Acórdão nº 00409/13.0BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 22 de Maio de 2015
Magistrado Responsável | Lu |
Data da Resolução | 22 de Maio de 2015 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Fundo de Garantia Salarial, id nos autos, interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Viseu, que julgou procedente acção administrativa especial intentada por FJFA (R….
).
O recorrente formula as seguintes conclusões: 1. O presente recurso vem interposto da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgou a ação administrativa procedente, e, em consequência, decidiu anular o despacho de 18 de junho de 2013, proferido pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, que indeferiu ao A. o requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, condenando o R. a apreciar o requerimento apresentado, com as necessárias adaptações, atendendo à norma “ad hoc” criada pela presente decisão e tendo por referência o Processo Especial de Revitalização, intentado pela entidade empregadora do A. e respetivo despacho judicial em que foi nomeado o administrador judicial provisório; 2. O cerne do presente recurso prende-se tão só com a questão de saber se cumpria, ou não, ao Tribunal a quo estabelecer e fixar uma norma “ad hoc”.
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Com tal uma norma “ad hoc” o Tribunal a quo estabeleceu : “O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo 317º da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, nos casos em que o empregador recorra a um processo especial de revitalização e o juiz não recuse a nomeação de administrador judicial provisório”; 4. Para tanto o Tribunal “ a quo ” considerou que “ o regime jurídico estabelecido nos artigos 317º a 326º do RCT de 2004 ainda não se adaptou aos novos processos de revitalização, no entanto, o legislador dá indicações claras de que não foi sua intenção desproteger os trabalhadores cujas entidades empregadoras recorram ao PER ou ao SIREVE. A integração das lacunas da lei impõe-se face à obrigação resultante do artigo 8º n.º 1 do CC, que estabelece uma obrigação de julgar e dever de obediência à lei, o tribunal não pode abster-se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei ou alegando dúvida insanável acerca dos factos em litígio. Estando o tribunal perante uma situação que merece a tutela do direito, atento o preceituado no artigo 336º citado, as regras jurídicas que subjazem ao PER ou ao SIREVE, os princípios de direito comunitário e a própria exigência comunitária relativa ao FGS, impõe-se a proteção jurídica dos trabalhadores quando os empregadores recorram a um PER”; 5. Ora, salvo o devido respeito pela opinião sufragada pela decisão recorrida, entendemos que o Meritíssimo Juiz “ a quo ” fez uma errada interpretação da lei aplicável ao caso em apreço; 6. O legislador, através da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, veio regulamentar o Fundo de Garantia Salarial, sendo que, nos artigos 318º e 324º, veio definir quais as situações abrangidas, em que são assegurados em caso de incumprimento pelo empregador, ao trabalhador, o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação e quais os meios de prova necessários para a instrução do requerimento; 7. Fazendo apelo ao elemento teleológico, nomeadamente, da norma do artigo 318º nºs 1 e 2, foi preocupação do legislador impor que, o Fundo de Garantia Salarial assegurasse em caso de incumprimento pelo empregador, ao trabalhador, o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, nas situações em que o empregador fosse judicialmente declarado insolvente e igualmente, desde que tenha iniciado o procedimento de conciliação; 8. Não tem a mínima correspondência na letra da lei a interpretação de que o Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo 317º da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, nos casos em que o empregador recorra a um processo especial de revitalização e o juiz não recuse a nomeação de administrador judicial provisório; 9. Como na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9º nº 3 do Código Civil), no sentido de referir que o Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos, nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente e igualmente, desde que, tenha iniciado o procedimento de conciliação; 10. Com, efeito, tendo em vista a resolução do caso sub judice o Tribunal “a quo” fixou a sentença sob recurso a seguinte norma “ad hoc”: “O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo 317º da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, nos casos em que o empregador recorra a um processo especial de revitalização e o juiz não recuse a nomeação de administrador judicial provisório encontra-se a ultrapassar a limitação imposta por Lei; 11. Porém, só é lícito extrair um certo sentido ou alcance às normas contanto que esse mesmo sentido ou alcance tenha um mínimo de correspondência verbal na letra da lei (artigo. 9º n.