Acórdão nº 01992/16.3BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 29 de Março de 2019

Magistrado ResponsávelHelena Canelas
Data da Resolução29 de Março de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I. RELATÓRIO CHL, E.P.E.

(devidamente identificado nos autos), réu no processo de contencioso pré-contratual que contra si foi instaurado no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto pela AS, S.A.

(igualmente devidamente identificada nos autos), inconformado com a decisão do Mmº Juiz a quo de 22/11/2017 que fixou o valor da sanção pecuniária a que se refere o artigo 283º-A nº 3 alínea b) do Código dos Contratos Públicos (CCP) a pagar à Autora em 25,000,00 €, dela interpõe o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões nos seguintes termos: 1ª – Vem o presente recurso interposto da d. Decisão de fls… que fixou o valor da sanção pecuniária prevista no art. 283º-A, nº 3 do CCP em 25.000,00 €, e, por outro lado, condenou o R. a pagar essa sanção à Autora, por – salvo o devido respeito – se afigurar que a mesma padece de erro de julgamento, por um lado, quanto à interpretação e aplicação que faz da norma do art. 283º-A, nº 3 do CCP, e por outro e subsidiariamente, quanto à quantificação do montante da sanção.

  1. – Do texto da norma do art. 283º-A, nº 3 do CCP resulta claro, segundo a terminologia adoptada pelo legislador, está ali em causa uma “sanção” e não de uma “indemnização” ou “compensação”, não cabendo ao intérprete e julgador misturar e confundir essas diferentes realidades, tratando-as como iguais quando o legislador as quis distinguir (vide art. 9º do CC).

  2. - Tal sanção pecuniária tem, portanto, natureza semelhante a uma coima ou a uma multa, e nunca a natureza de indemnização e/ou compensação para qualquer concorrente, nem tal entendimento se pode extrair de qualquer elemento interpretativo da norma.

  3. - Por outro lado, a referida norma não identifica quem é o beneficiário da sanção pecuniária prevista na alínea b) e não determina a quem a mesma deve ser paga.

  4. – Ora, compete ao Tribunal no processo de interpretação e aplicação da Lei, não só atender à letra da lei mas ainda reconstituir a partir dos textos o pensamento jurídico, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a Lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, conforme decorre do art. 9º do Código Civil.

  5. - In casu, a norma do art. 283º-A, nº 3 do CCP foi aprovada pelo art. 3º do Decreto-Lei nº 131/2010, de 14 de Dezembro, resultando do preâmbulo desse diploma que este procede à transposição da Directiva nº 2007/66/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho.

  6. – Assim, à falta de qualquer outro elemento interpretativo constante do Decreto-Lei nº 131/2010, de 14.12, não pode ser ignorado o considerando (19) do preâmbulo da aludida Directiva nº 2007/66/CE, que dispõe o seguinte: “[…] As sanções alternativas deverão limitar-se à aplicação de sanções pecuniárias, cujo pagamento deverá ser efectuado a uma instância de recurso independente da entidade adjudicante, ou a uma redução do contrato. Compete aos Estados-Membros determinar as modalidades das sanções alternativas e as respectivas regras de aplicação.” 8ª - Outrossim, a parte final do art. 2º-E, nº 2 da aludida Directiva nº 2007/66/CE, ao regular as sanções alternativas a aplicar à entidade adjudicante, estabelece expressamente que: “A concessão de indemnizações não constitui uma sanção adequada para fins do presente número.” 9ª - É, pois, manifesto que a sanção pecuniária em causa não tem a natureza de indemnização e/ou compensação para qualquer pretenso lesado! Tratando-se antes de uma coima/multa a pagar pela entidade adjudicante a uma “instância de recurso independente da entidade adjudicante”, a qual, em princípio, terá competência para apreciar a validade do concurso e que deve ser definida no âmbito de cada Estado-Membro.

  7. - Sendo esta e não outra – necessariamente contrária à lei e ao seu espírito – a interpretação que pode e deve ser feita da norma constante do art. 283º-A, nº 3 do CCP.

  8. – Ora, ao fazer a transposição da aludida Directiva para o ordenamento jurídico nacional, o legislador transpôs a determinação da aplicação das sanções alternativas para a norma do art. 283º-A, nº 3 do CCP, mas – até ao momento – ainda não procedeu à sua regulamentação que se afigura, neste caso concreto, absolutamente imprescindível e fundamental, desde logo para que seja determinada qual é a entidade a quem deve ser paga a sanção pecuniária fixada.

  9. - O certo é que não pode ser a Autora a beneficiária dessa sanção, sob pena de estarmos perante um verdadeiro direito indemnizatório e, por essa via, se violar a disposição expressa do art. 2º-E, nº 2 in fine, da Directiva nº 2007/66/CE, que é também directa e imediatamente aplicável em Portugal, nos termos do disposto no art. 8º, nº 4 da CRP, o que aqui se invoca.

  10. - Ao condenar o R. a pagar à Autora uma sanção pecuniária fixada nos termos do art. 283º-A, nº 3 do CCP, a decisão recorrida viola o disposto nesse artigo e bem assim, as sobreditas disposições do art. 9º do C. Civil e a parte final do art. 2º-E, nº 2 da aludida Directiva nº 2007/66/CE, conjugada com o considerando (19) do preâmbulo da mesma Directiva comunitária.

