Acórdão nº 70/18.5BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 08 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelHELENA CANELAS
Data da Resolução08 de Novembro de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Proc. n.º 70/18.5BCLSB Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO O FUTEBOL C……., SAD (devidamente identificada nos autos) interpõe o presente recurso do acórdão proferido em 26/06/2018 pelo Tribunal Arbitral do Desporto (Proc. nº 35/2017) que, com um voto de vencido, julgou improcedente a impugnação por ele ali dirigida contra a FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL do acórdão de 06/06/2017 do Pleno do Conselho de Disciplina da FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL que negando provimento ao recurso hierárquico impróprio manteve a decisão da Secção Profissional do Conselho de Disciplina que aplicou ao recorrente as seguintes sanções disciplinares: a) multa de 5.738,00€ pela prática da infração prevista e punida pelo artigo 186º nº 1 do RDLPFP2016; multa de 1.148,00€ pela prática da infração prevista e punida pelo artigo 187º nº 1, alínea a) do RDLPFP2016; e multa de 5.967,00€ pela prática da infração prevista e punida pelo artigo 187º nº 1, alínea b), do mesmo Regulamento.

Formula as seguintes conclusões de recurso, nos seguintes termos: i. O presente recurso tem por objecto o acórdão de 26-06-2018 do TAD que confirmou a condenação da recorrente pela prática de três infracções disciplinares ( 186.º- 1, 187.º- 1 a) e b) do RD), alegadamente cometidas no jogo realizado a 29-04-2017 no Estádio Municipal E……..., punindo-a em multas no valor total de € 12.853,00, e fixando as custas no total de € 6.125,40.

ii. No seu pedido de arbitragem necessária a Demandante, ora recorrente. invocara como um dos fundamentos para a revogação da condenação a nulidade da decisão condenatória face à alteração substancial dos factos que não lhe fora comunicada nem pela mesma consentida.

iii. Porém, o Tribunal a quo na decisão recorrida não contém qualquer referência, mínima que seja, a esta matéria, não tomando posição sobre a questão submetida à sua apreciação.

iv. Sendo tal alteração dos factos inquestionavelmente relevante para a boa decisão da causa, tinha o Tribunal a quo de expressamente pronunciar-se sobre a arguição desta invalidade pela Demandante, ora recorrente.

v. Ao deixar de pronunciar-se sobre questão suscitada pela parte que se impunha fosse apreciada e decidida em sentença, o acórdão recorrido padece de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos da aplicação conjugada dos arts. 61.º da LTAD, 1º e 91º nº 1 do CPTA e 615º 1 d) CPC.

vi. Em sede de recurso hierárquico impróprio a ora recorrente invocou, em sua defesa, a falta de preenchimento dos arts. 186.º e 187.º do RD, desde logo porque, até então, dos autos não resultava qualquer prova - ou sequer argumentação - que depusesse em favor da tese da FPF, mais precisamente, da alegada assunção pela aí Demandante de uma posição “omissiva”, permitindo e compactuando com a prática das referidas infracções.

vii. O acórdão do Conselho de Disciplina da FPF de 06-06-2017, julgou como provado o preenchimento dos pressupostos das infracções disciplinares, tanto na vertente objectiva, como na vertente subjectiva.

viii. No entanto, parte dos factos julgados como provados que, em sede de recurso, sustentaram a condenação da aí demandante são factos novos, isto é, factos que não constavam da primeira decisão condenatória (de 03-05-2017), os quais mostravam-se absolutamente imprescindíveis para que a ora recorrente pudesse responder disciplinarmente pelas infracções que lhe eram imputadas, principalmente no plano subjectivo da infracção (dolo).

ix. Tal aditamento que, além de ter consubstanciado uma autêntica decisão-surpresa e de ter atentado contra a máxima geral do direito sancionatório público da proibição da reformatio in pejus, consubstanciou ainda uma verdadeira alteração substancial dos factos.

x. Ao proceder à mencionada alteração substancial dos factos, o acórdão do Conselho de Disciplina atentou substancial e significativamente contra o direito de defesa da demandante, e assim, do mesmo passo, contra o n.º 10 do art. 32.º da CRP.

xi. Impõe-se. pois, reconhecer e declarar a nulidade da decisão do Conselho de Disciplina de 06-06-2017 e, consequentemente, decidir pela revogação da decisão de condenação da recorrente com os devidos e legais efeitos.

xii. O ónus da prova em processo disciplinar cabe ao titular do poder disciplinar, pelo que, sempre seria ao Conselho de Disciplina que se impunha carrear aos autos prova suficiente de que os comportamentos indevidos foram perpetrados por sócio ou simpatizante da Futebol C...... - Futebol SAD, e ainda, que tais condutas resultaram de um comportamento culposo da Futebol C…… - Futebol SAD.

xiii. Aliado ao ónus da prova que recai sobre o titular da acção disciplinar, vigora ainda o princípio da presunção de inocência, o qual tem como um dos seus principais corolários a proibição de inversão do ónus da prova, não impendendo sobre o arguido - in casu a recorrente - o ónus de provar a sua inocência.

