Acórdão nº 00228/13.3BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 12 de Outubro de 2018
Magistrado Responsável | Frederico Macedo Branco |
Data da Resolução | 12 de Outubro de 2018 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório MIESS, devidamente identificada nos autos, no âmbito da ação administrativa especial intentada contra o Município da Figueira da Foz, tendente à impugnação de despacho municipal que determinou a demolição de obras executadas na morada indicada, sem licença municipal, inconformada com o Sentença proferida em 23 de março de 2018, no TAF de Coimbra (Cfr. fls. 263 a 279 Procº físico), que julgou improcedente a Ação, veio em 23 de março de 2018 Recorrer Jurisdicionalmente da referida decisão (Cfr. fls. 283 a 305 Procº físico).
Formula a aqui Recorrente nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões (Cfr. fls. 300 a 305 Procº físico).
“1º Na presente ação Impugna-se o ato que ordenou a demolição de uma construção por alegadamente ter sido feita sem licença municipal e em parte comum do edifício, tendo sido Imputados a tal ato um conjunto de ilegalidades e vícios. Ora, 2º O aresto em recurso enferma de nulidade por omissão de pronúncia prevista na alínea d) do na 1 do art° 615º do CPC uma vez que deixou de se pronunciar sobre duas questões jurídicas suscitadas pela A. na p.i.• a saber: - violação do princípio da imparcialidade (v. art° 51° da p.i.); - erro nos pressupostos por a Câmara ter emitido a licença de utilização (v. artºs 88° a 96° da p.i.), Por outro fado, 3º Ao dar por provados os factos constantes dos nas 6. 7. 8 e 10 da factologia assente sem antes ter permitido à Autora provar a factologia por si alegada na p.i., - designadamente nos artºs 14°, 15°, 16°,21°, 24°,25°,26°,27°,28°,29°,30°, n°, 74°, 83° a 91° da p.i.), cuja prova poderia levar o Tribunal a quo a dar por provados factos claramente contrários aos que deu por provados e a alcançar uma solução de direito completamente diferente -, O aresto em recurso incorreu em flagrante e grave erro de julgamento. procedendo à fixação da matéria de facto em clara violação e desrespeito do princípio da igualdade das partes - consagrado no art° 6° do CPTA - e do direito fundamental à tutela judicial efetiva - consagrado no artº 268º/4 da Constituição -, dos quais resulta que a cada parte há-de ser permitido provar, por todos os meios legalmente admissíveis, a factologia em que alicerça a sua posição e que o Tribunal deve ser Isento e equidistante em relação a ambas as partes, só podendo formar a sua livre convicção depois de assistir à prova que cada uma delas produza sobre os factos que alegou. Na verdade, 4° Os referidos factos alegados na p.i., eram não só controvertidos (v., neste sentido, o art.º 3º da contestação) como essenciais para a boa decisão da causa à luz das várias soluções plausíveis da questão de direito, pelo que não poderia o Tribunal a quo proceder à fixação da matéria de facto dada por provada apenas tendo em conta a versão factual apresentada pela entidade demandada e sem antes ter procedido à abertura de um período de prova destinado a permitir à A. provar a factologia por si alegada para fundamentar os vícios imputados, só podendo formar a sua livre convicção e fixar a factologia provada depois de realizada tal prova.
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Consequentemente, ao fixar a matéria de facto constante dos nºs 6, 7,8, e 10 sem antes permitir à A. provar, através de um qualquer dos meios de prova legalmente admissíveis, os factos por si alegados em sustentação das Ilegalidades assacadas ao ato impugnado, o aresto em recurso violou o disposto no art.º 87° do CPTA e os direitos à igualdade das partes e à tutela judiciai efetiva, consagrados nos artes 6° do mesmo diploma e 268°/4 da Constituição, Interpretando aquele primeiro preceito em sentido materialmente inconstitucional por violação do âmbito de proteção destes dois direitos.
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Neste mesmo sentido, recorde-se que este douto Tribunal Central Administrativo Norte vem entendendo que do princípio da igualdade das partes decorre que se “... deva conceder às partes a possibilidade de nele fazer valer as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal, em regra antes que este tome a sua decisão ...” (v. Ac do TCANORTE, de 28/3/2014, Proc. nº 316/10.8BECBR), no que é acompanhado pela nossa mais autorizada doutrina ao defender que a decisão judicial que denegar a uma das partes a possibilidade de provar os factos por si alegados e que são controvertidos e essenciais para o apuramento da causa viola frontalmente o princípio da tutela judiciai efetivo (v. CARLOS CADILHA, A prova em contencioso administrativo, CJA n" 690 pág. 49, e, no mesmo sentido, CARLOS CARVALHO, O juiz administrativo e o controlo jurisdicional da prova procedimental do processo disciplinar, CJA nº 101, pág. 23). Para além disso.
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Ao dar por provados os factos constantes dos nºs 6, 7, 8,10, 11, 12, 13, 15, 16,17, 18, 19, 20, 21, 22 e 24 da factologia assente, o aresto em recurso incorreu em erro de julgamento de facto por violação dos princípios do dispositivo e do contraditório, uma vez que tais factos não haviam sido alegados pelos partes nos articulados, não eram instrumentais nem notórios e nem sequer foram submetidos a prova e ao contraditório da Autora.
