne às mensagens de correio eletrónico em questão, o Recorrente atuou sempre como representante legal/gerente da empresa, e toda a correspondência, consubstanciada nos e-mails trocados entre o representante/gerente da I…. e os seus fornecedores, repercute unicamente na esfera jurídica da empresa, os quais se reportam exclusivamente às negociações e/ou a operações de importação.
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O facto de a conta de e-email ser do Recorrente, “enquanto profissional da sociedade, tendo como endereço o servidor da sociedade”, não lhe confere, ao invés do invocado, qualquer dimensão de natureza pessoal.
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Embora uma conta...
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