Acórdão nº 00511/14.0BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 16 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelAna Patroc
Data da Resolução16 de Abril de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I – Relatório A... e mulher, M...

, contribuintes n.º 1…e n.º 1.., com domicílio na Rua…, em Coimbra, deduziram reclamação da decisão do Director de Finanças de Coimbra, no âmbito do pedido de anulação de venda efectuada na execução fiscal n.º 0760200501004298, na qual é executada C…, que corre termos no Serviço de Finanças da Lousã, pedindo a anulação do negócio de compra e venda do imóvel, outorgado a 14-10-2010 no Cartório Notarial de Faro, e a condenação da AT a devolver-lhes a quantia de € 20.126,06, acrescida de juros, bem como de indemnização no valor de € 3.500,00 a título de danos morais e materiais.

No Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra foi proferida sentença, em 29/01/2015, julgando totalmente improcedente a reclamação e mantendo, em consequência, a decisão que indeferiu o pedido de anulação da venda do imóvel; decisão com que os reclamantes não se conformaram, tendo interposto o presente recurso jurisdicional.

Alegaram, tendo concluído da seguinte forma: 1º Os recorrentes não se podem conformar com a decisão proferida na 1ª instância, porquanto no seu entender, a matéria de facto dada por provada demonstra à saciedade que a vontade de contratar que presidiu à compra do imóvel se encontra viciada de erro sobre o objeto do negócio, erro esse que não pode deixar de ser considerado.

  1. Outros factos houve, que, com todo o respeito, ou não foram dados como provados, quando deveriam tê-lo sido ou não foram devidamente valorados pela Meretíssima Juíza a quo, conforme tivemos oportunidade de demonstrar, os quais fundamentaram o pedido de anulação da venda por se enquadrarem num erro que incidiu sobre o objeto do negócio e que respeitam, ainda, às qualidades do bem adquirido, cfr artº 257º do CPPT. Assim, 3º No que respeita à servidão de passagem: a) Afirma a Meretíssima Juíza no ponto 31. que “O Chefe de Finanças não autorizou a mudança da fechadura da porta do alpendre que dava para a casa contígua (depoimentos coincidentes da primeira, terceira, quarta e quinta testemunhas, sendo que as três últimas declararam que não foi proibido tapar a porta, mas apenas mudar a fechadura).” b) A prova produzida e supra transcrita, com o devido respeito, não foi devidamente valorada, devendo sê-lo, no nosso modesto entender, por estar em causa uma situação de litígio que não competia ao comprador dirimir, fosse a que título fosse, ademais quando dos depoimentos da terceira, quarta e quinta testemunhas resulta uma inverdade e uma contradição factual e destituída de lógica.

    1. Senão vejamos: Se o reclamante, a segunda e a terceira testemunhas são unânimes em referir que da 1ª vez ficou combinado com o Chefe das Finanças e com a residente que a porta que se encontrava na parede do alpendre e dava acesso à casa contígua seria selada com uma tábua pan (o que é diferente de ser mudada uma fechadura) e se o reclamante através da pessoa que contratou, para o efeito, tinha o material necessário para o fazer, a dita chapa para selar; d) se o seu objetivo era isolar a propriedade que adquirira, não fazia sentido nenhum, nem tinha lógica nenhuma, ter ali todo o material e a mão-de-obra necessários, ter sido, inclusivamente objeto de ameaças, dois dias antes da proposição da Reclamação, com a seguinte tipificação “crime contra a liberdade pessoal” (ponto 27 dos factos provados, página 12 da douta sentença) e não tapar a porta, se o Chefe das Finanças não o tivesse proibido de fazê-lo, isto é, se não o tivesse proibido de proceder à tapagem.

    2. Ademais, quando ficou provado até à exaustão, por todos os depoimentos, inclusive pelos dos próprios funcionários das Finanças, como abaixo se transcreve, que o que estava em causa, nitidamente, era uma parte do prédio adquirido pelos ora recorrentes. A Meretíssima Juíza, com todo o respeito, fez tábua rasa dos depoimentos de todos os presentes, os quais, no que a este aspeto respeita, foram coincidentes.

    3. Com todo o respeito, a Excelentíssima Juíza não valorou de forma lógica uma situação que se impunha ipso facto, optando por dar um peso excessivo às declarações de quem tinha interesse em que a anulação da venda não ocorresse e estando mesmo em causa decisões por si tomadas, designadamente as do Chefe de Finanças (quarta testemunha), violando o artº 607º nº 4 do Cód. Proc. Civ.

    4. Conforme tivemos oportunidade de demonstrar, da coincidência dos depoimentos, facilmente se constata estarmos perante uma servidão de passagem que o prédio adquirido tem que ceder ao contíguo e, como tal comprova-se estarmos perante um ónus sobre o prédio adquirido, desconhecido pelo comprador e não constante do anúncio de venda.

