Acórdão nº 03255/06.3BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 23 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelLu
Data da Resolução23 de Janeiro de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

ISFC (R.

…), interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF do Porto, que em acção administrativa comum ordinária, intentada contra o Estado Português, absolveu o réu dos pedidos formulados.

A recorrente tirou as seguintes conclusões: 1. O Estado Português tardou quase sete anos a proferir uma decisão nos autos - a fixação de um regime de visitas - violando o direito da Recorrente a uma protecção jurídica eficaz.

  1. O determinado pelo Tribunal na Conferência de Pais de 12/08197 (avaliação psicológica dos Menores) só foi cumprido em 2002, cinco anos depois.

  2. Os recursos interpostos pela Recorrente revelaram-se justificadíssimos face à omissão do Tribunal em fixar um regime de visitas o que, aliás, veio a ser confirmado pela decisão do TRPorto de 18/12/2003.

  3. Depois de proferida tal decisão, e durante dois anos e meio o Tribunal não foi capaz de contactar as autoridades espanholas ou de obter qualquer informação sobre o paradeiro da menor AB e de seu pai, apesar das insistentes diligencias promovidas pela Recorrente.

  4. Durante os nove anos e meio de pendência do processo, os Menores atingiram a maioridade.

  5. A acção em que a Recorrente pretendia a fixação de um simples regime de visitas e o seu posterior cumprimento acabou por se extinguir por inutilidade superveniente da lide.

  6. No caso concreto dos autos, a fixação de um regime de visitas não se revestia de qualquer complexidade.

  7. Nove anos e meio de pendência dos autos revelaram-se inúteis já que a Recorrente perdeu os seus Filhos, face à inércia e omissão do Estado Português.

  8. A actuação ilícita do Estado causou à Recorrente danos irreversíveis que os autos espelham e que se encontram demonstrados.

  9. Acha-se demonstrado o nexo de causalidade entre a conduta ilícita do Estado e os danos sofridos.

  10. A sentença recorrida, aliás, não põe em causa nem o montante e natureza dos danos sofridos pela Recorrente nem o nexo causal entre o facto ilícito (demora inusual na decisão) e os danos.

  11. É inequívoco que estão reunidos os pressupostos de que depende a responsabilização civil extracontratual do Estado Português: acha-se provado o facto ilícito, acha-se demonstrada a culpa e o dano bem como o nexo causal entre o facto ilícito e o dano.

  12. A sentença recorrida violou os comandos dos artigos 20º n° 1 e 4 e 22º da CRP , art° 1, 2 , 6 e 7 do DL 48051 e o art° 6° da CEDH (ratificada na Ordem Interna pela Lei 65/78) e ainda os comandos dos art° 483° e 496° CCivil..

O recorrido contra-alegou, oferecendo em conclusões: 1- Reportam-se os autos a uma acção administrativa de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, sustentada em alegada violação do direito à obtenção de decisão jurisdicional em prazo razoável, no processo que correu termos no 1.°juízo, 1.ª secção, do Tribunal Judicial de Vila do Conde, sob o n° 125-A/91, no qual a ora A. pediu a alteração da regulação do exercício do poder paternal, e que teve a duração de cerca de 7 anos.

2- A A. intentou a presente acção contra o Estado Português, pedindo a condenação deste no pagamento de indemnização de valor não inferior € 100 000,00, acrescido de juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento, pelos danos não patrimoniais que diz ter sofrido pela "perda" dos filhos, cuja responsabilidade imputa ao Estado.

3- Realizado o julgamento, entendeu o Tribunal que não existe uma conduta ilícita do R. por demora excessiva e sendo os pressupostos da responsabilidade civil de verificação cumulativa, impõe-se concluir pela improcedência do pedido indemnizatório em apreço, por não provado, termos em que foi julgada a acção improcedente, absolvendo-se o Estado Português dos pedidos contra ele formulados.

4- As alegações de recurso não contêm qualquer ataque concreto à douta decisão recorrida, à qual, em bom rigor, nenhum vício ou anomalia vêm imputados, limitando-se a reiterar a condenação do Estado no pedido.

5- A responsabilidade civil do Estado por actos ilícitos de gestão pública prevista no DL n° 48 051, de 21 de Novembro de 1967, depende da observância cumulativa dos pressupostos da responsabilidade civil geral, a saber: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o prejuízo ou dano e o nexo causal entre este e o facto (requisitos constantes do art° 483 do C.C).

6- Resulta do art.º 20º, n.° 4, da CRP e art° 60 da CEDH que todos têm direito a que uma causa em que intervenham, enquanto sujeitos processuais, seja objecto de decisão em prazo razoável.

7- A concretização do conceito indeterminado de prazo razoável assenta basicamente em três critérios: a complexidade do processo, o comportamento das partes e o comportamento das autoridades.

8- A imputabilidade ou culpa das entidades públicas, deve assim ser aferida nos termos do art° 487 do C.C. em função das circunstâncias de cada caso.

9- Acresce que o art° 496, n° 1 do C. C. prescreve que, os danos morais só são indemnizáveis se atingirem uma gravidade tal que mereça a tutela do direito, isto é teriam de ser provados danos superiores aos comuns , em termos que permitam aferir do merecimento da tutela do direito - art° 342 do C. C.

