Acórdão nº 01311/18.4BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 31 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução31 de Maio de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO MAPR, residente na Rua C…, 3880-619 Ovar, instaurou acção administrativa, ao abrigo do disposto no artigo 48º do DL 503/99, de 20 de novembro, contra a Caixa Geral de Aposentações, com sede na Avenida 5 de Outubro, nº 175, Apartado 1194, 1054-001 Lisboa, peticionando: -a condenação desta a pagar-lhe o montante de €952,37 que suportou com os medicamentos necessários ao tratamento da sua doença profissional, acrescido dos juros de mora legalmente devidos até integral pagamento; -o reconhecimento e a declaração de que é a Ré a entidade responsável pelo pagamento das despesas médicas e medicamentosas que venha a custear no futuro por conta da doença profissional contraída em funções públicas, desde que devidamente comprovadas; -o reconhecimento e a declaração de que é a Ré a entidade responsável pelo pagamento dos tratamentos médicos e/ou terapêuticos que venha a necessitar no futuro por conta da doença profissional contraída em funções públicas, desde que devidamente comprovados com prescrições médicas e recibos perante aquela.

Por decisão proferida pelo TAF de Aveiro foi julgada procedente a arguida excepção dilatória de caducidade do direito de acção e absolvida da instância a Ré.

Desta vem interposto recurso.

*Alegando, a Autora concluiu: I. Ao ter decidido como decidiu, aplicando e interpretando o n.° 1 do art. 48.° do Decreto-Lei n.° 503/99 de 20 de Novembro de forma estrita, sem ter em conta a incerteza jurídica que ainda rodeia a questão de saber se é o I.S.S. ou Caixa Geral de Aposentações a entidade responsável para efeitos de pagamento das despesas médicas e medicamentosas em que a Autora incorreu por conta da doença profissional contraída em funções públicas, o Tribunal a quo violou o princípio do Estado de Direito Democrático vertido no art. 2.° da Constituição da República Portuguesa e, bem assim, os n.ºs 1 e 2 do art. 202.° do mesmo diploma magno, eivando o despacho recorrido de flagrante inconstitucionalidade material, o qual desde já se argui, ao considerar que cabia à Autora determinar com precisão qual a entidade a demandar quando tal questão controvertida só viria a receber tratamento uniforme pelos Tribunais Administrativos Superiores a partir de 2017, sendo que ainda hoje a questão, eminentemente jurídica, ainda não tem uma resolução pacífica.

II.

O Tribunal a quo deveria ter interpretado e aplicado o n.° 1 do art. 48.° do Decreto-Lei n.° 503/99 de 20 de Novembro, em consonância com o art. 2.° e os n.°' 1 e 2 do art. 202.° da Constituição da República Portuguesa, no sentido de que perante a indeterminação jurídica acerca de saber qual a entidade pública responsável pelo pagamento das despesas médicas, medicamentosas e tratamentos decorrentes de doença profissional contraída em funções públicas - se o I.S.S. ou a Caixa Geral de Aposentações - o prazo de um ano previsto no n.° 1 do art. 48.° do Decreto-Lei n.° 503/99 de 20 de Novembro teria de ser aferido tendo em consideração essa mesma incerteza e só se iniciaria a sua contagem quando a incerteza jurídica cessasse, nomeadamente, quando os Tribunais Superiores colocassem termo ao dissídio com jurisprudência uniforme, pois de outra forma a função jurisdicional seria transferida para os cidadãos e deixaria de ser exercida pelos Tribunais.

III.

Do mesmo passo, a interpretação e aplicação do n.° 1 do art. 48.° do Decreto-Lei n.° 503/99 de 20 de Novembro pelo Tribunal a quo viola, pelas mesmas razões, o princípio do acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional, vertido no n.° 1 do art. 20.° da Constituição da República Portuguesa, eivando o despacho em crise de flagrante inconstitucionalidade material, a qual desde já se argui, pois perante a indeterminação jurídica acerca de saber qual a entidade pública responsável pelo pagamento das despesas médicas, medicamentosas e tratamentos decorrentes de doença profissional contraída em funções públicas - se o I.S.S. ou a Caixa Geral de Aposentações - o prazo de um ano previsto no n.° 1 do art. 48.° do Decreto-Lei n.° 503/99 de 20 de Novembro teria de ser aferido tendo em consideração essa mesma incerteza e só se iniciaria a sua contagem quando a incerteza jurídica cessasse, nomeadamente, quando os Tribunais Superiores colocassem termo ao dissídio com jurisprudência uniforme, pois de outra forma a função jurisdicional seria transferida para os cidadãos e deixaria de ser exercida pelos Tribunais.

