Acórdão nº 02390/05.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 14 de Julho de 2014

Magistrado ResponsávelPedro Nuno Pinto Vergueiro
Data da Resolução14 de Julho de 2014
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.

RELATÓRIO A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 29-12-2009, que julgou procedente a pretensão deduzida pela sociedade “A…, Lda.”, na presente instância de IMPUGNAÇÃO, relacionada com as liquidações de IRC dos anos de 2001 e 2002 no montante global de 433.189,93 euros.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 137-148), as seguintes conclusões que se reproduzem: “ (…) A. Vem o presente recurso interposta da sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra as liquidações de IRC dos exercícios de 2001 e 2002, no que se refere às correcções efectuadas pela AT, relativas aos encargos relevados na contabilidade como custo do exercício, mas que consubstanciam despesas não documentadas.

  1. A douta decisão recorrida incorreu em erro de valoração da matéria de facto, já que errou no juízo sobre quais os factos que se devem considerar provados com base nos documentos existentes no processo e na prova testemunhal produzida, valorando erradamente tal prova e infringindo assim o estabelecido nos artºs 508°-A, nº 1, alínea e), 511º e 659º do Código de Processo Civil (CPC), C. Porquanto concluiu que “Feita a prova de que efectivamente as vendas foram realizadas e, como tal, efectivamente ocorreram aqueles custos os mesmos têm de ser considerados” e que, desta forma, “assiste razão à impugnante quando pugna pela ilegalidade da liquidação por não se considerar os custos que comprovadamente realizou para o exercício da sua actividade”.

  2. A douta sentença sob recurso padece ainda de erro na aplicação do direito, porque não procedeu ao enquadramento da matéria de facto provada nos autos no disposto na alínea g) do nº 1 do artº 42º do CIRC, na medida em que considera ter sido feita “prova de que efectivamente as vendas foram realizadas”.

  3. Resulta do conspecto dos elementos juntos aos autos que efectivamente não foi feita prova pela impetrante de quem foram os fornecedores das operações em crise, tituladas por documento interno.

  4. Ora, para que as despesas suportadas pelos sujeitos passivos relevem como custos fiscais, devem estar devidamente documentadas, como resulta do artº 41º, nº 1, alínea h), do CIRC, ou seja, devem estar comprovadas por documento externo que respeite as formalidades impostas pelo artº 35º nº 5, do Código do IVA (CIVA), disposição legal que deve considerar-se aplicável a todo o ordenamento jurídico-tributário.

  5. Não obstante, caso as despesas estejam insuficientemente documentadas, admite-se ainda que o contribuinte comprove o respectivo custo, como lho impõe o artº 23º do CIRC, pela demonstração de que as operações se realizaram efectivamente e do montante do gasto, para o que será necessário identificar devidamente os fornecedores, sem o que persiste a dúvida sobre a efectividade das operações.

  6. Compete então ao contribuinte demonstrar inequivocamente, a realidade da operação - aquela operação e aquele fornecedor.

    I. Ora, in casu, tal não se verificou pois, não obstante não estar em causa a materialidade das operações, o certo é que a impetrante não logrou identificar os respectivos fornecedores.

  7. Não o entendeu assim o Tribunal a quo.

  8. A convicção do Tribunal baseou-se na prova apresentada pela impugnante, nomeadamente no depoimento das testemunhas por si arroladas, desvalorizando a prova documental constituída pelo Relatório da Inspecção e documentos que o sustentam em sede de procedimento administrativo e a autorizar a conclusão aí extraída e interpretando erradamente o que resultou desses mesmos depoimentos.

    L. Ora, tendo em conta os limites materiais impostos à prova testemunhal, esta não é meio idóneo para contrariar a eficácia da prova assente em suportes documentais e lançamentos que não tenha sido descredibilizada e, por isso, se mostre revestida de eficácia probatória plena - cfr. artºs 392º e 393º, nº 2 do CC.

  9. Nesta matéria a actuação da AT bastou-se com a prova legal, prova esta fundada na documentação constante da contabilidade da impetrante, ora recorrida e dos elementos e esclarecimentos que por esta foram disponibilizados no decurso da acção inspectiva, quando instada para tal.

  10. Destarte, procedeu correctamente às correcções que deram origem às liquidações controvertidas, as quais não enfermam de qualquer ilegalidade.

  11. Pelo que, deve a mesma manter-se na ordem jurídica, porquanto não enferma do vício que lhe assacou a douta sentença recorrida.

  12. Em conclusão, não se verificando o vício sentenciado, a douta sentença padece de erro de valoração da matéria de facto e de erro de aplicação do direito, devendo considerar-se válidos os actos tributários de liquidação controvertidos e, como tal, manter-se na ordem jurídica.