10- Assim, mesmo que se considerasse que houve ilícito, ter-se-ia de apurar se houve danos, se são consequência desse facto ilícito, sendo que os danos não patrimoniais não são factos notórios sem necessidade de prova, antes são inverosímeis enquanto resultado adequado do facto - art° 483 e 514 do C.C..

11- Isto é, a violação do direito a uma decisão em prazo razoável. consagrado no art° 20º, n° 4 da CRP e no art° 6º, n° 1 da CEDH, não confere pois, direito automático a uma indemnização, independentemente da existência de danos, mas, em primeiro lugar há que demonstrar essa violação e que dessa violação resulta um dano moral para o interessado naquela decisão judicial, presunção que, todavia, pode ser elidida por mera contra-prova.

12- Da matéria de facto provada resulta que, o tempo de vida do questionado processo, ficou a dever-se a circunstâncias de todo estranhas ao Estado Português e que este não podia dominar.

13- Como se sabe, as autoridades portuguesas não têm jurisdição em Espanha onde viviam os menores e o requerido.

14- É verdade que a A., como cidadã portuguesa, tinha, e tem, como todos os demais cidadãos, direito a que uma causa em que intervenha seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.

15- E de facto obteve decisões proferidas em prazos bastante curtos, cujo mérito e acerto não podem aqui ser discutidos, mas que revestiam inquestionável exequibilidade.

16- Bem decidiu pois o Tribunal que "a realidade apurada nos autos conduz à conclusão de que, in casu, inexiste uma conduta ilícita do R., Estado Português, por não configurar uma situação de demora excessiva na administração da justiça, nos termos do disposto nos art.ºs 1º, 2°, 6° e 7° do DL 48051, 20º n.° 4 da CRP e 6º, n° 1 da CEDH.

17- A A. pediu também a condenação do Estado no pagamento de juros de mora à taxa legal desde a citação.

18- Porém, a serem devidos juros de mora apenas se venceriam a partir da data da sentença, e não a partir da citação, já que o Tribunal por princípio tem em atenção a situação dos autores até ao momento da prolação da sentença, (Acórdão do STJ Uniformizador de Jurisprudência n°4/2002, publicado no DR, 1ª série de 27.6.2002, art°s 566, 805, n°3 (interpretação restritiva) e 806, n°1 do C.C).

Decidido o recurso por Acórdão deste TCAN (que negou provimento), dele foi interposto recurso de revista para o STA, que determinou a baixa dos autos em termos e para os fins que infra se referirá.

*Após vistos, cumpre decidir.

*Do que há a decidir, definida que ficou já por decisão superior a questão de ilicitude, e em seu cumprimento, é dos “demais pressupostos da responsabilidade civil do R. por atraso na administração da justiça”, bem assim como o que daí possa resultar para aferição do direito convocado em sustento da impugnação da decisão recorrida.

*Os factos provados, que o tribunal recorrido alcançou:

  1. A A. foi casada com LASS, tendo nascido dois filhos do casamento, AB e LG.

  2. Por sentença datada de 29 de Junho de 1992, no processo n.° 125/91, do 1° Juízo, 1ª secção do Tribunal Judicial de Vila do Conde, foi regulado o poder paternal relativo aos menores AB e LG, tendo sido decidido que os menores continuarão confiados e entregues aos cuidados do pai e que a sua mãe fica com o direito de visitar os filhos sempre que o desejar, sem prejuízo do repouso e dos deveres escolares destes.

  3. De acordo com a referida decisão, a A. deveria pagar a título de alimentos para os filhos a importância mensal de 6.000$00, com início reportado a 23 de Setembro de 1991, data da propositura da acção de regulação do exercício do poder paternal.

  4. Na data da referida decisão, os menores AB e LG tinham 4 e 7 anos, respectivamente.

  5. A A. instaurou, em 24 de Janeiro de 1997, acção para alteração da regulação do exercício do poder paternal, que tramitou por apenso ao processo de regulação do poder paternal supra identificado.

  6. Foi realizada, em 13 de Junho de 1997, conferência de Pais, tendo sido ordenado fosse solicitado inquérito sobre as condições económicas e sociais do requerido - cfr. fls. 27 e 28 dos autos de Processo n.° 125-A/91 apensos aos presentes.

  7. No dia 12 de Agosto de 1997, foi realizada nova conferência de Pais tendo sido determinado que os filhos da A. fossem observados e entrevistados pelo técnico do I.R.S. - cfr. fls. 42 a 46 dos autos.

  8. O Técnico do I.R.S. elaborou a informação constante de fls. 99/100 dos autos, que se dá por integralmente reproduzida.

  9. No dia 12 de Maio de 1998, foi proferida decisão nos autos de Processo n.° 125-A/91 - alteração do regime de regulação do poder paternal - tendo sido decidido que os filhos menores continuam entregues aos cuidados do pai, que exercerá o poder paternal, a mãe - aqui A. - poderia visitá-los sempre que os filhos se deslocassem a Portugal...

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