Acórdão nº 2149/18.4BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 23 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelALDA NUNES
Data da Resolução23 de Maio de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Relatório P...(recorrente) requereu intimação para prestação de informações e passagem de certidões (previsto e regulado nos artigos 104º ss. do CPTA) contra o Ministério das Finanças (recorrido), visando a intimação deste para facultar o acesso aos seguintes documentos: i) Relatórios anuais de aplicação do regime de auxílios da Zona Franca da Madeira, período de 2007 a 2017; ii) Informação estatística relativa ao número de entidades em atividade na Zona Franca da Madeira no fim de cada ano do período de 2007 a 2017; iii) Informação estatística relativa ao número de postos de trabalho diretos existentes nas empresas licenciadas na Zona Franca da Madeira em cada ano do período de 2007 a 2017; iv) Resultados e imposto liquidado pelas entidades presentes na Zona Franca da Madeira em cada ano do período de 2007 a 2017; v) Valor da despesa fiscal decorrente da isenção ou redução de taxa de IRC a entidades em atividade na Zona Franca da Madeira em cada ano do período de 2007 a 2017.

A 21.1.2019 foi proferida sentença que julgou a intimação improcedente e absolveu a entidade requerida do pedido.

Inconformado com a decisão, o requerente interpôs recurso e nas suas alegações formula conclusões nos seguintes termos: I. «A decisão em crise viola de forma flagrante o princípio da transparência e da administração aberta consagrado no artigo 2º da Lei 26/2016, de 22 de agosto bem o direito à informação consagrado no artº 82º do CPA e, ainda o artº 38º, nº 1 e 2 b) da CRP.

  1. Muito embora a sentença em crise reconheça que não há dúvidas de que os documentos peticionados pelo Requerente se tratam de documentos administrativos, III. Entendeu, porém, o Tribunal a quo que é absolutamente legítimo que o acesso àqueles documentos seja vedado ao ora recorrente até ao termo de investigação que está a ser levada a cabo pela Comissão Europeia e em que esses documentos serão objeto de análise.

  2. O entendimento vertido na sentença em crise não só não é lógico como é ilegal.

  3. Os documentos não mudam de natureza em virtude de serem considerados ou valorados em procedimentos terceiros.

  4. E, como tal, o acesso aos mesmos não pode passar a ser proibido em virtude da existência de uma investigação exterior.

  5. A própria sentença reconhece que o Recorrente não solicitou o acesso ao procedimento de investigação mas que os documentos estão “conexionados” com o mesmo.

  6. A admitir o pensamento vertido na sentença em crise, deixariam de ser consultáveis incontáveis documentos apenas pela simples razão de serem abrangidos ou conexos com qualquer investigação.

  7. Como devidamente esclarecido pela CADA, não deve haver confusão entre a natureza dos procedimentos, mesmo de investigação, que corram em quaisquer entidades e em que determinados documentos administrativos são levados em conta, e os procedimentos ou processos em que esses mesmos documentos administrativos foram produzidos.

  8. Esses documentos não mudam de natureza pelo facto de estarem a ser considerados em procedimentos terceiros.

Termos em que a sentença em crise deve ser revogada e substituída por outra que condene a Entidade Demandada a admitir o acesso pelo Recorrente aos documentos por si peticionados».

O recorrido contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, defendendo que a sentença recorrida deve ser mantida e confirmada, pelos argumentos que ali expõe e que leva às respetivas conclusões nos termos seguintes: a) Bem andou o tribunal a quo ao concluir, como concluiu, pela legitimidade da decisão administrativa que diferiu o acesso à documentação peticionada até à tomada de decisão do procedimento investigatório conduzido pela Comissão Europeia; b) Com efeito, a informação em causa não é uma qualquer informação parcelar que tenha uma relação de conexão direta ou indireta com a atribuição da Zona Franca da Madeira e seja completamente distinta e independente do procedimento de investigação em curso na Comissão Europeia; c) Corporiza, isso sim, informação que respeita ao objeto da investigação e que foi carreada para o processo investigatório da Comissão Europeia; d) Como tal, deve partilhar do espaço de confidencialidade a que o mesmo procedimento esteja sujeito.

