Acórdão nº 235/18.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 11 de Julho de 2018

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução11 de Julho de 2018
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO O Ministério da Administração Interna, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, devidamente identificado nos autos de ação instaurada por L. N. N.

, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 02/04/2018, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou a ação procedente, condenando a entidade demandada a admitir o pedido de protecção internacional apresentado, com os efeitos previstos no artigo 21.º, n.º 1 da Lei de Asilo.

* Formula o Recorrente, nas respetivas alegações as seguintes conclusões, que se reproduzem: “A - A decisão judicial condenou indevidamente o SEF a admitir o pedido de protecção internacional formulado pelo requerente.

B - O tribunal deveria ter anulado a decisão administrativa que considerou o pedido de protecção internacional, infundado, com fundamento, na preterição de uma formalidade essencial, permitindo que o SEF suprisse, em nova decisão, essa formalidade, ao invés de condenar a Administração a admitir o pedido.

C - Tratando-se de um vício formal da decisão administrativa, bem poderia o SEF praticar novo acto de “indeferimento” do pedido, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado (cfr. 173º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

D - Uma vez detectado o vício formal da decisão administrativa, ao tribunal, em resposta ao pedido condenatório do requerente, “o mais” que lhe seria permitido fazer seria condenar o SEF na reapreciação do pedido, ficando a Administração, em sede de execução de sentença, com o “encargo” de proceder a melhor instrução dele.

E - Se o vício é formal, não pode o SEF ficar inibido de o sanar, cumprindo assim, a decisão do tribunal, e proferir nova decisão com idêntico sentido.

F - O acto administrativo em causa, mesmo padecendo do vício formal assinalado pelo tribunal, é renovável, e, nessa medida, não poderia ter sido o SEF condenado a admitir o pedido de protecção internacional.

G - Mesmo aceitando que o SEF não poderia, em circunstância alguma, prevalecer-se de qualquer das alíneas do artigo 19° da Lei de Asilo para considerar o pedido infundado, ainda assim, e em nossa opinião, o tribunal teria forçosamente que dar nova oportunidade ao SEF de apreciar o pedido.

H - Nesse caso, a nova decisão administrativa poderia apoiar-se em qualquer das alíneas do artigo 19°-A do mesmo diploma, com a prerrogativa de não ter de se proceder à análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de protecção internacional.

I - Não pode o tribunal condenar a Administração a admitir o pedido de protecção internacional, uma vez que ao SEF não pode ser vedada a possibilidade de proferir nova decisão, fundamentando-a, por exemplo, com base numa das alíneas do artigo 19°-A da Lei de Asilo, considerando-o Inadmissível, na vez de o considerar infundado, nos lermos do artigo 19° da Lei de Asilo.”.

Pede a procedência do recurso e a revogação da sentença recorrida com todas as legais consequências.

* O Recorrido, notificado, não contra-alegou o recurso.

* O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no art.º 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.

* O processo vai, sem vistos, dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente, indo à Conferência para julgamento.

II.

DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir a questão colocada pelo Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

A questão suscitada resume-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento, ao admitir o pedido de protecção internacional, por entender que a preterição da formalidade essencial por falta de instrução deve determinar a anulação da decisão administrativa impugnada, que considerou o pedido infundado, permitindo que o SEF proceda a melhor instrução, praticando novo ato, ao invés de determinar a sua condenação na admissão do pedido.

III.

FUNDAMENTOS DE FACTO O acórdão recorrido considerou assentes os seguintes factos: “a) O Autor, L. N. N., apresenta-se como nacional da R. D. do C. (Z.) ─ fls. 15 e 25, e ponto 4. da Informação a fls. 36 do PA.

b) O Autor foi interceptado e ficou retido no dia 24/12/2017, no aeroporto de Lisboa, quando entrava em território português, por não ter em sua posse documento válido para o efeito ─ fls. 1 a 10 do PA.

c) Nessa data apresentou por escrito, junto dos serviços do R., pedido de asilo e protecção do Estado Português, o qual deu origem ao processo de protecção internacional n.º 1353J/17 ─ fls. 15 a 17 e 41 do PA.

d) A 29 de Dezembro de 2017, pelas 14h45m, o A. prestou declarações junto do SEF, na presença de um intérprete de língua lingala ─ de nome M. E. K. ─ tendo dito que pretendia efectuar a entrevista em língua lingala ─ fls. 25 do PA.

e) Referiu ainda que: «Pergunta (P) Que língua(s) fala? Resposta (R). Falo lingala, um pouco de francês e um pouco de português.

