Acórdão nº 00336/07.0BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 12 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelAna Patroc
Data da Resolução12 de Janeiro de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório O Município de S. Pedro do Sul interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, proferida em 21/06/2016, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade C…, S.A., actualmente denominada N…, S.A., NIPC 5…, com sede na Av… Lisboa, contra o acto de indeferimento da reclamação graciosa apresentada versando o acto de liquidação de taxa de ocupação da via pública, no valor de €6.474,05.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida: “1.ª) Não está alegado, nem foi provado, que a impugnante seja uma das empresas autorizadas a prestar serviço de telecomunicações no âmbito da lei 5/2004, sendo insuficientes para essa conclusão os factos dados como provados nos pontos A) e B) da sentença; 2.ª) Mas ainda que assim seja, isto é, que a impugnante esteja abrangida por aquela lei, sempre se dirá que, para efeitos de considerar dupla tributação, a exigência do pagamento da taxa impugnada e a TMDP prevista no artigo 106.° da mesma lei, importava que fosse alegado e provado que a impugnante liquidou aos seus clientes esta TMDP, que estes lha pagaram e que procedeu à sua entrega ao município.

  1. ) Pois a dupla tributação, sendo o mesmo tributo, uma taxa, só perante a liquidação do mesmo se pode concluir tratar-se da mesma contra prestação.

  2. ) O tribunal ao não ter entendido assim fez incorreta aplicação da lei e do direito, violando os artigos 342.° n.° 1, 362.° e 371.º do Código Civil.

  3. ) A taxa municipal impugnada, de ocupação da via pública, tem como contra prestação o direito do titular da licença para obras ocupar o domínio público municipal com construções, depósitos de material, privação do uso daquele espaço enquanto é exercitado aquele direito; 6.ª) A TMDP tem como contra prestação o exercício do direito das empresas, que oferecem serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público em geral, utilizar o domínio público municipal na passagem de tais comunicações através de condutas instaladas por outra empresa, ou instaladas diretamente pela prestadora do serviço, direito de passagem que torna indisponível o domínio público para outras utilizações.

  4. ) Atenta a finalidade ou contra prestação que é devida, não estamos perante uma dupla tributação.

  5. ) A TMDP, conforme se encontra configurada na lei 5/2005, em especial no procedimento, desde o sujeito ativo da relação tributária, do sujeito passivo, do limite máximo do valor a liquidar, até à entrega ao município, é um verdadeiro tributo unilateral, o mesmo é dizer, um imposto.

  6. ) Revestindo a TMDP a natureza de imposto, a obrigação do seu pagamento não é incompatível com a taxa de ocupação do domínio público municipal.

  7. ) Sendo da responsabilidade das empresas o pagamento da taxa pela ocupação do domínio público e da responsabilidade dos seus clientes o pagamento da TMDP ou imposto devido pela utilização da rede de transmissão das comunicações instalada no domínio público e privado do município.

  8. ) A norma do artigo 106.° da lei 5/2004, na interpretação que foi dada pelo tribunal, não admitindo ao município, no âmbito da gestão do seu património, fixar por regulamento municipal a obrigação de pagamento de taxa pela ocupação do domínio público, limitando este poder a lançar anualmente uma percentagem máxima de um tributo que não foi por ele criado, viola o principio da autonomia do poder local, em especial, as normas dos artigos 238,° n.° 3 e 241.º da CRP.

  9. ) Por não ser este o entendimento sufragado na sentença recorrida, fez o tribunal incorreta aplicação do direito e da lei, violando o principio da autonomia do poder local consagrado no artigo 6.° da CRP e o princípio da proporcionalidade na restrição ao direitos das autarquias consagrado nos artigos 238.° n.°3 e 241.° ambos da CRP.

  10. ) Por fim, se fosse intenção do legislador negar o direito aos municípios de cobrarem taxas pela ocupação do domínio público com a instalação de infra estruturas de telecomunicações tinha-o feito expressamente no artigo 106 da Lei 5/2004, não podendo o intérprete concluir aquilo que o legislador não quis excluir.

TERMOS EM QUE deve proceder o presente recurso e, a final, ser julgada improcedente a impugnação deduzida nos autos.

JUSTIÇA” ****A Recorrida apresentou contra-alegações, e, a título subsidiário, requereu a ampliação do objecto do recurso, tendo concluído da seguinte forma: “I. O presente recurso foi interposto pelo MUNICÍPIO DE SÃO PEDRO DO SUL da Sentença proferida no âmbito do processo de Impugnação n.° 336/07.0BEVIS do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu em que a RECORRIDA impugnou a (i)legalidade dos actos de liquidação de Taxa de Ocupação do Espaço Público emitidos pelo MUNICÍPIO DE SÃO PEDRO DO SUL, com referência ao ano de 2006, no valor total de € 6.474,05 e, na sequência do indeferimento da Reclamação Graciosa deduzida contra aqueles actos de liquidação.

