Acórdão nº 00914/08.0BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 10 de Fevereiro de 2017
Magistrado Responsável | Frederico Macedo Branco |
Data da Resolução | 10 de Fevereiro de 2017 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório ASF, devidamente identificado nos autos, no âmbito da ação administrativa especial intentada contra o Município de Viseu, inconformado com o Acórdão proferido em 30 de maio de 2016, no TAF de Viseu (Cfr. fls. 407 a 420v Procº físico), confirmativo da Sentença proferida em 31 de dezembro de 2012, que julgou verificada “a exceção da inimpugnabilidade do ato impugnado”, e que, consequentemente declarou “a absolvição do Réu da instância”, veio em 27 de junho de 2016 Recorrer Jurisdicionalmente do referido Acórdão (Cfr. fls. 436 a 447 Procº físico).
Formula o aqui Recorrente nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões (Cfr. fls. 445 a 447 Procº físico).
“1.ª O acórdão recorrido, proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu de 30.05.2016, que admitiu a reclamação para a conferência apresentada pelo Autor, decidiu negar-lhe provimento, mantendo a decisão proferida em 31 de Dezembro de 2012, nos termos da qual foi julgada procedente, por verificada, a exceção da inimpugnabilidade do ato impugnado, consubstanciado na decisão/despacho do Sr. Vereador do executivo camarário do réu Município, proferido em 25 de Março de 2008 e, consequentemente, a absolvição do réu Município de Viseu da instância. (cf. segmento IV. – Decisão, a fls. 27 do Acórdão) 2.ª Ao considerarem que a sentença reclamada decidiu de forma correta, e ao subscreverem integralmente o entendimento da decisão proferida pelo Juiz relator, de que o ato impugnado proferido a 25.03.2008 e da autoria do Sr. Vereador do executivo camarário do Réu, que indeferiu o pedido de legalização das obras em causa, é um ato confirmativo da ordem de demolição emitida a 03.10.2005, e por isso um ato inimpugnável, incorreram no mesmo erro de julgamento.
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Ao decidirem que o ato de indeferimento do pedido de legalização se insere já na prossecução da execução daquele primeiro ato de 03.10.2005 que ordenou a demolição das obras em causa, e ao entenderem que esse mesmo ato constitui um ato definitivo e exequendo do procedimento administrativo encetado já com o embargo das mesmas obras determinado pela Ré, os M.mos Juízes a quo incorrem no mesmo erro do M.mo Juiz relator, e na mesma interpretação arbitrária do processo de licenciamento de obras e do processo de demolição quando, na verdade, e como bem reconhecem, é manifestamente válida a tese do Autor.
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Não obstante os procedimentos que conduziram à prática do ato que determinou a demolição das obras em causa e à prática do ato de indeferimento do pedido de legalização terem por objeto a mesma obra (cf. al. z) da matéria de facto provada), é inequívoco que são procedimentos manifestamente distintos, podendo mesmo existir um sem a necessidade de existência do outro.
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O ato de licenciamento consubstancia um ato permissivo, pelo qual um órgão da Administração atribui a alguém o direito de exercer uma atividade que é por lei relativamente proibida; a demolição configura uma medida aplicável face a obras já executadas sem licença, sempre que a elas estejam sujeitas, ou seja, é um ato de ordem, impositivo e de comando.
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A ordem de demolição pode radicar na inexistência de um ato permissivo, mas não significa que o ato permissivo não venha a ser adotado; o ato impositivo de ordem pressupõe a inexistência do ato permissivo, mas não a impossibilidade de o mesmo vir a existir.
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Por se tratar de matéria estranha à sua natureza, o ato de comando não tem condições para decidir um pedido de ato permissivo, pelo que não é da prática da ordem de demolição respeitante à obra de construção referenciada no pedido de licenciamento apresentado pelo interessado que se retira qualquer decisão desse requerimento, e assim, também, a decisão de indeferimento desse requerimento não é meramente confirmativa daquele comando.
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A decisão de não permissão pode suportar a manutenção daquele anterior comando (ordem de demolição), mas não é a sua confirmação, nada tem de confirmativo quanto ao seu objeto, por serem diferentes.
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Não há relação de confirmatividade entre um ato que denega uma permissão (ato ora impugnado) e um anterior ato impositivo assente na inexistência de tal permissão, pelo que o ato impugnado não configura um ato de mera execução e é, por isso, um ato contenciosa e autonomamente impugnável.
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O indeferimento do pedido de licenciamento até pode justificar a manutenção daquela anterior ordem demolição, mas para que fosse possível aproveitar aquele comando anterior, no caso concreto, teria o Réu que ter procedido à suspensão da eficácia do ato de demolição emitido em 03.10.2005 até à decisão final do processo de licenciamento de legalização apresentado pelo Autor a 06.11.2007, o que não se verificou, pelo que há que concluir que aquele procedimento se extinguiu, e que com a entrada deste pedido se deu início a um novo procedimento.