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Refira-se, aliás, que, a circunstância de tais factos constarem eventualmente do processo Instrutor - o que se desconhece, pois nunca o Tribunal a quo notificou a Autora para se pronunciar sobre a junção do instrutor - jamais permitira que o Tribunal a quo os desse por provados sem que, previamente, tivesse submetido os mesmos a prova ou, no mínimo, ao contraditório da Autora, tanto mais que o instrutor não faz prova plena dos factos nele narrados e a factologia em causa era do completo desconhecimento da Autora, razão peta qual o seu surgimento como factos provados constitui uma verdadeira decisão- surpresa e uma denegação dos princípios do dispositivo e contraditório. Acresce, ainda, que, 9º Não só o Tribunal a quo não deu, ao arrepio do disposto no nº 4 do artº 607º do CPC, como provados ou não provados factos que eram absolutamente essenciais para a boa decisão da causa nada se sabendo sobre se a Câmara licenciou a utilização da construção recuada, se o projeto de arquitetura licenciado pela Câmara compreendia tal construção, da mesma forma que nada se decidiu sobre se tal construção recuada sempre estivera no uso exclusivo da fração da A. e se sempre teve o saneamento, luz e água dessa mesma fração", como a verdade é que a matéria de facto dada por assente é claramente insuficiente e obscura, uma vez que o Tribunal a quo considera legal uma ordem de demolição quando nem sequer sabe quais as áreas que estão afetas à fração V " da A. ", à fração X e às demais frações (v., neste sentido, o nº 10 da factologia dada por provada) e quando nem sequer deu por provado que obras foram efetuadas, quem as efetuou e onde as efetuou.
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Semelhante comportamento do Tribunal a quo é, passe a expressão, a "prova provada" da desigualdade com que esse mesmo Tribunal tratou as partes em litígio, pois enquanto para a entidade demandada se dá por provado mesmo aquilo que ela não alegou" como supra se verificou -, já o que a A. alegou para sustentar os vícios imputados é considerado como matéria factual irrelevante, ao ponto de nem sequer valer a pena ao Tribunal a quo submete-la a prova e dá-la como provada ou não provada.
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Para além disso, é verdadeiramente arrojado e revelador de imprudência que o Tribunal a quo tenha considerado legal a ordem de demolição com o argumento de o espaço ser comum e não privativo da fração da A. quando nem sequer se deslocou ao local, quando não ordenou qualquer perícia nem ouviu qualquer testemunha e quando é o primeiro a reconhecer que desde há muito existe uma dúvida sobre a natureza privativa ou comum do espaço em causa - ao ponto de o próprio Município ter dito em 2004 que o título constitutivo integrava o espaço em causa das frações da A.- e X - da Srª: CM (v. nº 20 da factologia dada por provada, podendo-se dizer que a Meritíssima Juiz a quo viu sem sequer sair do seu gabinete aquilo que nunca ninguém conseguira ver ao longo destes anos.
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Consequentemente, seja por ter dado por provados factos em clara violação dos princípios da Igualdade, tutela judicial efetiva, contraditório e dispositivo, seja por incumprimento do nº 4 do artº 607º do CPC ou por insuficiência e obscuridade da matéria de facto, impõe-se anular a decisão de facto proferida pelo Tribunal a quo em cumprimento do disposto no art.º 662º do CPC. Acresce que.
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O aresto em recurso Incorreu igualmente em erro de julgamento de direito ao julgar Improcedente o vício de prescrição do direito de ordenar o demolição com o argumento de que tal direito é imprescritível, pois não só estão sujeitos a prescrição todos os direitos que não sejam Indisponíveis e não sejam Isentos por lei (v., neste sentido, o art,º 298° do CCivil e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, in Código Civil Anotado, Volume I, Artigos 1° a 761°, 48 Edição Revista e Atualizada, pp. 272 e 273) como a jurisdição administrativa já teve oportunidade de deixar bem claro que também os direitos reconhecidos por lei a pessoas coletivas públicas estão sujeitos aos prazos de prescrição constantes do Código Civil (v., neste sentido, o Ac. do TCASUL, de 07/1112013, Proc, nº 08867/12).
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Consequentemente, estando provado que, pelo menos, desde 1988 a construção recuada alegadamente Ilegal tem existência e é do conhecimento do Município (v. nºs 8 e 9 da matéria de facto dada por provada) e sabendo-se que o Instituto da prescrição se fundamenta em razões de segurança e certeza jurídica (v., por todos, o Ac. do TCANORTE, de 9/9/2016, Proc. nº 0028/I4.0BEMDL) e que em parte alguma do DL nº 555/99 se prevê que o direito de ordenar a demolição esteja Isento de prescrição, muito naturalmente que em 2013 - data em que foi proferida a ordem de demolição impugnada (v. nº 34 da factologia assente) estava completamente ultrapassado o prazo geral de prescrição de 20 anos constante do artº 298º do Código Civil.
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