e) Conforme reconhece o Recorrente, e ainda resulta da matéria de facto dada como provada nos autos, a Comissão Europeia tem em curso uma investigação aprofundada às isenções fiscais concedidas a empresas da Zona Franca da Madeira (ZFM), sobre a forma como Portugal aplicou à ZFM o regime de auxílios; f) Pretendendo a Comissão, em especial, apurar e analisar: i) os lucros das sociedades que beneficiaram de reduções do imposto sobre o rendimento foram obtidos exclusivamente de atividades realizadas na Madeira; e ii) as empresas beneficiárias geraram e mantiveram efetivamente empregos na Madeira. – cf. comunicado à imprensa de 6/07/2018; g) A informação solicitada está, por isso, claramente enquadrada no procedimento formal de investigação promovido pela Direção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia relativo ao regime de auxílios de Estado, no quadro das Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para o período 2007-2013 (OAR de 2007-2013); h) Estando ainda sob apreciação a matéria conexa com a confidencialidade da decisão adotada, na parte em que esta se reporta a determinadas informações que respeitam à natureza, ao funcionamento e às atividades desenvolvidas por empresas abrangidas pelo Regime da ZFM; i) Nesse sentido, a divulgação imediata da informação em causa a um terceiro introduz riscos concretos de lesão dos interesses protegidos pelo artigo 4.º, nº 1, alínea a), do Regulamento (CE) nº 1049/2001; j) No caso concreto, a divulgação de apreciações de natureza sensível - e ainda em processo de contraditório - é passível de prejudicar a estabilidade do regime sob avaliação, afetando a proteção de interesses comerciais das pessoas singulares ou coletivas que beneficiaram dos auxílios e condicionando decisões de localização de investimento ou atividades, com o inerente risco de prejuízo da proteção do interesse público, no que respeita à política financeira, monetária e económica de Portugal; k) Sendo a divulgação de alguns dos elementos em causa suscetível de afetar, de modo grave, os objetivos de atividades de inspeção e o respetivo processo decisório, considerando as divergências de fundo quanto aos factos alegados e respetivas fundamentações; l) Ora, se é bem certo que o princípio do arquivo aberto ou da administração aberta consagrado no artigo 17.º do CPA e nos artigos 2.º e 5.º da Lei n.º 26/2016, de 22/08, determina que as pessoas tenham livre acesso aos documentos administrativos a assegurar de acordo com os demais princípios da atividade administrativa ou no exercício da liberdade de expressão, também é igualmente verdade que este direito fundamental não é um direito absoluto, estando, como tal, sempre sujeito a restrições constitucionalmente admissíveis e justificáveis; m) Ponderando, no caso concreto, o equilíbrio entre o direito dos cidadãos à informação pretendida e os potenciais danos para o interesse público prosseguido que podem resultar da comunicabilidade imediata dos documentos administrativos em causa, torna-se inteiramente legitimada a decisão de diferir o acesso a tais documentos para o momento da tomada de decisão do processo investigatório, tal como facultado pelo nº 3 do artigo 6º da referida Lei nº 26/2016; n) Pelo que nada deve ser censurado à douta sentença sob recurso.

Nestes termos deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a sentença recorrida».

O Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA, nada disse.

Sem vistos, em face do disposto no artigo 36º, nº 1, alínea d) e nº 2 do CPTA, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.

Objeto do recurso Considerando o disposto nos arts 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas conclusões de recurso, verificamos que cumpre saber se a sentença recorrida errou quanto à solução jurídica, incorrendo em erro de direito, com violação dos artigos 38º, nº 1 e nº 2, al b) da CRP, do artigo 82º do CPA e do artigo 2º da Lei nº 26/2016, de 22.8, ao decidir pela improcedência do pedido de intimação, por entender que no caso...

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