Acórdão nº 02905/06.6BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 24 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelCristina Travassos Bento
Data da Resolução24 de Janeiro de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I.

Relatório C…, S.A.

, com o NIF 5…, com sede na Travessa…, Gaia, veio recorrer da sentença que julgou improcedente a impugnação das liquidações do IRC do exercício de 2002, no valor global de 1.347.393,80€, tendo considerado que a AT carreou para os autos prova bastante e consistente de que as facturas, registadas na contabilidade da impugnante, não titulavam operações reais e que a impugnante não tinha feito prova de que as empresas emitentes haviam fornecido as operações descritas nas facturas.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: 1. O presente recurso jurisdicional vem interposto da douta sentença que considerou improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora Recorrente contra os actos de liquidação de IRC e juros compensatórios (relativas ao exercício de 2002), no valor total € 1.348.393,80; 2. O presente recurso tem por fundamento incontornável os erros clamorosos em que incorreu o Tribunal a quo no plano da determinação – ou delimitação – da matéria de facto considerada como provada e não provada e que serviu de base ao sentido final do aresto produzido; 3. Ao contrário do que afirma o Tribunal a quo, a recorrente produziu ampla prova – testemunhal e documental – que permitem, concluir: a. que o montante constante da factura 282 de 17/1/02 emitida pela sociedade F... Comércio de Sucatas e Reciclagem Lda., não emanou de qualquer simulação, tendo subjacente uma efectiva transmissão de bens, não sendo, por isso, uma «factura falsa»; b. e que os valores constantes das demais facturas emitidas pela sociedade F... Comércio de Sucatas e Reciclagem Lda. e, bem assim, das facturas emitidas pela sociedade N... Lda., corresponde rigorosamente ao realmente praticado.

4. Não é manifestamente verdade a afirmação do Tribunal a quo de que nos autos se verifica uma «total ausência de prova»; 5. O erro no juízo do Tribunal a quo quanto à realidade de facto em causa é patente: 6. Todas as transacções da C... com o Sr. N... (e empresas por si detidas [F... e N...Lda.]), e que estão na sua contabilidade, são verdadeiras, reais, correspondem a transacções efectivamente realizadas e os preços praticados (e demais condições) são sempre e em todos os casos os constantes das facturas; 7. A factura 282 não é falsa - titula, é certo, um acordo especial e irrepetível entre a recorrente e a F... (na pessoa do Sr. N...), mas explicado e justificado no respectivo contexto de relacionamento empresarial entre os intervenientes (dadas as relações pessoais e profissionais entre a recorrente e o Sr. N...).

8. Tratou-se de uma ajuda da recorrente à F..., traduzido na compra, em 2002, de uma certa tonelagem de sucata a um elevado preço pré definido, cujas entregas foram efectuadas até Outubro, sem adiantamento de preço e pagas em numerário, a pedido e conveniência da F.... Este acordo foi documentado através da factura 282 (emitida no momento inicial); 9. O facto de o pagamento ser feito em numerário nada prova quanto à falsidade da factura 282, porquanto o pagamento da factura não foi feito de uma só vez, mas em 15 períodos, com entregas em dinheiro na ordem dos € 15.000 a €25.000 por entrega. A que acresce a circunstância de a recorrente ter titulado esses pagamentos em dinheiro da melhor forma possível, isto é, através da emissão de um cheque ao portador, que era levantado pelo funcionário que ia ao Banco (para depois de entregar o dinheiro à F...) - e guardava cópia desse cheque na sua contabilidade (associando-o ao pagamento da factura 282); 10. Além disso, os demais argumentos indicados na inspecção (na tentativa de comprovação da falsidade da factura 282) a que o Tribunal a quo aderiu são totalmente aparentes e irrelevantes: a. Todos concordam - até o Dr. Ab... (testemunha e inspector das Finanças) - que a recorrente, em 2006, não estava obrigada a guardar os tickets de balança e as guias de transporte das operações de 2002; b. É falso e abusivo alegar (e não se provou) que a recorrente inutilizou e deitou ao lixo os tickets de balança e guias de remessa para, com isso, impossibilitar a comprovação da aquisição das mercadorias constantes da factura 282 - a inutilização dos tickets e das guias de trtansporte foi feita para evitar confusões (pagamentos em duplicado) 11. Do mesmo modo, as restantes facturas da F... e todas as emitidas pela N...Lda. correspondem à realidade dos factos, seja ao nível dos preços praticados, seja em relação às quantidades transaccionadas, seja, por fim, relativamente às demais características da operação; 12. No que se reporta ao quadro factual relevante, ficou também demonstrado, ao contrário do que sustentou o Tribunal a quo, que os cheques emitidos pelo Sr. N… a favor dos Srs. C…, F…, J…, A… e António… nada têm a ver com a actividade da recorrente não se inserem numa relação comercial ou financeira entre a recorrente e o Sr. N… (e empresas por si detidas e geridas); 13. Titulam, simplesmente, relações de crédito entre pessoas singulares - entre o Sr. N… (como devedor) e os Srs. C…, F…, J…, A… c António… (como credores, agindo enquanto pessoas singulares e não como administradores da C…); 14. A prova produzida reforça estas considerações: provou-se que havia uma sucessão de créditos mas que os mesmos nunca superaram, em cada momento, o valor de € 100.000 que nos cálculos de cada um dos 5 credores, dá um valor de €20.000 por credor - e associaram-se na mesma conta bancária para melhor controlo destes valores); 15. Provou-se igualmente que os credores só emprestavam o dinheiro contra a recepção, no mesmo momento, de cheques do mesmo valor emitidos pelo Sr. N..., mas com data posterior (15 dias a 1 mês).

