Acórdão nº 00342/11.0BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelRogério Paulo da Costa Martins
Data da Resolução19 de Dezembro de 2014
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: AFN, veio interpor RECURSO JURISDICIONAL do acórdão de 30.10.2013 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que manteve a sentença de 31.03.2012, pela qual foi julgada improcedente a acção administrativa especial intentada contra a Ordem dos Advogados para a anulação do acto do Presidente do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, datado de 03.01.2011, praticado em processo disciplinar.

A recorrida contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.

O Ministério Público não emitiu parecer.

*Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.

*I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: 1) Sendo o regulamento (n.º 42/02) ilegal e, assim, o art. 15.º deste acto normativo também ilegal, uma vez que quando a lei habilitante é revogada, o regulamento de execução desta lei cessa também a sua vigência, sendo esta a interpretação devida por força do estatuído no art. art. 112.º, n.º 7 da Constituição da República, que exige literalmente a referência à lei habilitante, o prazo de reclamação não começou a correr, não se contando da data da assinatura do aviso de recepção por terceiro, mas posteriormente e, assim, como estamos face à extemporaneidade por um dia, só é possível concluir, ao contrário do que, em erro de julgamento, foi decidido, que a reclamação é efectivamente tempestiva.

2) Existe uma disciplina jurídica própria para a notificação da decisão punitiva, em que a notificação é pessoal e por aviso de recepção, pelo que não pode bastar-se com o facto de o aviso de recepção ter sido assinado por terceiro, violando assim a decisão impugnada o art. 150.º e 155.º do EOA – que pretendem garantir que o visado tenha efectivo conhecimento da acusação e da decisão punitiva.

3) Relativamente às ilegalidades do regulamento n.º 42/02, e que foram assacadas pelo A., as mesmas não foram, em omissão de pronúncia, conhecidas pelo Tribunal a quo, donde deriva, salvo o merecido respeito, a nulidade da sentença – cfr. art. 668.º, n.º 1, al. d) do CPC, aplicável ex vi do art. 1.º do CPTA.

4) Caso se entenda, que o art. 15.º, n.º 2 do Regulamento Disciplinar n.º 42/02 vigorava ao tempo e que é aplicável às decisões punitivas, este preceito (ou a interpretação que dele é feita) viola o estatuído no art. 150.º e 155.º dos EOA pelas razões referidas na conclusão precedente e, assim, é inaplicável à espécie dos autos.

5) O impugnante invocou, expressamente e com suficiente detalhe, a legalidade constitucional para sustentar a inaplicabilidade do art. 15.º do regulamento disciplinar e o direito do impugnante a ser notificado pessoalmente da decisão punitiva disciplinar nos termos já alegados, sendo que na sentença se escreveu uma linha e meia sobre o assunto, tratando-se essa linha e meia de uma conclusão e ademais genérica (“Tal regime é claro na identificação da possibilidade de recorrer de decisões punitivas, e prazos para o efeito”), razão pela qual a sentença é nula, nos precisos termos do estatuído no art.º 668.º, n.º 1, al. b) do CPC aplicável ex vi do art. 1.º do CPTA.

6) O que importa alegar de fundo quanto a esta matéria é que o quadro constitucional impõe que a notificação de uma decisão disciplinar seja pessoal e, assim, na nossa perspectiva, deve exigir-se que a notificação de uma decisão disciplinar (acto sancionatório), quando levada a efeito por carta registada com aviso de recepção, tenha de ser recebida pelo arguido visado e, assim, conter a assinatura do mesmo, e não de terceiro para produzir quaisquer efeitos jurídicos.

7) Nesta medida, pelas razões aludidas, não só o artigo 15.º, n.º 2 do Regulamento Disciplinar ofende o estatuído no art. 32.º, n.º 10 da Constituição, como o art. 20.º e, bem assim, o art. 268.º, n.º 2, 3 e 4 da Lei Fundamental do País, como estes normativos impõem mesmo que o arguido se deva apenas considerar notificado quando tiver efectivo e pessoal conhecimento da decisão punitiva e jamais pela simples remessa da decisão, independentemente de quem a tenha recebido ou de quem tenha assinado o aviso de recepção – está em causa naturalmente, no juízo de inconstitucionalidade que tecemos, a interpretação do art. 15.º, n.º 2 daquele fenecido Regulamento e dos arts. 150.º e 155.º dos EOA.