P. Em que língua pretende efectuar esta entrevista? R. Em lingala.

P. Qual é o seu estado civil? R. Solteiro.

P. Tem filhos? R. Não.

P. Qual é a sua escolaridade? R. Estudei até ao 12º ano.

P. Professa alguma religião? R. C.

P. Pertence a algum grupo étnico? R. Y.

P. Em que local residia na RDC? R. Vivia em K., no bairro de K.

P. Desde quando e até quando residiu nessa morada? R. Sempre vivi em K.

P. Com quem morava? R. Vivia com os meus pais, e com três irmãos e quatro irmãs.

P. Qual é a sua profissão? R. Nunca trabalhei. Estudei até aos 16 anos.

P. Tem familiares a residir atualmente na RDC? R. O meu pai está detido na prisão central de M. em K., os meus irmãos e irmãs e a minha mãe.

P. É, ou alguma vez foi, membro de alguma organização política, religiosa, militar, étnica ou social, na RDC? R. Sou militante do partido UDPS, que é um partido da oposição ao governo na RDC.

P. O que quer dizer as siglas UDPS? R. U. pour La D. P. et S.

P. Há quanto tempo é militante desse partido? R. Desde 2014, o meu pai já era militante do UDPS, por isso ele se encontra preso.

P. Quem é o líder do partido? R. Era o senhor E. T. W. M., mas já faleceu em Fevereiro de 2017, agora é o secretário geral que se chama J. M. K.

P. Onde fica a sede do partido? R. Fica no bairro L. na Rua ...

P. Qual era o seu papel dentro do partido? R. Era ajudante do redator que fazia relatórios sobre a juventude do partido, o meu papel era dar conhecimento ao redator sobre os pensamentos e das ideias da juventude do partido.

P. Por que motivo é que deixou o país de onde é nacional? R. Fiquei com medo de ser apanhado pela policia, o meu pai era uma pessoa importante do partido UDPS, no bairro onde vivíamos. E um dia, no final do mês de Outubro de 2014, os militares da Unidade D., que fica localizada no meu bairro, foram a minha casa à procura do meu pai, porque havia noticias de que iria haver uma manifestação, onde os chefes do bairro iriam mobilizar as pessoas para participarem contra o governo de K., contra um novo mandato do presidente, desde esse dia que o meu pai se encontra preso.

P. O que se passou quando a polícia foi a sua casa? R. A polícia levou o meu pai preso, e agrediram-me a mim e à minha mãe e aos meus irmãos mais velhos.

P. O que se passou depois do seu pai ter sido preso? R. Os militares disseram a mim e à minha mãe, que depois do meu pai seria a restante família, a minha resolveu que era melhor eu sair do país, porque eu era o único filho que participava ativamente no partido, e fui para Angola.

P. Quando é que saiu da RDC para A.? R. Saí no dia 11/11/2014.

P. Foram estes os únicos motivos pelos quais saiu da RDC? R. Sim.

P. Tem alguma prova ou documento dos factos que alega? R. Tenho o meu cartão de militante do partido UDPS, pretendo que fique uma cópia em anexo ao meu pedido.

P. Tentou obter ajuda de alguma organização na RDC? R. Não existe nenhuma organização que me pudesse ajudar.

P. Quanto tempo ficou em A.? R. Fiquei um ano? P. O que fez em A.? R. Estive na casa da prima da minha mãe, que vive em L.

P. Porque motivo decidiu sair de A.? R. A Minha Tia já sabia dos problemas na RDC, e ligou para a minha mãe e disse-lhe que era melhor eu sai de A., porque A. e RDC, era tudo a mesma coisa e a minha mãe concordou, e eu acabei por sair de A. para o B.

P. Porquê o B.? R. A minha tia, já tinha tentado obter um visto para mim na embaixada da P. na RDC e não conseguiu, depois foi à embaixada do B. onde conseguiu um visto de turismo.

P. Quanto ficou no B.? R. Fiquei um ano e nove meses.

P. O que fez no B.? R. Não fiz nada, a minha mãe e a...

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