Acórdão nº 01684/13.5BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 07 de Julho de 2017
Magistrado Responsável | Joaquim Cruzeiro |
Data da Resolução | 07 de Julho de 2017 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1 – RELATÓRIO AMCF por si e em representação das suas duas filhas menores AFCF e AFC vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 16 de Julho de 2015, que julgou improcedente a acção que intentou contra o Estado Português e onde solicitava que deverá: “…o Réu Estado Português ser condenado a pagar às Autoras a quantia total de € 69.080,00, a título de indemnização e danos não patrimoniais pela violação do direito das Autoras a uma Justiça em prazo razoável. Mais deverá ser o Estado Português condenado nos juros que se vencerem até efectivo e integral pagamento …”.
Em alegações a recorrente concluiu assim: I. O Tribunal a quo ao ter decidido pela total improcedência da acção, incorreu num erro grave de aplicação do direito aos factos dados como provados.
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Ao contrário do que resulta da sentença recorrida os pressupostos de que depende a responsabilidade civil extracontratual encontram-se totalmente preenchidos.
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Desde a data em que foi proposta a acção até ao trânsito em julgado da decisão decorreram mais de quatro anos e meio.
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O processo esteve parado, sem qualquer tramitação, na primeira instância durante um ano e meio, designadamente entre o dia 4/10/2007 e o dia 25/05/2009, não existindo qualquer justificação para o efeito.
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Tal facto é considerado ilícito, por violação ao disposto no Artigo 22° da Constituição da República Portuguesa, no Artigo 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no Artigo 2° n°1 do Decreto-lei n° 48 041, de 21 de Novembro e no Artigo 12° da Lei n° 67/2007.
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Os argumentos expressos na sentença recorrida para desculpabilizar a inércia da máquina judiciária não poderão ser atendidos, uma vez que em causa estava um processo sem qualquer complexidade, apesar da sensibilidade do objecto – acidente de viação que resultou na morte do marido e pai das Recorrente – e que exigia maior celeridade e especial diligência, em comparação com a maioria dos processos.
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Também o argumento de que o tempo decorrido não é “anormal” devendo ser descontado o período de férias dos intervenientes judiciários não poderá proceder, uma vez que o prazo tido como razoável para uma decisão judicial compreende tal direito.
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Estranha-se que o Tribunal recorrido tenha desvalorizado o facto do processo ter estagnado entre o dia 4/10/2007 e 25/05/2009, sem que para tal haja qualquer justificação.
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Ao não ter conduzido o processo com a diligência exigida, o Recorrido violou, com culpa, o disposto no Artigo 22° da Constituição da República Portuguesa, no Artigo 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no Artigo 2° n°1 do Decreto-Lei n° 48 041, de 21 de Novembro e no Artigo 12° da Lei n° 67/2007, conduta imputável em exclusivo ao Recorrido, porquanto, em consideração ao padrão de funcionamento de um Tribunal, “não é expectável” que um processo não seja tramitado durante cerca de um ano meio e que demore mais de quatro anos a transitar em julgado.
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Não fosse a paralisação dos autos em primeira instância, a sentença poderia, e deveria, ter sido proferida em data anterior, pelo menos um ano antes.
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Por outro lado, ao contrário do que alegou o Recorrido, as disfunções de carácter estrutural não justificam os atrasos cometidos pela máquina judicial, e muito menos uma completa paralisação processual sob pena de iniciarmos uma vaga de práticas questionáveis mas generalizadas, numa tentativa de justificar o injustificável – nesse sentido vide Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem de 26/10/1988 – Martins Moreira vs. Portugal.
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Aliás o “Tribunal Europeu dos Direitos do Homem não tem aceite argumentos como doenças temporárias do pessoal e a falta de recursos e meios do tribunal, o volume de trabalho e a complexidade da estrutura judiciária, considerando que foi o próprio Estado que, por força da ratificação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, se comprometeu a organizar o seu sistema judiciário de molde a dar cumprimento aos ditames da Convenção” – Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 05/07/2012.
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O Tribunal recorrido confunde a situação tratada nos presentes autos com a situação tratada no processo em que as Recorrentes demandaram a seguradora, pois se é certo que à seguradora competia o ressarcimento dos danos originados pelo acidente de viação que vitimou o marido e pai das Recorrentes, à mesma não pode ser exigido pagamento dos danos causados pela inércia da justiça.
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E não se diga que a condenação do pagamento de juros desde a data em que foi proferida a sentença justifique que os danos decorrentes pelo atraso naquela decisão se encontram ressarcidos, pois quanto mais cedo a sentença tivesse sido proferida, mais cedo teriam acesso ao valor que a seguradora foi condenada a pagar, e é exactamente esta questão que se pretende ver atendida nos presentes autos.