  13. Pois, decidindo como decidiu, incorreu a douta sentença em erro de julgamento em matéria de facto e de direito, violando por isso as disposições legais enumeradas, designadamente, as constantes do CC e do CPC, aplicáveis supletivamente por força do art. 2º do CPPT, bem como da alínea g) do nº 1 do artº 42º do CIRC.

    Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso revogando-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências.” A recorrida “A…, Lda.” apresentou contra-alegações (cfr. fls. 151-158), tendo concluído da seguinte forma: “(…)

    1. Em primeiro lugar cabe dizer que sobre a questão levantada (erro de julgamento em matéria de facto), a recorrente não deu satisfação à exigência constante deste normativo, art.º 685-B do CPC b) pois se limitou a fazer uma referência genérica aos depoimentos das testemunhas e a documentos constantes dos autos, sem especificar e concretizar o que quer que seja, pelo que a impugnação suscitada deverá ser rejeitada.

    2. Acresce que não tendo sido a prova testemunhal objecto de registo áudio, impossibilita a sindicância da mesma pelo tribunal de recurso, atento o disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 712 do CPC.

    3. Sendo que não se mostra evidente nenhum erro, obscuridade, deficiência ou contradição na apreciação da prova em que o tribunal se consubstanciou, que permita proceder a qualquer alteração da matéria de facto.

    4. Assim, face à ausência de registo áudio e à não constatação de nenhum erro manifesto, vigora o princípio da livre apreciação da prova.

      SEM CEDER f) Sendo que nenhuma censura nos merece a sentença colocada em crise pela recorrente.

    5. A doutrina maioritária e a jurisprudência que os custos podem ser comprovados por qualquer documento, mesmo interno e por qualquer outro meio de prova, nomeadamente a testemunhal.

    6. Assim, a falta de documento externo pode ser suprida por outros meios de prova que demonstrem de forma inequívoca a justeza do lançamento efectuado.

    7. Ao lado do documento interno, a impugnante/recorrida demonstrou a existência e principais características da transacção.

    8. Tendo carreado outros meios de prova, a saber: testemunhas, documentos auxiliares (como os mapas de aquisição que comunicava à PSP local) e fez clara e demonstrativa explanação da sua contabilidade e materialidade das compras.

    9. Também a própria AT veio confirmar a materialidade das operações através do depoimento da testemunha M….

    10. Portanto a AT confirma que a impugnante adquiriu aqueles materiais, vulgo sucata, e que os incorporou na sua actividade (fundição).

    11. Logo a AT comprovou e atesta a indispensabilidade daqueles custos para a realização dos proveitos.

    12. Perante esta factualidade, compete ao juiz aquilatar sobre o preenchimento da prova.

    13. No caso dos presentes autos, a Ex.ma Juíza, considerou estar feita a prova de que as vendas à impugnante foram realizadas, e como tal efectivamente ocorreram aqueles custos e que os mesmos se revelaram indispensáveis à realização de proveitos.

    14. Certo é que um custo não documentado (ou incompleto/indevidamente documentado) assume efeitos fiscais se o contribuinte provar, por quaisquer meios ao seu dispor, a efectividade da operação e o montante do gasto.

    15. Não houve pois qualquer erro de valoração da matéria de facto, porquanto os factos provados resultam dos documentos e prova testemunhal arrolada.

    16. Tão pouco existiu erro na aplicação do direito, pois esteve bem o tribunal “a quo” quando considera ter sido feita “prova de que efectivamente as vendas foram realizadas” s) A prova testemunhal não contraria a prova documental, ela vem complementar e sustentar de forma inequívoca (no nosso caso) a veracidade das operações subjacentes aos documentos internos.

    17. Sendo que a recorrente ao invocar a prova documental constituída pelo “relatório da inspecção” esquece que a Lei Geral Tributária não atribui força plena às informações prestadas pela inspecção tributária, mostrando-se suficiente para as abalar que o contribuinte gere dúvidas fundadas sobre os factos nas mesmas consignados (art.º 346º do CC).

    18. Perante os factos provados, apenas se poderia esperar a anulação das liquidações impugnadas, conto ocorreu.

      Termos em que pela procedência das considerações invocadas deve indeferir-se o recurso interposto pela Fazenda Publica e em consequência manter-se a sentença recorrida.” O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 178 dos autos, no sentido do provimento do recurso.

      Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.

      1. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em apreciar o invocado erro de julgamento em matéria de facto e ainda analisar a bondade das às correcções efectuadas pela AT, relativas aos encargos relevados na contabilidade como custo do exercício, mas que consubstanciam despesas não...

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