  1. A douta Sentença recorrida julgou (e bem) totalmente procedente a Impugnação Judicial deduzida pela ora RECORRIDA, com fundamento no facto de existir entre a Taxa Municipal de Direitos de Passagem (TMDP) e a Taxa de Ocupação do Espaço Público uma sobreposição de normas de incidência que visam a tributação da mesma realidade e com idêntica finalidade.

  2. Sustenta, a RECORRENTE não existir qualquer dupla tributação, dado entender que a TMDP e a Taxa Municipal de Ocupação do Espaço Público têm naturezas diferentes, e incidem, por sua vez, em situações diversas.

  3. Ficou, contudo, demonstrado nos presentes autos que a regulamentação das redes e serviços de comunicações electrónicas, incluindo os serviços de distribuição de televisão por cabo, e, bem assim, a regulamentação dos denominados “direitos de passagem”, encontra-se enquadrada em diversas directivas comunitárias, nomeadamente, na directiva autorização - a Directiva 2002/20/CE e na directiva-quadro - a Directiva 2002/21/CE, que visam, para além do mais, garantir às empresas e cidadãos europeus o acesso a uma infra-estrutura de comunicações de grande qualidade, com uma vasta gama de serviços, a baixo custo, mediante a harmonização e simplificação da legislação que regula o acesso ao mercado de serviços e redes de comunicações electrónicas (cf. Considerando 3 e 4 da Directiva 2002/21/CE e Considerando 1 e artigo 1.° da Directiva 2002/20/CE).

  4. De acordo com o disposto no artigo 11.° da directiva-quadro, os “direitos de passagem” correspondem aos direitos atribuídos às empresas autorizadas a oferecer redes públicas de comunicações de instalação de recursos em, sobre ou sob propriedade pública ou privada, sendo conferido aos Estados-Membros a possibilidade de imporem taxas sobre estes “direitos de passagem” às empresas autorizadas a oferecer redes públicas de comunicações que procedam à instalação de tais recursos (e não aos clientes destas ou a quaisquer outras entidades).

  5. Ora, estas taxas, previstas especificamente no artigo 13.° da directiva autorização são as únicas que podem ser cobradas em contrapartida dos referidos direitos de instalação, conforme, aliás, se depreende do objectivo expresso no Considerando (3) da directiva autorização, de criação “de um quadro jurídico que garanta a liberdade de oferta de serviços e redes de comunicações electrónicas, apenas sujeitos às condições previstas na presente directiva e a restrições de acordo com o n.° 1 do artigo 46.° do Tratado (...)”.

  6. Em face deste enquadramento jurídico comunitário, resulta manifesto que para além das taxas a que alude o artigo 13.° da directiva autorização, mais nenhum encargo ou condição pode ser imposto às entidades autorizadas a oferecer redes públicas de comunicações pela atribuição de direitos de passagem.

  7. Em concretização destes preceitos comunitários, foi aprovada a Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro - Lei das Comunicações Electrónicas, diploma em cujo artigo 24.° sob a epígrafe “Direitos de passagem” se reconhece às empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, o direito de utilização do domínio público, em condições de igualdade, para a implantação, a passagem ou o atravessamento necessários à instalação dos respectivos sistemas e equipamentos.

  8. Estabelecendo-se neste mesmo Diploma, a TMDP em contrapartida dos “direitos e encargos relativos à implantação, passagem e atravessamento de sistemas, equipamentos e demais recursos das empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, em local fixo, dos domínios público e privado municipal’ (cf. n.° 2 do artigo 106.° da Lei n° 5/2004, de 10 de Fevereiro).

  9. Com a entrada em vigor da TMDP, foram, assim, tacitamente revogadas as disposições dos regulamentos camarários que, em conformidade com o estabelecido na Lei das Finanças Locais e no Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais prevêem a cobrança de outras taxas que tributem a mesma realidade tributada pela TMDP.

  10. Assim, se se entendesse, o que se não admite, que as Taxas de Ocupação são uma forma de TMDP a cobrança das Taxas de Ocupação sempre teria que ser justificada, como não foi, nos termos do artigo 13.° da directiva autorização (Directiva n° 2002/20/CE. de 7 de Março), ou seja, do ponto de vista objectivo, da transparência, da não discriminação, da proporcionalidade e, para além do mais, ter em conta os objectivos do artigo 8.º da Directiva 2002/21/CE (directiva-quadro), e encontrar-se limitada ao montante de 0,25%, sobre o valor de cada factura, o que manifestamente não se verifica em face do teor das normas regulamentares aplicáveis, pelo que os actos de liquidação impugnados são também por este motivo ilegais, devendo ser anulados em conformidade.

  11. Assim, tendo o legislador português optado por criar a TMDP para comutar os benefícios decorrentes dos “direitos de passagem”, é porque, forçosamente, abdicou...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT