Acórdão nº 36/19.8BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 19 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelPEDRO NUNO FIGUEIREDO
Data da Resolução19 de Junho de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

*Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO ………………………….., SAD, apresentou no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), ao abrigo da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (LTAD), aprovada pela Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro, na redação da Lei n.º 33/2014, de 16 de junho, recurso da decisão da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, constante do acórdão de 20/03/2018, na sequência dos factos ocorridos no jogo entre as equipas do ……………………………, Futebol SAD e o …………………….., Futebol SAD, no dia 24/01/2018, no Estádio Municipal de Braga, a contar para a competição “Taça CTT”, nos termos do qual foram aplicadas as seguintes multas: a)Sanção de multa de € 765,00, por infracção ao artigo 187.º, n.º 1, al. a), do RD da LPFP; b)Sanção de multa de € 7.640,00 por infracção ao artigo 187.º, n.º 1, al. b), do RD da LPFP.

Por acórdão de 04/02/2019 do TAD foi decidido, por maioria: - declarar a improcedência do pedido da demandante, mantendo-se a decisão recorrida; - declarar a improcedência do pedido da demandada no que se refere à isenção da taxa de arbitragem.

Inconformada, a …………………………, SAD, interpôs recurso desta decisão, pugnando pela respetiva revogação, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem:“ - I -i. O presente recurso tem por objecto o acórdão de 04.02.2019 do TAD, que confirmou a condenação da recorrente pela prática da infracção disciplinar p. e p. pelos arts. 187.º- l a) e b) do RD, alegadamente cometidas no jogo realizado no dia 24.01.2018. no Estádio Municipal de Braga, punindo-a em multa no valor de €8.405,00, e fixando as custas no total de €6.125,40.

- II -ii. Considerando as infracções p. e p. pelo art. 187.º. n.º 1 do RD em causa nos autos era necessário que o Conselho de Disciplina tivesse carreado aos autos prova suficiente de que os comportamentos indevidos foram perpetrados por sócio ou simpatizante da …………….. - Futebol SAD, e ainda, que tais condutas resultaram de um comportamento culposo da ………………….. - Futebol SAD.

iii. O ónus da prova em processo disciplinar cabe ao titular do poder disciplinar, pelo que, não tem arguido de provar que é inocente da acusação que lhe é imputada.

iv. Aliado ao ónus da prova que recai sobre o titular da acção disciplinar, vigora ainda o princípio da presunção de inocência, o qual tem como um dos seus principais corolários a proibição de inversão do ónus da prova, não impendendo sobre o arguido - in casu a recorrente - o ónus de reunir as provas da sua inocência.

  1. É precisamente o princípio de inocência que exigia ao Tribunal formular um juízo de certeza sobre o cometimento das infracções para condenar a Recorrente.

    vi. Nem mesmo a presunção de veracidade dos relatórios prevista no art. 13.º, f), do RD, pode contrariar esta quadro normativo, dado que, mesmo beneficiando de uma presunção de verdade, não se trata de prova subtraída à livre apreciação do julgador, não se permitindo daí inferir um início de prova ou sequer uma inversão do ónus da prova.

    vii. À míngua de meios de prova demonstrativos da violação de deveres de cuidado, o Tribunal a quo presumiu que a demandante falhou nos seus deveres, entendendo que caberia à demandante ilidir a presunção de culpa pela qual o Tribunal se segue; recorrendo a um critério da primeira aparência.

    viii. Resulta claro da leitura do acórdão que o Tribunal a quo confirmou a condenação da demandante somente com base na prova da primeira aparência e num esquema argumentativo e racional fundado numa distribuição de ónus da prova: à demandada, titular do poder punitivo disciplinar, cabe fazer a prova da primeira aparência; e à demandante, uma vez comprovada essa primeira aparência, compete refutá-la, destruindo essa indiciação.

    ix. Este critério decisório viola o princípio da presunção de inocência, direito fundamental de que a demandante é titular e, do do mesmo passo, implica que para a prova dos factos fundamentadores de responsabilidade disciplinar não será necessária uma racional e objectiva convicção da sua verificação, para além de qualquer dúvida razoável, sendo suficiente uma sua simples indiciação.

  2. Sucede que o arguido em processo disciplinar presume-se inocente, correspondendo o princípio da presunção de inocência em processo disciplinar a um direito, liberdade e garantia fundamental, ancorado no direito de defesa do arguido (art. 32.º, n.05 2 e 10 da CRP), no princípio do Estado de Direito (art. 2.º da CRP) e no direito a um processo equitativo (art. 20.º-4 da CRP) (cf. Ac. do Pleno da Secção do CA do STA de 18-04-2002, Proc. 033881 e Ac. do STA de 20-10-2015, Proc. 01546/14, www.dgsi.pt).

    xi. O critério decisório adaptado pelo Tribunal a quo - da prova da primeira aparência, com imposição de ónus da prova ao arguido - contraria aberta e frontalmente a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, jurisprudência que representa uma expressão consolidada do cânone da dogmática do princípio da presunção de inocência, constante de todos os tratados e comentários de processo penal e afirmado vezes sem conta pelos nossos tribunais superiores (TC, STJ, Relações e TCA's).