16. É falso afirmar que a recorrente não cooperou com a inspecção tributária relativamente à matéria dos cheques pessoais - não é a C... que pode dar informações que estavam na esfera pessoal dos seus administradores.

17. Todos os indícios invocados pela Administração fiscal, e que o Tribunal a quo não deu por infirmados, foram devidamente esclarecidos pela recorrente: a. Em 2002, a recorrente iniciou as diligências pata implementar um sistema de inventário permanente. Todavia, dada a complexidade e especificidade do sector (grande transformação dos produtos - o que sai da fábrica é muito diverso do que entra, com elevados desperdícios) e a inexistência no mercado de um programa informático pré concebido - o inventário permanente só entrou em funcionamento em 2004; b. Em 2002, a generalidade das empresas de sucata não possuíam o sistema de inventário permanente: era muito difícil de implementar, por causa das especificidades do sector - depoimento de João...; c. O Fiscal Único (no seu relatório e parecer anual do ano de 2002) e o Revisor Oficial de Contas (na revisão às contas de 2002) não colocam quaisquer objecções organização documental e contabilística da recorrente por não cumprir a obrigação de existência de inventário permanente; d. No sector de actividade da C... é usual que o descritivo da factura indique apenas «sucata» ou «sucata diversa», porque essa designação corresponde à verdade e é impossível identificar, de outra forma, a amálgama de ferro, metais e outros produtos; e. Há por vezes disparidade entre a tonelagem indicada nas guias de remessa e nas facturas (em função do somatório dos tickets de pesagem da balança). Quando tal sucede, o que prevalece é a pesagem da balança. No sector não se dá muita importância às guias de transporte, por causa da pesagem obrigatória. Por vezes fazia-se uma guia de remessa por entregas de vários camiões (foi isso o que aconteceu na Guia de remessa que refere 190 toneladas). Ou fazia-se uma Guia de remessa por toda a carga entregue num mês; 18. Já no plano do direito, a ora recorrente havia invocado que, nos termos do art.° 75.° da LGT, a contabilidade, a escrita (se organizadas de acordo com a lei comercial e fiscal) e declarações delas constantes do sujeito passivo presumem-se verdadeiras e de boa-fé - só assim não seria se a Administração fiscal lograsse introduzir «indícios fundados» da falsa facturação; 19. In casu, como se viu, os indícios apresentados nada provam: alguns não são aplicáveis à C..., outros São totalmente aparentes, e outros ainda de nada valem, se devidamente inseridos no seu contexto, conforme amplamente se explanou acima: 20. Consequentemente, ao arrepio da decisão proferida pelo Tribunal a quo, impunha-se a anulação das liquidações impugnadas, por não haver indícios fundados de operações fictícias, ou, pelo menos (mas sem prescindir), porque existe uma fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário - cfr art 100º’ do CPPT; 21. E ainda que se entendesse que a Administração fiscal aduziu indícios fundados para provar a sobre e falsa facturação - como decorre do juízo formulado pelo Tribunal a quo - a verdade é que a recorrente os rebateu completamente; 22. Por outro lado, como se demonstrou no plano factual, a Administração recorreu a factos falsos, insuficientes, contraditórios, e sem conexão lógica com as liquidações - tudo englobado em vícios de fundamentação e violação de lei (art.° 77.° da LGT), por «obscuridade, contradição ou insuficiência [que não esclareçam concretamente a motivação do acto» (n.° 2 do art.° 125.° do CPA); 23. O Tribunal a quo aderiu totalmente à tese, ou às teses, da Administração fiscal. E se não bastasse já a frontal divergência, no mero plano dos factos, que essa adesão merece por parte da recorrente, sucede que ela é maior na justa medida em que se baseia em juízos gerais, por um lado, e na assumpção de uma realidade sobre a actividade de reciclagem de sucatas que não existe manifestamente; 24. Esta constatação conduz-nos a uni incontornável vício da própria sentença - o da falta de especificação dos fundamentos de facto, isto é, insuficiente descriminação da matéria de facto não provada e...

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