Acórdão nº 01099/14.8BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 23 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelJo
Data da Resolução23 de Setembro de 2015
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO FDA veio interpor recurso da sentença do TAF DO PORTO que julgou improcedente a providência cautelar que intentou, no exercício do direito de acção popular previsto na Lei 83/95 de 31 de Agosto, e nos termos do disposto nos artigos 112.º n.º 1 alíneas a) e f) do CPTA, contra o MUNICÍPIO DA M..., em que identificou como Contra interessada, I... - Sociedade Imobiliária, S.A. e formulou os seguintes pedidos: “a) A decretar-se, nos termos do disposto nos arts. 112º, nºs 1 e 2 - al. a) e 120º, nº 1 – als. a) e c), CPTA, a suspensão da eficácia dos actos administrativos suspendendos de licenciamento da alteração/aditamento ao loteamento 6/94, consubstanciado nas deliberações da entidade requerida de 2 de Junho de 2011 e de 19 de Julho de 2012 e titulado no alvará nº 12/13, bem como de todos os actos subsequentes que cairão com ele, como sejam o acto de admissão da comunicação prévia nº 2242/2013; b) A intimar-se, nos termos do disposto nos arts. 112º, nºs 1 e 2 – al. f) e 120º, nº 1 – al. a) e c) do CPTA, a Entidade Requerida a fazer cessar a infracção das normas de direito administrativo invocadas, nomeadamente a: i) - cassar, de imediato, a admissão da comunicação prévia nº 2242/2013 emitido a favor da contra interessada; ii) - encerrar, de imediato e de forma completa, o local da obra; iii) - suspender, de imediato, o fornecimento de água à obra; iv) - não emitir a licença e alvará de utilização a favor da contrainteressada; c) Intimar, nos termos do disposto nos arts. 112º, nºs 1 e 2 – al. f) e 120º, nº 1 – al. a) e b), CPTA, a Contra-interessada a fazer cessar a infracção das normas de direito administrativo invocadas, nomeadamente a proceder ao encerramento total e completo do posto de abastecimento de combustíveis na Freguesia de VNT, junto ao Intermarché, no Concelho da M...; d) Intimar, nos termos do disposto nos arts. 112º, nºs 1 e 2 – al. f) e 120º, nº 1 – al. a) e b), CPTA, a Empresa de Electricidade da M... a suspender, de imediato, o fornecimento de energia eléctrica ao referido posto de abastecimento.

e) Seja dispensada, nos sobreditos termos, a citação dos titulares dos interesses a acautelar, a que alude o artigo 15º da LPPAP.”*Em alegações a RECORRENTE formulou as seguintes CONCLUSÕES: I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que denegou à requerente o decretamento de medidas cautelares destinadas à suspensão da eficácia dos actos administrativos consubstanciados nas deliberações da entidade requerida de 2 de Junho de 2011 e de 19 de Julho de 2012; II. A declaração de nulidade de tais deliberações constitui o âmago de uma acção administrativa especial em vias de ser interposta contra a requerida Município da M..., por ter licenciado uma operação de alteração a um loteamento urbano, (nascido com o alvará n.° 6/94, de 23 de Fevereiro de 1994), que preconiza a mudança de destino do lote nº 35, que desde a sua génese se destinava a fim habitacional, para a instalação, exploração e funcionamento de um posto de abastecimento de combustíveis líquidos.

  1. A douta sentença recorrida vem proferida em cumprimento do douto acórdão deste TCAN que ordenou a baixa dos autos para fixação dos factos tendentes à apreciação da alínea b) do nº 1 e nº 2 do artigo 120º do CPTA.

  2. Ao ter julgado improcedentes as medidas cautelares requeridas, o douto aresto em crítica afrontou o princípio da tutela jurisdicional efectiva, com consagração constitucional (artigos 20º nº 1 e 268º nºs 4 da CRP) e ordinária (artigo 2º nº 1 do CPTA e artigo 7º nº 1 da Lei de Bases do Ambiente – Lei nº 19/2014, de 14 de Abril); V. Invocando os direitos à saúde, ao ambiente, urbanismo, ordenamento do território e qualidade de vida, na acepção da Constituição da República Portuguesa e da Lei de Participação Procedimental e de Acção Popular (LPPAP) a requerente veio reclamar, cautelarmente, em Juízo, a suspensão da eficácia dos actos administrativos de licenciamento da alteração ao loteamento nº 6/94, nomeadamente, através da intimação das demandadas para a cassação da admissão da comunicação prévia nº 2242/2013 emitida a favor da contra interessada, para o encerramento do local da obra, para a suspensão do fornecimento de água às instalações, e ainda para que a requerida Município da M... se abstenha de emitir a respectiva licença de utilização.

  3. Fazendo tábua rasa da natureza, alcance e regime dos direitos fundamentais invocados, abrindo portas à mais do que certa e efectiva lesão desses direitos, estribado no entendimento de que a recorrente nada demonstrou em sede de perigosidade, entendeu o M. Juiz de 1ª instância denegar tutela jurisdicional à pretensão de acautelar os direitos de personalidade em causa, que assistem a todos os cidadãos, em concreto, à recorrente e a todos os moradores no loteamento e na área geográfica circundante.

