Acórdão nº 02270/13.5BEPRT-A de Tribunal Central Administrativo Norte, 12 de Agosto de 2014
Magistrado Responsável | Lu |
Data da Resolução | 12 de Agosto de 2014 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: LMCP, PMSMP, PSS e ACORS, com os sinais nos autos, interpõem recurso jurisdicional da sentença proferida pelo TAF do Porto, em 28.04.2014, que julgou improcedente a providência cautelar por si interposta contra o Município de VC e contra-interessados CAAS e RVU, Lda.
, em que peticionavam, nos termos da alínea a) do nº 1 do art.º 120º do CTA, e subsidiariamente nos termos da alínea b) do nº 1 do art.º 120º do CTA, o encerramento do estabelecimento comercial “Churrasqueira S. M”, bem como a cessação da actividade que no mesmo é exercida.
No seu recurso, formulam os autores as seguintes conclusões: I. Baseia-se o recurso aqui interposto no facto de a sentença recorrida não ter decretado a providência requerida pelos Recorrentes, baseando a sua decisão na “falta de evidência quanto à procedência da ação principal”, bem como à “procedência da exceção de caducidade do direito de ação”.
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A ação principal de cujo resultado esta providência cautelar é função consiste precisamente em obter do TAF do Porto a declaração de nulidade do ato de licenciamento do estabelecimento comercial “Churrasqueira S. M” com fundamento, entre outros, na inobservância de requisitos fundamentais para a prática do ato de licenciamento, tais como o título constitutivo da propriedade horizontal, o projeto de ventilação e exaustão existente quer na fração a licenciar quer no prédio onde a mesma se encontra inserida, bem como a lesão do conteúdo essencial de direitos fundamentais dos A. que foram e continuam a ser violados com e por causa do ato administrativo em crise (cf. Arts. 1° a 66°da petição inicial); III. Com efeito, em Janeiro de 2014, atenta a inércia da R. no acautelamento dos direitos fundamentais dos A., decidiram estes solicitar uma inspeção à Autoridade Nacional de Proteção Civil.
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De referir que, como se comprova pelos documentos juntos aos autos e no PA, os A. dirigiam mensalmente comunicações à R. a dar-lhe nota da degradação da sua condição e da violação dos seus direitos fundamentais.
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Tais comunicações/reclamações iniciaram-se em Julho de 2012, logo após a abertura do estabelecimento comercial.
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Em Janeiro de 2014 veio então a sobredita Autoridade Nacional de Proteção Civil a realizar a inspeção solicitada, tendo confirmado a existência de irregularidades ao nível da conduta de evacuação de efluentes de combustão, (Cfr. Doc. 1 junto com a petição inicial da providência cautelar), a qual serve exclusivamente o estabelecimento comercial cujo ato de licenciamento foi emitido pela R.
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Mais, tal conduta é a única forma de evacuação de efluentes de combustão existente no estabelecimento comercial “Churrasqueira S. M”.
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Refere igualmente aquela Autoridade Nacional de Proteção Civil, em comunicação enviada à mandatária dos A. em 11 de Fevereiro de 2014, que “O prédio encontra numa situação de risco quanto a propagação de incêndio pela passagem da conduta sem ducto pelos pisos 1 e 2 de habitação”.
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É ainda possível ler-se no relatório daquela entidade que “Não foi verificado o cumprimento das condições de segurança contra incêndio como o demonstra as irregularidades constantes do relatório da inspeção;” X. Ora, tal parecer da Autoridade Nacional de Proteção Civil foi para os A., determinante na decisão de requererem a providência cautelar na medida em que para além dos direitos fundamentais que se encontravam já violados, existia o perigo de incêndio do prédio que colocaria em risco não apenas os seus bens materiais, mas também as suas vidas.
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Na sentença recorrida, não atendeu o Tribunal a quo à importância dos direitos fundamentais que foram atacados com o ato de licenciamento e com a sua manutenção na ordem jurídica por parte da R., dado que, caso assim não fosse não teria concluído, como concluiu, que o ato de licenciamento é anulável e não nulo.
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Refere o artigo 133.º n.º 2, alínea d) do Código de Procedimento Administrativo (CPA) que “São, designadamente, actos nulos: os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental;”.
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Dispõe o art. 17.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) que “O regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se aos enunciados no título II e aos direitos fundamentais de natureza análoga.” XIV. Neste sentido, considerando que as entidades públicas estão vinculadas aos direitos, liberdades e garantias, conforme estatui o art. 18.º da CRP, sempre terá de considerar-se que o ato de licenciamento em crise violou o conteúdo essencial de direitos fundamentais e por isso a sanção que se lhe é aplicável é a nulidade e não a anulabilidade, de acordo com o peticionado pelos A.
Senão vejamos, XV. Por despacho de 09/05/2012 foi deferida a “Comunicação prévia” que deu entrada na Câmara Municipal de VC em 04/04/2012 (Cfr. matéria de facto provada).