xiv. Nem mesmo a presunção de veracidade dos relatórios prevista no art. 13.º f) do RD, pode contrariar este quadro normativo, dado que, mesmo beneficiando de uma presunção de verdade, não se trata de prova subtraída à livre apreciação do julgador, não se permitindo daí inferir um início de prova ou sequer uma inversão do ónus da prova.

xv. Além do mais, não podia o Tribunal a quo deixar de considerar que o arguido é um verdadeiro titular de direitos e deveres, sendo titular do direito ao silêncio.

xvi. O Tribunal a quo assentou em juízos de presunção a conclusão de que foram adeptos da demandante a realizar as condutas sub judice, sem haver prova concreta dessa autoria com a probabilidade próxima da certeza ou, pelo menos, para além da dúvida razoável.

xvii. Só podia Tribunal a quo levar à matéria assente que os autores das condutas sub judice eram do FC….. se tivesse apurado, através da prova carreada aos autos - o que não se mostrou suficiente para ultrapassar a dúvida razoável - que tal bancada era ocupada exclusivamente por sócios ou simpatizantes do FC…. - (vd. acórdão 19.01.2018 do Tribunal Central Administrativo do Sul, no Proc. n.º 144/17.0BCLSB, que confirmou na íntegra o Acórdão do TAD 1/2017 a 08-09-2017), vendo-se prejudicada a decisão condenatória.

Além do mais, xviii. Compulsada a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, nela não se encontra qualquer traço factual - ou sequer probatório - de uma hipotética violação de deveres, por parte da demandante, tal como nada nela se divisa no sentido de que a demandante actuou culposamente, seja a título doloso ou negligente.

xix. Também nesta matéria o Tribunal a quo recorreu a uma presunção, impondo - em violação do princípio de presunção de inocência - a imposição à recorrente de um ónus de prova.

Aliás, xx. À míngua de meios de prova demonstrativos da violação de deveres de cuidado, o Tribunal a quo recorre ao chamado critério da primeira aparência, o que não pode colher.

xxi. Este critério decisório viola o princípio da presunção de inocência, direito fundamental de que a demandante é titular e, do mesmo passo, implica que para a prova dos factos fundamentadores de responsabilidade disciplinar não será necessária uma racional e objectiva convicção da sua verificação, para além de qualquer dúvida razoável, sendo suficiente uma sua simples indiciação.

xxii. Sucede que o arguido em processo disciplinar presume-se inocente, correspondendo o princípio da presunção de inocência em processo disciplinar a um direito, liberdade e garantia fundamental, ancorado no direito de defesa do arguido (art. 32.º, n.ºs 2 e 10 da CRP), no princípio do Estado de Direito (art. 2.º da CRP) e no direito a um processo equitativo (art. 20.º-4 da CRP) (cf. Ac. do Pleno da Secção do CA do STA de 18-04-2002, Proc. 033881 e Ac. do STA de 20-10-20 15, Proc. 01546/14,…) xxiii. Trata-se, aliás, de figura própria do direito civil - e não do direito sancionatório disciplinar -, inserindo-se no quadro das presunções judiciais (art. 349.º do Código Civil) e pode, embora com cautelas e cum grano salis, funcionar nos pleitos cíveis, mas é um corpo completamente estranho no direito e processo sancionatórios, desde logo porque contraria os seus princípios estruturantes da culpa e da presunção de inocência.

xxiv. Pelo exposto, cumpre repor a legalidade, revogando-se o Acórdão recorrido e impondo-se ao Tribunal a quo que adapte um critério decisório em matéria de valoração da prova consentâneo com o princípio da presunção de inocência, sob pena de incorrer-se em inconstitucionalidade por violação do princípio da presunção de inocência de que beneficia o arguido em processo disciplinar, inerente no seu direito de defesa (art. 32.º, n.ºs 2 e 10 da CRP), ao direito a um processo equitativo (art. 20.º -4 da CRP) e ao princípio do Estado de direito (art. 2.º da CRP) - a interpretação dos artigos 222.º-2 e 250.º- I do RDLPFP de 2016 segundo a qual a comprovação de um elemento constitutivo de uma infracção disciplinar está sujeita a um ónus da prova imposto ao arguido, podendo ser dado como provado se, resultando simplesmente indiciado através de uma prova de primeira aparência, o arguido não demonstrar a sua não verificação.

xxv. A modificação do valor da causa promovida pelo Tribunal a quo para 30.000,00 - ao invés do valor total das multas por que foi condenada - foi feita, porém, em violação do previsto no art. 33.º, b), do CPTA, pelo que se impõe repor a legalidade, fixando-se o valor da acção no montante de € 12.853,00, e daí extraindo-se as devidas consequências.

Acresce que, xxvi. No presente caso, a demandante recorreu de uma condenação pecuniária no valor total de € 12.853,00 e, não tendo esse recurso obtido provimento, confronta-se com uma fixação de custas no total de € 6.125,40, o que se revela totalmente desproporcional e compromete de forma séria e evidente, o princípio da tutela jurisdicional efectiva (art. 20.º-1 e 268.º-4 da CRP).

xxvii. Considerando o critério da nossa jurisprudência...

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