  11. - Acresce ainda que, sem que esteja devidamente regulamentada, a norma do art. 283º-A, nº 3 do CCP que impõe o pagamento de uma sanção pecuniária deve ser considerada uma ‘norma sancionatória em branco’ por se tratar de norma incompleta à qual falta um elemento essencial à sua aplicação ou em que há uma necessidade de complementação para que se possa compreender por inteiro os seus próprios pressupostos de aplicação.

  12. – A norma sancionatória em branco viola o princípio da legalidade previsto no art. 29º da C.R.P., bem como o princípio da segurança jurídica, corolário do princípio do Estado de Direito democrático, consagrado no art. 2º da C.R.P., por afectar de forma inaceitável os mínimos de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas, através da criação de normas que impõem sanções sem que os respectivos pressupostos de aplicação e execução estejam devidamente tipificados.

  13. - Assim, a norma do art. 283º-A, nº 3 do CCP deve ser considerada ineficaz por falta de regulamentação que identifique quem é a entidade a quem deve ser paga a sanção aplicada ao R., devendo a mesma ser desaplicada até que entre em vigor a respectiva regulamentação.

  14. – Ou, em alternativa, caso assim se não entenda, deve a norma do art. 283º-A, nº 3 do CCP ser julgada inconstitucional por violação do princípio da legalidade, da tipicidade e da segurança jurídica, previstos nos arts. 29º e 2º da C.R.P., por se tratar de uma norma sancionatória em branco ou incompleta, que impõe o pagamento de uma sanção a uma entidade não determinada nem determinável nos termos da Lei nacional ou comunitária.

  15. - Em todo o caso, não podendo o Tribunal a quo condenar o R. a pagar essa sanção à Autora, por tal decisão carecer de base legal, violando o princípio da legalidade nos termos supra expostos, e por violar a disposição do art. 2º-E da Directiva nº 2007/66/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, que independentemente da transposição para o ordenamento jurídico nacional tem aplicação em Portugal nos termos do art. 8º, nº 4 da CRP.

  16. - Ao decidir como decidiu, condenado o R. a pagar à Autora a sanção pecuniária fixada nos termos do art. 283º-A, nº 3 do CCP, designadamente para, por meio dela, compensar a Autora pelo afastamento do efeito anulatório dos contratos conforme resulta da fundamentação da d. decisão recorrida, o Tribunal a quo violou as referidas disposições dos arts. 283º-A, nº 3 do CCP; arts. 29º e 2º da C.R.P., art. 2º-E da Directiva nº 2007/66/CE, do Código Civil; e art. 8º, nº 4 da CRP.

  17. - Pelo que se impõe a revogação da d. decisão recorrida, o que aqui se Requer.

  18. - Subsidiariamente, sem prescindir do acima alegado e por mera cautela e dever de patrocínio, ainda se alega e invoca que, com vista à fixação da sanção pecuniária nos termos do art. 283º-A, nº 3 do CCP, o Mmº Juiz a quo ordenou a notificação do R. para informar o preço contratual dos Lotes 1, 2, 3 e 4 individualmente considerados; tendo o R. esclarecido nos autos o seguinte: Lote 1 – 90.000,00 €; Lote 2 – 111.850,00 €; Lote 3 – 7.400,00 € e Lote 4 – 2.240,00 €, o que perfaz um preço global de 211.490,00 €.

  19. - Mais esclareceu o R. que a proposta da A. se limitou aos lotes 2, 3 e 4, pelo que o interesse desta se deve circunscrever ao preço contratual desses lotes, que perfaz o valor global de 121.490,00 €, devendo ser este o valor contratual a atender nos termos do art. 283º-A, nº 3 do CCP.

  20. - Por seu lado, no pressuposto de que a sanção era uma indemnização a que tem direito, a A. veio em sede de contraditório alegar e requerer que o valor da sanção a fixar tivesse como limite mínimo o valor dos lucros que deixou de auferir caso o concurso não padecesse dos vícios identificados, calculados de acordo com a declaração de modelo 22 de IRC do ano de 2016, que juntou aos autos.

  21. – Conforme resulta da análise desse documento, esse lucro é, no máximo, de 7%, e se for calculado tendo em conta o resultado líquido do período, não vai para além de 4,3%.

  22. – Resulta da d. Sentença recorrida que, no caso concreto e face aos pressupostos de facto assentes, a sanção pecuniária destina-se a compensar a A. pela perda da situação jurídica cujo restabelecimento a anulação do concurso lhe teria proporcionado, inexistindo qualquer prejuízo patrimonial a compensar.

  23. – Mais decidiu o Tribunal a quo fixar o montante da sanção em 25.000,00 €, com recurso à equidade.

  24. - Tal valor não se afigura nem equilibrado, nem justo, nem equitativo, quando comparado com o hipotético prejuízo económico que a A. poderia sofrer, isto é, se o prejuízo da A. fosse de natureza económica – que não é – e se se aplicasse o critério do lucro que a A. teria deixado de auferir, o valor em causa seria sempre inferior a 15.000,00 €.

  25. – Mais, a d. Decisão que fixa o valor da sanção em...

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