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Em tal “Comunicação prévia” era pedida a operação urbanística de alteração para a fração “O” do R/C (obra para instalação de um estabelecimento de restauração). (Cfr. matéria de facto provada).
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A R. não poderia ignorar que aquela fração se encontra inserida num prédio constituído em propriedade horizontal cujo processo de construção e licenciamento foi conduzido pela mesma, conforme PA 526/05.
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No sobredito PA 526/05 não consta, nos projetos de exaustão e ventilação qualquer tubo de exaustão desde a fração “O” até ao exterior do prédio (Cfr. doc. 3 junto com a ação principal).
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No projeto de exaustão e ventilação junto no PA 41/12, de licenciamento do estabelecimento comercial, não consta igualmente qualquer forma de exaustão de fumos para o exterior (Cfr. doc. 4 junto com a ação principal).
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Tratando-se de um estabelecimento de restauração, torna-se imprescindível a existência de sistema de ventilação e exaustão adequada.
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E mesmo que se aceite que a R. tenha confirmado, numa deslocação ao local, a existência física de uma conduta de exaustão de efluentes que servia a fração “O”, não poderia jamais ignorar que a mesma não cumpria as condições de segurança contra incêndios em edifícios, como veio a confirmar a Autoridade Nacional de Proteção Civil na inspeção realizada em 24/01/2014.
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Ora, a emissão de “Alvará de Autorização de Utilização” n.º .../12 a favor dos contrainteressados viola, os direitos fundamentais à habitação, ao ambiente, à segurança, à saúde e à integridade pessoal dos Recorrentes.
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Estabelece o art. 21.º da CRP que “Todos têm direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdade e garantias…” XXIV. Refere o art. 65.º, n.º 1 da CRP que “Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensões adequadas, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”.
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Ora, desde a abertura da “Churrasqueira S. M” que os Recorrentes deixaram de ter uma habitação condigna, porquanto, a mesma tem fumo e cheiro a churrasco, impossibilitando a sua utilização e fruição por parte dos Recorrentes.
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Efetivamente, como se referiu na ação principal, os Recorrentes deixaram de passar tempo nas próprias casas devido ao intenso cheiro a churrasco e ao fumo existente.
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A R. não protegeu, como deveria, o direito à habitação dos Recorrentes com a emissão do “Alvará de Autorização de Utilização” n.º .../12 a favor dos contrainteressados, porquanto não poderia desconhecer que inexistia qualquer conduta para a evacuação de fumos nos processos administrativos, ou, mesmo sabendo da existência física de tal conduta, não poderia jamais ignorar que a mesma não cumpria as condições de segurança contra incêndios em edifícios, como veio a confirmar a Autoridade Nacional de Proteção Civil na inspeção realizada em 24/01/2014.
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Refere o art. 66.º, n.º 1 da CRP que “Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender”.
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Os Recorrentes, desde a abertura do estabelecimento comercial “Churrasqueira S. M”, têm cheiro a churrasco e fumo nas suas casas.
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Tal situação foi inclusive confirmada nas três vistorias realizadas pela R.
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Os Recorrentes vêm-se forçados e passar longos períodos de tempo fora das suas habitações devidos ao cheiro nauseabundo e ao fumo existente.
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Tal cheiro e fumo encontra-se também presente nas áreas comuns do prédio conforme confirmado pela R. nas vistorias realizadas.
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Na verdade, tal consequência do seu ato de licenciamento não poderia ser ignorado pela R., porquanto, como se disse, nos projetos de ventilação e exaustão não consta qualquer conduta de exaustão de efluentes provenientes da fração “O”.
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Diga-se que, desde a abertura da “Churrasqueira S. M”, os Recorrentes reclamaram junto da R. a falta de salubridade decorrente do licenciamento promovido.
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Os Recorrentes têm o direito a um ambiente de vida humano e sadio.
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Mais, têm o dever de o defender, como têm vindo a fazê-lo, mas sem sucesso.
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Violou e viola a R. o direito ao ambiente dos Recorrentes ao ter emitido “Alvará de Autorização de Utilização” n.º .../12 a favor dos contrainteressados e ao manter tal ato na ordem jurídico mesmo depois de confirmar, pelas vistorias realizadas, a violação do conteúdo essencial do direito fundamental.
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Os Recorrentes têm o direito à garantia por parte do Estado, incluindo-se aqui a R., da proteção dos seus direitos, liberdades e garantias.
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De facto, caberia à R., antes da prática do ato administrativo que se considera nulo, confirmar e zelar pelos direitos, liberdades e garantias dos Recorrentes.
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A R. não protegeu, como deveria, o direito à segurança dos Recorrentes com a emissão do “Alvará de Autorização de Utilização” n.º.../12 a favor dos contrainteressados, porquanto não poderia desconhecer que inexistia qualquer conduta para a evacuação de fumos nos processos administrativos, ou, mesmo sabendo da existência física de tal conduta, não poderia jamais ignorar que a mesma não cumpria as condições de segurança contra incêndios em edifícios, como veio a...
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