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Ao contrário do que entenderam os M.mos Juízes a quo, os procedimentos/processos administrativos n.ºs 51-2003/203 e 09-532/2007 são totalmente independentes e o ato impugnado configura um ato administrativo contenciosa e autonomamente impugnável, pelo que não têm razão os M.mos Juízes, que incorreram em erro de julgamento ao confirmarem o entendimento do Juiz relator, decidindo pela sua inimpugnabilidade.
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Contrariamente ao entendimento dos M.mos Juízes a quo, não é de todo irrelevante a relevância da audiência prévia dos interessados, atenta a fase do procedimento em causa e todo o seu desenvolvimento anterior, porquanto atendendo a que o ato de indeferimento não consubstancia um ato meramente confirmativo do ato que ordenou a demolição, não pode considerar-se que tenha sido observado o disposto no art.º 100.º do CPA apenas pelo facto de ao Autor ter sido dada a possibilidade de se pronunciar sobre a ordem de demolição, desde logo porque são distintos os interesses que se pretendem acautelar com a garantia da audiência de interessados na sequência de um projeto de indeferimento de uma pretensão urbanística – art.º 24.º do RJUE –, e na sequência da prolação da decisão que determina a demolição de obras particulares – n.ºs 2 e 3 do art.º 106.º do RJUE.
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Ao garantir ao interessado no procedimento urbanístico, que este se pronuncie sobre uma ordem de demolição, pretende assegurar-se que o particular emita pronúncia sobre os eventuais prejuízos causados com a demolição; na audiência de interessados que antecede uma decisão de indeferimento de um pedido de legalização, pretende-se que o particular interessado se pronuncie sobre os fundamentos que estão subjacentes a essa intenção de indeferimento do pedido de legalização, chamando a atenção do órgão competente para a decisão para a relevância de certos interesses ou pontos de vista adquiridos no procedimento, com o que se pretende possibilitar à Administração uma melhor decisão, aproveitando os contributos das partes intervenientes no processo.
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Uma vez concluída a instrução do pedido de licenciamento, em caso de proposta de deliberação desfavorável (indeferimento do pedido de legalização), e salvo o disposto no art.º 103.º do CPA, deve ser promovida, previamente à deliberação de indeferimento, a audiência prévia do interessado, nos termos do art.º 100.º do CPA, i.e., tem, obrigatoriamente, que ser dada a oportunidade ao interessado de demonstrar que a construção ilegal objeto do seu pedido é suscetível de legalização, o que pode fazer, designadamente, através da apresentação de elementos escritos e desenhados que sustentem que a obra é passível de integrar o património urbanístico no respeito pelas normas legais e regulamentares vigentes, mesmo no estado em que se encontra, ou por meio de trabalhos de alteração ou correção.
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No caso concreto, uma vez que no âmbito do procedimento administrativo n.º 09-532/2007, a pretensão do Autor foi indeferida nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 24.º do RJUE, e uma vez que não estamos perante nenhuma das situações em que é permitida a dispensa da audiência dos interessados, nem perante nenhuma das situações em que a mesma inexiste, impendia sobre o Réu a obrigação de promover a audiência de interessados, nos termos do art.º 100.º do CPA.
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Ao contrário do julgado pelos M.mos Juízes a quo, o Réu não estava vinculado à decisão de indeferimento do pedido de legalização, porquanto no caso em apreço existe a possibilidade de conversão da situação infratora, licenciando-se a obra e assegurando-se a sua conformidade com as disposições legais aplicáveis, pelo que não respeitou o Réu o princípio da demolição como medida de ultima ratio, o que torna ainda mais grave a preterição da formalidade essencial da audiência de interessados no caso concreto.
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A audiência de interessados promovida aquando da ordem de demolição não invalidou o direito do interessado a ser ouvido após prolação do ato que revela a intenção de indeferimento da sua pretensão, pelo que o aresto recorrido incorreu em manifesto erro de julgamento ao decidir que o ato impugnado não está sujeito à formalidade essencial de audiência dos interessados, nos termos do art.º 100.º do CPA, e por isso incorreu em manifesta violação desta disposição normativa, assim como do imperativo constitucional consagrado no n.º 5 do art.º 267.º da CRP.
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O acórdão recorrido violou as normas dos art.ºs 100.º e 135.º CPA, e do art.º 267.º n.º 5 CRP, na interpretação e aplicação ao caso em apreço.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência: a) ser revogado o acórdão recorrido por se verificarem os vícios que lhe são imputados; b) ser proferido acórdão que decida pela impugnabilidade do ato impugnado, e em sua consequência, julgue pela procedência da presente ação, assim se fazendo Justiça!” O Recurso Jurisdicional foi admitido por Despacho de 9 de setembro de 2016 (Cfr. fls. 145 Procº físico).
O Recorrido/Município veio a apresentar as suas contra-alegações de...
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