    5. Em suma, conforme se constata e ficou provado: - existe uma porta que está no prédio adquirido e que serve de comunicação entre este e o contíguo; - tal prédio está, assim, onerado com uma servidão de passagem de acesso a essa porta; - o comprador viu-se, desta forma, no momento da entrega do bem, confrontado com um ónus que limita o gozo pleno da sua propriedade e com um bem que traz consigo uma situação litigiosa, totalmente desconhecida até então.

    6. Este facto - servidão de passagem pelo prédio adquirido para a porta supra referida que acede à casa que lhe é contígua – apesar de estarem provados todos os pressupostos de uma servidão por destinação de pai de família - não foi devidamente valorado pela Meretíssima Juíza: - Consta de documentos juntos aos autos que o prédio adquirido e o prédio contíguo eram dos mesmos donos, facto esse reconhecido pela Autoridade Tributária, na sua resposta, no ponto 14º, e mencionado na página 3 da Sentença (veja-se, ainda, certidão da caderneta predial anterior ao CIMI do artº urbano 684º a fls 810 dos autos e auto de penhora do prédio adquirido pelo recorrente).

      - O prédio com o artº 684º supra referido (que é contíguo ao que o recorrente adquiriu) foi também penhorado no mesmo processo de execução fiscal, tendo sido remido pelo filho da executada.

      - Pelos depoimentos do Recorrente e de todas as testemunhas, existe a porta supra citada que é um sinal visível e permanente (pois todos os presentes declaram que viram a porta ser aberta pela ocupante do prédio contíguo e que a Srª F… declarou que era por lá que passavam para o prédio contíguo, sendo que ficou provado, também que essa passagem era feita pelo prédio adquirido pelos Recorrentes) e que revela a servidão de um prédio para o outro.

    7. Ora, dispõe o artº 1549º do Código Civil que esse sinal é havido como prova da servidão quando, em relação ao domínio, os dois prédios vierem a separar-se, salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respetivo documento.

      - Como consta dos autos de execução fiscal, nem na remissão, nem na adjudicação do prédio contíguo ao filho da executada, nem na adjudicação do prédio ao recorrente, nem na respetiva escritura de compra e venda consta qualquer menção contrária que extinga esta servidão.

      - Aspeto a salientar é o facto de esta servidão constituída por destinação de pai de família (como servidão voluntária que é, vide ponto 8 da anotação ao artº 1549 do Código Civil anotado de Pires de Lima e Antunes Varela volume III, 2ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora), não se extingue por desnecessidade, sendo, por isso, irrelevante que exista um, dois, três, n acessos ao prédio contíguo, mesmo pela via pública (vide por argumento a contrario o artº 1569º nºs 2 e 3 e ponto 7 da anotação a este artigo, conjugado com o ponto 8 da anotação ao artº 1549, ambas contidas no Código Civil anotado supra citado).

      - É por demais consabido que é comumente aceite pela Doutrina e Jurisprudência que a Servidão constituída por destinação de pai de família não se extingue por desnecessidade.

      - Como tal, a ação deveria ter sido julgada procedente e a venda anulada, uma vez que ao contrário do que refere a Meretíssima Juíza a quo, os reclamantes provaram a existência da servidão (havendo por parte da Meretíssima Juíza um erro na aplicação do direito; na determinação da norma aos factos, a saber 1549º e 1569º, ambos do Cód Civ).

      1- Os recorrentes cumpriram em pleno com as regras do ónus da prova, uma vez que estão preenchidos e provados os requisitos para a constituição da servidão por destinação de pai de família, quais sejam: - que os dois prédios ou as duas fracções do mesmo prédio tenham pertencido ao mesmo dono; 2- que haja uma relação estável de serventia de um prédio a outro ou de uma fracção a outra, correspondente a uma servidão aparente, revelada por sinais visíveis e permanentes (destinação); 3- que na separação dos prédios ou fracções em relação ao domínio, (separação jurídica) se verifique a inexistência de qualquer declaração, no respectivo documento, contrária à destinação.

      Deste modo, a Meretíssima Juíza violou o disposto no artº 342º do Cód Civ e o artº 607º nº 3 do Cód Proc Civ.

    8. Os Serviços de Finanças penhoraram um prédio sem conhecer, em concreto, o que estavam a penhorar e, consequentemente, o que estavam a anunciar e a vender: - A prova testemunhal e documental produzidas demonstram que, de facto, os Serviços de Finanças nem aquando da avaliação para a penhora nem aquando da penhora, nem aquando das afixações dos editais, entraram no interior do prédio.

      - Com todo o respeito, esta situação e a prova produzida nos autos, não foi relevada pela Meretíssima Juíza, não se coadunando com a protecção do comprador e com a segurança, certeza e boa fé que devem nortear os negócios jurídicos. Note-se que se trata de uma venda em processo tributário, logo com uma natureza judicial, e, como tal, onde se exige uma segurança acrescida, como vem sendo defendido ao nível da jurisprudência (Veja-se a título de exemplo, o Acórdão do STA de 7/12/2011, proferido no processo 0598/2010; o Acórdão 01716/2013 do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do mesmo STA; o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 25.01.2009...

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