IV.

Violou também o Tribunal a quo, as als. a) e c) do n.° 1 do art. 58.° do CPTA, uma vez que não teve em conta a incerteza jurídica que ainda rodeia a questão de saber se é o I.S.S. ou Caixa Geral de Aposentações a entidade responsável para efeitos de pagamento das despesas médicas e medicamentosas em que a Autora incorreu por conta da doença profissional contraída em funções públicas.

V.

No caso concreto, as als. a) e c) do n.° 1 do art. 58.° do CPTA deveriam ter sido interpretadas e aplicadas no sentido de permitir à Autora/Recorrente intentar a acção contra a Caixa Geral de aposentações, com apreciação da questão de mérito, uma vez que a incerteza jurídica acerca questão de saber se é o I.S.S. ou Caixa Geral de Aposentações a entidade responsável para efeitos de pagamento das despesas médicas e medicamentosas em que a Autora incorreu por conta da doença profissional contraída em funções públicas ainda não obteve uma solução definitiva na jurisprudência administrativa, sendo questão que o cidadão comum não consegue (nem está obrigado) destrinçar.

SEM PRESCINDIR, VI.

O comportamento da Caixa Geral de Aposentações evidenciado nos autos, no sentido de recusar-se a pagar à Autora as despesas médicas e medicamentosas decorrentes de doença profissional contraída aquando de funções públicas, representa um incumprimento da lei e uma violação continuada de um direito legalmente protegido cujos efeitos não se esgotam em nenhum dos actos de rejeição de pagamento dos reembolsos de despesas médicas como consignou o Tribunal a quo no despacho em crise.

VII.

Com efeito, a interpretação do art. 48.° do Decreto-Lei n.° 503/99 de 20 de Novembro favorece uma a aludida interpretação ao descrever que o exercício dentro de um ano da acção para reconhecimento de direito ou interesse legalmente protegido "contra os actos ou omissões relativos à aplicação do presente diploma", encontrando-se aqui uma referência expressa a uma pluralidade de actos ou omissões e não actos ou omissões isolados.

VIII.

De facto, o elemento literal de interpretação da norma vai claramente no sentido de permitir aos interessados impedir o incumprimento da lei ou a sua violação continuada manifestada por diversos actos ou omissões ao longo de um determinado período de tempo.

IX.

Também assim aponta a teleologia da norma.

X.

Neste passo, cumpre ressaltar que o citado normativo está construído de uma forma gradativa, prevendo uma violação contínua de direito ou interesse legalmente protegido ainda que essa violação se manifeste por diversos actos ou omissões XI.

Isto é, o n.° 1 art. 48.° do Decreto-Lei n.° 503/99 de 20 de Novembro prevê um método de reacção contra um incumprimento da lei ou violação de direito ou interesse legalmente protegido que resulte de uma execução continuada, cessante apenas com a prática do último ato encadeado num conjunto de actos sucessivamente ligados por um vínculo finalístico que os liga - neste caso em particular, a intenção da Caixa Geral de Aposentações de rejeitar o pagamento os diversos pedidos de reembolsos de despesas médicas.

XII.

Por conseguinte, o incumprimento da lei e a violação do direito da recorrente em obter a reparação tendo de considerar-se como persistente até que violação do direito perdure e o estado de compressão do interesse legalmente protegido se mantenha, o que no caso se verifica pelas despesas que a autora vai incorrendo e incorrerá ao longo da sua vida com muita probabilidade, apresentadas à recorrida e que esta recusou e ainda recusa pagar.

XIII.

A consumação da violação da lei ou interesse legalmente protegido inicia-se, para efeitos de...

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