    xii. A figura da "prova de primeira aparência" ou "prova prima facie" é própria do direito civil, inserindo-se no quadro das presunções judiciais (art. 349.º do Código Civil) e pode, embora com cautelas e cum grano salis, funcionar nos pleitos cíveis, mas é um corpo completamente estranho no direito e processo sancionatórios, desde logo porque contraria os seus princípios estruturantes da culpa e da presunção de inocência.

    xiii. Pelo exposto, cumpre repor a legalidade, revogando-se o Acórdão recorrido e impondo-se ao Tribunal a quo que adopte um critério decisório em matéria de valoração da prova consentâneo com o princípio da presunção de inocência, exigindo-se, designadamente, que a prova de todos os elementos constitutivos da infracção corresponda a um convencimento para para além de qualquer dúvida razoável, e não numa convicção da verificação decorrente da verificação de simples indícios resultantes de uma prova de primeira aparência, e que não se imponha à demandante (arguida no processo disciplinar) o ónus de demonstração da não verificação de qualquer elemento tipicamente relevante, xiv. Se assim não se fizer, incorrer-se-á em inconstitucionalidade: pois é inconstitucional -por violação do princípio da presunção de inocência de que beneficia o arguido em processo disciplinar, inerente no seu direito de defesa (art. 32.º, n.ºs 2 e 10 da CRP), ao direito a um processo equitativo (art. 20.º-4 da CRP) e ao princípio do Estado de direito (art. 2.º da CRP) -a interpretação dos artigos 222.º-2 e 250.º-1 do RDLPFP segundo a qual a comprovação de um elemento constitutivo de uma infracção disciplinar está sujeita a um ónus da prova imposto ao arguido, podendo ser dado como provado se, resultando simplesmente indiciado através de uma prova de primeira aparência, o arguido não demonstrar a sua não verificação.

    xv. Mas mais, nem mesmo acolhendo a presunção de verdade prevista no art. 13.º, f) do RD ou jurisprudência recente do Supremo Tribunal Administrativo (processo n.º 297/2018 de 18-11-2018) se alcançaria a condenação da aqui recorrente, porquanto sempre se mostra por preencher pressuposto de imputação e condenação: a a actuação culposa da recorrente.

    xvi. Nos relatórios de jogo, prova documental nos autos que beneficia da presunção de verdade, não se descreve um único facto relativamente ao que fez ou não fez o clube, por referência a concretos deveres legais ou regulamentares, nem tão-pouco se descreve por que forma essa actuação do clube facilitou ou permitiu o comportamento que é censurado; sendo a actuação culposa um dos "demais elementos das infracções" que se impunha à FPF, aqui recorrida, provar, sempre se mostrava prejudicada a condenação do Clube por falta de preenchimento de pressuposto legal exigido pelo art. 187.º-1, a) e b) do RD.

    xvii. É inconstitucional, por violação do princípio jurídico-constitucional da culpa (art. 2.º da CRP) e do princípio da presunção de inocência, presunção de que o arguido beneficia em processo disciplinar, inerente ao seu direito de defesa (arts. 32.º-2 e -10 da CRP), a interpretação dos artigos 13.º f) e 187.º-1 a) e b) do RDLPFP no sentido de que a indicação, com base em relatórios da equipa de arbitragem ou do delegado da Liga, de que sócios ou simpatizantes de um clube praticaram condutas social ou desportivamente incorrectas é suficiente para, sem mais, dar como provado que essas condutas se ficaram a dever à culposa abstenção de medidas de prevenção de comportamentos dessa natureza por parte desse clube, o que desde já se argui, para todos os efeitos e consequências legais; e inconstitucional, porque, materialmente, na prática, significa impor ao clube uma responsabilidade objectiva por facto de outrem (2.º e 30.º-3 da CRP).

    - III -xviii. O parâmetro da violação do dever de prevenção adaptado pelo Tribunal a quo é o mesmo para a imputação da infracção p. e p. pelo art. 187.º, n.º l, a) do RD, correspondente ao comportamento incorrecto dos adeptos consubstanciado em cânticos grosseiros e ofensivos de terceiros.

    xix. Acontece que é completamente impossível à recorrente impedir manifestações vocais desse tipo e fica sempre por demonstrar a efectividade de qualquer possível esforço pedagógico nesse sentido.

    xx. Responsabilizar disciplinarmente os clubes pelas grosserias ditas pelos seus adeptos significa puni-los por algo que, objectivamente, não estão em condições de prevenir ou evitar. o que equivale a uma responsabilidade objectiva.

    xxi. Pelo que, não podia o Tribunal a quo condenar a recorrente pela violação do art. 187.º-L a) do RD.

    - IV-xxii. A modificação do valor da causa promovida pelo Tribunal a quo para € 30.000.01 - ao invés do total da multa por que foi a recorrente condenada - foi feita em violação do previsto no art. 33 .º, b) do CPTA, pelo que se impõe repor a legalidade...

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