º 2 do Código Civil), pois, caso contrário, não se interpreta a lei, outrossim se altera a lei por via judicial; 12. O que quer dizer que a norma do artigo 318º nºs 1 e 2 da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, não pode ser aplicada analogicamente, ou interpretada extensivamente, de forma a abranger situações que extravasam a sua previsão legal, que é assegurar o pagamento dos créditos, nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente e, igualmente o pagamento dos créditos, desde que se tenha iniciado o procedimento de conciliação; 13. Na verdade, no caso sub judice, não é possível, face à proibição decorrente do princípio da legalidade (Cfr. artigo 266º da Constituição da República Portuguesa) e da tipicidade, recorrer-se às regras gerais de interpretação e integração da lei, designadamente à reconstituição do espírito ou intenção legislativa, à unidade e harmonia do sistema jurídico, à analogia (cfr. artigo 10º, nº 3, do Código Civil) ou à “norma” que o próprio intérprete criaria, se houvesse que legislar dentro do espírito do sistema (id. artigo 10,º, nº 3, do Cód. Civil, com vista à criação de uma norma ad hoc daquele jaez; 14. Em resultado da consagração legal do princípio da legalidade, nem o arbítrio judicial, nem a analogia, nem os princípios gerais de direito, nem a moral, nem o costume, poderão, em quaisquer circunstâncias, suprir lacunas que o sistema apresente, cabendo à lei, e só à lei a responsabilidade de o fazer; 15. No caso referido no artigo 318º n.º 1 e 2 da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, o legislador estabeleceu uma disciplina jurídica própria no que respeita aos casos em que o Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos, pelo que inexistindo qualquer lacuna, não há que fazer apelo à analogia, designadamente aplicando a esses casos o disposto no artigo 10.º nºs 1 e 2 do Código Civil; 16. Não existe qualquer omissão de regulamentação para cujo preenchimento haja necessidade de fazer uso dos princípios decorrentes do artigo 10.º do Código Civil, sendo que, o legislador delimitou o âmbito das situações em que há lugar ao pagamento dos créditos em caso de violação ou cessação do contrato de trabalho e não em situações como a que se discute nos presentes autos; 17. A interpretação que é feita na sentença sob recurso, também está sujeita às regras legais sobre interpretação, não lhe cabendo, por princípio, sob a aparência da simples interpretação, o poder de criar normas; 18. Da mesma forma, considerar a posteriori, que as normas que regulamentam o Fundo de Garantia Salarial, nomeadamente, a que faz referência o artigo 318º n.º 1 e 2 da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho se aplicam a outras situações, constituiria violação do principio da igualdade, pois, caso assim não se entendesse estar-se-ia a permitir, quiçá, que as entidades empregadoras que, nomeadamente, não tenham recorrido a um processo especial de revitalização o pudessem vir agora a fazer…; 19. O referido princípio aludido no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa seria violado com a aplicação retroativa da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, na medida em que permitiria, agora, que situações idênticas fossem tratadas de forma diferente, sendo certo que tal princípio impõe o tratamento das situações iguais de forma igual e das diferentes de forma diversa, na justa medida da diferença; 20. Acresce ainda que seria, igualmente inconstitucional a interpretação da norma do artigo 318º nºs 1 e 2 no sentido de que abrangerá, igualmente, o caso em que o empregador recorra a um processo especial de revitalização, por violação do Princípio da Separação de Poderes (artigos 2.º e 111.º n.º 1 da CRP), já que corresponderia a uma substituição do Poder Legislativo pelo Poder Judicial.
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Não basta pois sentenciar, como se fez na decisão judicial proferida, que ao tribunal cumpre estabelecer a norma “ad hoc” que aqui está em causa.
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A sentença recorrida deve assim, ser revogada por errada interpretação da lei, nomeadamente, dos artigos 317º e 318º n.º 1 e 2, da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho; artigos 9º e 10.º do Código Civil, artigo 3.º do Código de Procedimento Administrativo e artigos 2.º, 13º, 111º e 266º, todos da Constituição da República Portuguesa.
O recorrido não contra-alegou.
*A Exmª Procuradora-Geral Adjunta, notificada para efeitos do art.º 146º do CPTA, deu parecer no sentido de confirmação da decisão recorrida.
*Dispensando vistos, cumpre decidir.
*As questões a decidir reconduzem-se a saber se na decisão recorrida há ou não erro de julgamento, particularmente se a solução nela perfilhada comporta violação dos princípios e normativos identificados em recurso.
*Os factos, que a decisão recorrida consignou como provados: “1) O Autor é trabalhador da sociedade N... INDUSTRIAS DE AVICULTURA, SA – cfr. doc. 2 junto com a petição inicial.
2) A sociedade empregadora impetrou um Plano Especial de revitalização (PER), tendo o mesmo sido aceite e nomeado Administrador Provisório.
3) No Tribunal do Comércio de Lisboa no âmbito do processo nº 1008/12.9TYLSB, em...
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