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O Tribunal recorrido ao dar como provados os danos alegados pelas Recorrentes e imputando-os ao tempo em que o processo esteve pendente sem uma decisão definitiva, teria de decidir pela condenação do Recorrido no pedido.
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É entendimento sufragado na jurisprudência relativamente aos danos sofridos pelos atrasos na justiça, que “os danos não patrimoniais que segundo o conhecimento comum sempre atingem os demandantes, isto é, ocorrem em praticamente todos os casos de atraso significativo na actuação da justiça, merecem, em princípio, a tutela do direito, não sendo de minimizar na respectiva relevância” – Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28/11/2007 e 90/10/2008.
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Assim, ainda que as Recorrentes não conseguissem provar mais do que os danos comuns inerentes ao atraso da justiça, o que não sucedeu no caso em apreço, visto constarem dos factos provados os danos concretamente sofridos - não ficariam prejudicados no direito à indemnização que resulta da presunção natural de um dano moral relevante e que não foi ilidida pelo Recorrido.
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As Recorrentes têm direito a ser compensadas pelo atraso significativo da justiça que, como vimos, é um dano que a jurisprudência considera como sendo natural e presumido, como também têm direito a ser ressarcidas pelos danos concretamente provados e que foram directamente causados pelos atrasos na justiça.
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Assim, dúvidas não subsistem de que o facto ilícito aqui em crise originou danos às recorrentes, encontrando-se preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
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O Recorrido, na qualidade de Estado-Juiz, violou o direito das Recorrentes a uma justiça em prazo razoável, violação que gera um dano indemnizável, para além dos restantes danos alegados e provados e, relativamente ao qual é civilmente responsável o Recorrido.
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A sentença recorrida viola, entre outros, o Artigo 22° da Constituição na República Portuguesa, o Artigo 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o Artigo 2° n° 1 do Decreto-Lei n°48 041, de 21 de Novembro e os Artigos 1°, 3°, 4°, 5°, 7°, 9°, 10° e 12° da Lei n°67/2007.
O Recorrido, notificado para o efeito, contra-alegou, tendo apresentado as seguintes conclusões: 1- É impossível fixar previamente um prazo razoável para todos os processos, e mesmo para cada tipo de processo, pelo que, só perante cada caso concreto, e considerando os concretos circunstancialismos em causa, se pode concluir pela verificação (ou não) da violação do direito à justiça em prazo razoável; 2 – A duração média ou duração razoável de um processo em 1ª instância é de cerca de 3 anos e a duração média de todo o processo deve corresponder, em princípio, a um período que vai de 4 a 6 anos; 3 – Assim, a fim de apreciarmos a razoabilidade ou não de duração do processo cível em apreço, há que apreciá-lo com os seus circunstancialismos e numa perspetiva global, tendo como ponto de partida a data de entrada da ação no tribunal competente e como ponto final a data em que é tomada a prolação definitiva; 4 – A ação declarativa comum de indemnização por acidente de viação que correu termos no Tribunal Judicial de Vila do Conde sob o nº 1026/7.9TBVCD durou: 4.1 - em primeira instância, menos de três anos ( de 19.03.2007 – data da propositura da ação – e 10.03.2010 –data da sentença) e se considerarmos que se trata de processo não tramitado durante as férias judiciais, por não se tratar de processo urgente), pelo que descontando os períodos de férias judiciais -157 dias [=(3 x 9d) + (3 x 13d) + (31d x 3)] - temos que durou cerca de dois anos e seis meses e meio ; e 4.2 - desde a data da propositura até ao trânsito em julgado da decisão tomada (12.09.2011) a ação durou quase quatro anos e seis meses , mas se descontarmos o período das férias judiciais - 287 dias [=( 5 x 9d) + (4 x 13 d) + (31d x 3) + (47d x 2) ]- , verifica-se que durou cerca de três anos e nove meses e meio; 5 – Destarte, a duração do referido processo foi inferior ao período considerado pela doutrina e pela jurisprudência como «razoável», pelo que apenas se pode concluir que os funcionários judiciais e magistrados que intervieram no processo foram «zelosos e cumpridores», inexistindo no processamento dessa ação «inércia judicial»; 6 – E, como se expendeu na douta sentença recorrida, sempre que a duração do processo, no seu todo, de considera razoável não interessa averiguar se num caso ou outro houve atraso no processo judicial, assomando, portanto, como inequívoco, que, «in caso», o prazo razoável, nos termos em que o artº 6º, nº da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o artº 20º, nº1, da CRP o consagram, não foi excedido ou ultrapassado; 7 – Pelo que, uma eventual mera inobservância de prazos processuais fixados na lei para a prolação de um despacho ou da sentença, dada a sua função meramente disciplinadora, particularmente no processo civil, não gera automaticamente uma dilação indevida e, por conseguinte, não consubstancia, por si só e sem mais, a violação do direito à justiça em prazo razoável, pois preceitos legais...
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