  4. É sabido e pacífico que tanto o direito à saúde como o direito à qualidade de vida são dimensões e instrumentos do mais elevado direito fundamental à vida, aliás, o legislador Constitucional atribuiu-lhes um papel reforçado quando autonomizou o direito ao ambiente e à qualidade de vida, v.g. artigo 66º da CRP.

  5. O direito ao ambiente constitui um direito constitucional fundamental, com uma dimensão negativa: o direito à abstenção por parte do Estado e de terceiros de acções ambientalmente nocivas.

  6. É inútil a consagração constitucional do direito ao ambiente e à qualidade de vida se os cidadãos não puderem prevenir a sua lesão mediante tutela jurisdicional na vertente cautelar, a única com a virtualidade de impedir a produção de danos, que na maior parte das vezes, no plano ambiental, são irreversíveis, ou de reversibilidade tão duradoura que se consideram irreparáveis à escala de duração média de vida.

  7. A instalação e funcionamento de um posto de abastecimento de combustíveis líquidos numa tranquila e quase rural zona habitacional constitui, bem para além das clamorosas ilegalidades procedimentais, mormente a de obstar à participação dos ali residentes na decisão de aprovar tamanha alteração ao loteamento, acarreta necessária e inequivocamente as consequências ambientais nocivas alegadas pela recorrente no ponto 3) do corpo das alegações recursivas, para o qual se remete.

  8. Por outro lado, o douto aresto criticado afronta o disposto na alínea c) do artigo 120º do CPTA, no segmento relativo ao pressuposto do periculum in mora.

  9. Com efeito, partindo do facto incontroverso de que o posto de combustíveis não se encontra ainda em funcionamento, conclui-se que nenhum facto concreto ou anormalidade daí decorre cuja prova a recorrente lograsse alcançar, bem como do que o mesmo (funcionamento) possa provocar no exterior e no meio ambiente.

  10. Aliás, propugnando que incumbia à recorrente a prova de factos inconsumados, vem contudo o M.º Juiz a quo considerar que “É um facto público e notório, que um posto de combustível, é um “estabelecimento comercial de natureza especial”, onde entre o mais, se vendem líquidos inflamáveis, para o que aí acedem veículos motorizados, e que o desejável era que estabelecimentos como esses estivessem afastados dos centros das zonas urbanas/residenciais.” XIV. Ora, factos públicos e notórios não carecem de prova nem de alegação, v.g. nº 1 do artigo 412º do CPC.

  11. Se é público e notório que numa bomba de abastecimento de combustíveis líquidos, se vendem produtos inflamáveis onde acedem veículos motorizados, não se vê como daí não extrair que se vão produzir danos de perigo (riscos de incêndio e explosão) e danos na qualidade de vida e ambientais (aumento de tráfego, poluição atmosférica e sonora).

  12. Algo que está à distância de uma apreciação dos factos existentes à luz da experiência comum e de uma probabilidade lógica assente na cognoscibilidade generalizada do funcionamento de uma bomba de combustíveis.

  13. Assim, ao invés de decidir que a requerente não fez a prova de factos ainda não ocorridos, mormente as lesões que inequivocamente se produzirão nos direitos fundamentais ambiente e qualidade de vida, XVIII. Muito melhor andaria o douto aresto, se considerasse que o que se impunha era a constatação de um nexo de causalidade natural entre o facto conhecido (o funcionamento de uma bomba de combustíveis numa zona residencial) e a ocorrência de eventos futuros (a lesão dos bens jurídicos ambiente e qualidade de vida), por conjugação das regras da experiência comum com um critério de probabilidade lógica.

  14. Na esteira do decidido por este mesmo Venerando TCAN, no douto Acórdão de 29 de Julho de 2010, no Proc. 00185/10.8BEBRG-A, o probatório da sentença recorrida deverá, pois, ser alterado no sentido de reconhecer a mais do que provável ocorrência das lesões invocadas (v. ponto 3) do corpo das alegações) que cautelarmente se pretendem prevenir, mormente reconhecendo o nexo de causalidade entre o funcionamento de uma bomba de combustíveis e os danos que naturalmente daí advirão para os residentes da zona habitacional.

  15. O que constitui um tratamento mais prudente e alinhado com a prevenção do dano ambiental futuro, que no presente caso concreto não é uma remota possibilidade, mas antes uma probabilidade muito elevada.

  16. Ao não fazer a concreta ponderação sobre os prejuízos de impossível/difícil reparação que relevam para os interesses que a requerente/recorrente pretende ver reconhecidos no processo principal, a douta decisão recorrida infringe a norma constante na alínea c) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, no segmento relativo ao pressuposto do periculum in mora.

  17. Além disso, salvo sempre o devido respeito por opinião contrária, a douta sentença recorrida revela-se aprisionada a uma dogmática segundo a qual numa análise dos factos, ainda que perfunctória, só considera os horizontes passado (de certeza) e presente (de actualidade), desmerecendo a dimensão futura do dano ambiental e dele fazendo uma compreensão restritiva.

  18. Alinhando com o entendimento de que só...

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