8) Esta interpretação é, aliás, imposta pelo art. 32.º, n.º 10.º da CRP, que consubstancia uma garantia de defesa fundamental de qualquer cidadão a que é aplicada uma pena, no sentido de que deve existir a certeza de que o visado tomou conhecimento efectivo da pena (decisão punitiva) para que a mesma possa estabilizar na ordem jurídica; 9) Esta interpretação é também imposta pelo direito à tutela jurisdicional efectiva, princípio estruturante do Estado de Direito democrático, previsto no art. 20.º da CRP, na medida em que o quadro normativo em presença é ambíguo, com o entrecruzar de regimes processuais diferentes, existindo normas do CPC e do CPP que se aplicam e outras que supostamente (e no entendimento da R. e do Tribunal a quo) não se aplicam em matérias de prazos, sendo assim o regime apto a gerar interpretações distintas relativamente ao dies a quo de que depende a apresentação de defesa ou do exercício do direito ao recurso de decisões de natureza sancionatória.

10) A propósito de notificações e citações, a doutrina destaca mesmo que o direito de defesa assume aqui particular relevância. Aliás, o TC entende que não são materialmente inconstitucionais as normas que admitem a validade da notificação dos actos processuais mediante via postal, desde que o destinatário do acto não alegue nem prove que não chegou a ter conhecimento do acto por facto que lhe não seja imputável (Acórdão n.º 13/99 do TC).

11) Mais, segundo a mesma doutrina, o direito de defesa postula que os destinatários de uma decisão tenham ou possam ter conhecimento do seu conteúdo, nomeadamente para contra ela poderem reagir através dos meios processuais adequados.

12) Além disso, e uma vez que o direito ao recurso pressupõe um pleno conhecimento do teor da decisão recorrida ou, pelo menos, a possibilidade de o obter, o prazo para interposição do recurso só pode começar a contar a partir do momento em que o recorrente tenha a possibilidade efectiva de apreender o texto integral da decisão que pretende impugnar (Acórdão n.º 148/01) – tudo, cf. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, pág. 197 e ss..

13) O Tribunal Constitucional admite ainda que o direito a um processo equitativo não tolera, num ordenamento constitucional que tutela também a confiança, “interpretações normativas que – de uma forma absolutamente inovatória e surpreendente, face aos textos legais em vigor e às orientações consolidadas na jurisprudência – criam para as partes exigências formais que elas não podiam nem deviam razoavelmente antecipar, sancionando o (desculpável) incumprimento de tais requisitos em termos definitivos e irremediáveis, inviabilizando qualquer suprimento ou correcção” (v. Lopes do Rego, Os princípios constitucionais da proibição da indefesa…, cit., pág. 840) – apud Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, pág.192.

14) A interpretação que sustentamos é ainda imposta pelo princípio do favorecimento do processo, prevalência do fundo sobre a forma (anti-formalista) e no princípio pro actione ou favor actionis, ínsitos também naquele art. 20.º da Constituição da República, que, em caso de dúvida, fazem pender a interpretação do quadro normativo no sentido da tempestividade da reclamação apresentada – aliás, no mesmo sentido aponta o amplo princípio in dubio pro reo.

15) Sendo ainda que a interpretação que defendemos é imposta também pelo estatuído nos arts. 268.º, n.º 2, 3 e 4 da Constituição da República Portuguesa, os quais garantem o acesso à justiça e, sobretudo em matéria sancionatória, impedem que, numa situação lesiva ou de condenação disciplinar, os prazos comecem a correr e eventualmente até decorram sem se ter a possível certeza (digamos assim… pessoal) que o arguido conheceu o seu teor.

16) Aliás, se dúvidas existissem, e no mínimo existem, posto serem vários os blocos normativos aplicáveis a este processo disciplinar, estando o regime na fronteira entre o direito penal e o administrativo, recorrendo a uma interpretação em conformidade com a Constituição, sempre se deveria concluir neste sentido que acabámos de referir, não se dando, em suma, a notificação de que se trata por regularmente feita.

17) Em suma, a aplicação do art. 15.º, n.º 2 do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Advogados ou a interpretação que censuramos, afronta assim, para além do que se disse, inequivocamente, o direito a um processo justo e equitativo, previsto no art. 20.º, n.º 4 da Constituição da República e o art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

18) O chamado due processo of law tem como significado básico o da conformação e interpretação do processo de forma materialmente adequada a uma tutela judicial efectiva, e inclui o direito ao conhecimento (efectivo, como é evidente, se não de nada serve) dos dados processuais e direito a um processo orientado para a justiça material sem demasiadas peias formalísticas – cfr. JJ Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, vol. I, 4.ª ed. revista, pág. 415 e 416.

19) A corroborar o que vimos de alegar, o nosso Alto Tribunal Administrativo já decidiu diversas vezes a obrigatoriedade, expressa e inequivocamente, da pessoalidade do conhecimento do teor do acto em processos de cariz sancionatório administrativo, como o caso sub judice (Ac. STA de 89-11-10, BMJ 391, - 665 e Ac. STA de 90-01-30, in Ap. ao DR. de 95-01-12, 601).

20) No que respeita à aplicação subsidiária do art. 252.º-A e do 145.º, n.º 5 do CPC, não se pode, nem deve, fazer, no processo disciplinar, sistemática e gravosamente, interpretações da legislação que...

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