Acórdão nº 02240/08.5BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 22 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução22 de Setembro de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório A MEO – Serviços de Comunicação e Multimédia SA, no âmbito da identificada Ação, intentada pela NOS – Comunicações SA contra a ANACOM – Autoridade Nacional de Comunicações, na qual peticionou, designadamente, a anulação da “decisão relativa à resolução de um litigio … quanto ao pagamento de compensações por incumprimento dos níveis de qualidade de serviço estabelecidos na ORALL…”, inconformada com o Despacho proferido em 06/02/2015 que, em síntese, julgou competente a jurisdição administrativa para apreciar o pedido deduzido contra si, e mais decidiu pela desnecessidade de elaborar despacho saneador, veio recorrer jurisdicionalmente do mesmo, concluindo: “A. A presente reclamação e, à cautela, recurso, tem por objeto o despacho datado de 06.02.2015 que, por um lado, julgou improcedente a exceção de incompetência material parcial do Tribunal e, por outro, decidiu pela desnecessidade de elaborar despacho saneador, por não considerar necessária a abertura de um período de produção de prova, com fundamento na circunstância de que o processo não conteria matéria de facto controvertida relevante.

B. No despacho sub iudice, o Tribunal a quo julgou improcedente a exceção de incompetência material parcial, considerando ser a jurisdição administrativa a competente para apreciar o 2.º pedido deduzido pela Autora, essencialmente por considerar que a MEO estaria a atuar enquanto concessionária do serviço público de telecomunicações – decisão errada e assente em falsos pressupostos.

C. Em primeiro lugar, não é verdade que a MEO estivesse a atuar na matéria que ocupa os presentes autos na qualidade de concessionária do serviço público de telecomunicações.

D. À data dos factos (2006), a MEO já tinha adquirido, através de contrato celebrado em 27.12.2002, a Rede Básica de Telecomunicações ao Estado Português – portanto, não é correto afirmar, como se fez no despacho, que as infraestruturas de telecomunicações que compõem a Rede Básica de Telecomunicações seriam detidas pela MEO porque lhe estavam concessionadas pelo Estado.

E. À data dos factos, portanto, a MEO detinha o acervo de bens que compõem a Rede Básica de Telecomunicações porque era a legítima proprietária dos mesmos, e não porque estes lhe tivessem sido concessionados pelo Estado – as bases da concessão foram, aliás, alteradas nesse sentido pelo Decreto-Lei n.º 31/2003, de 17 de fevereiro (“DL 31/2003”).

F. Por outro lado, nos autos também não se discute uma questão de acesso à Rede Básica de Telecomunicações, mas antes uma questão de cumprimento ou incumprimento dos prazos de resposta para verificação da elegibilidade de lacetes para desagregação – e essa obrigação não consta das Bases da Concessão então em vigor, mas única e exclusivamente da ORALL.

G. Por sua vez, as obrigações constantes da ORALL não foram impostas à MEO pela sua qualidade de concessionária do serviço público de telecomunicações, mas sim na qualidade de entidade privada com poder de mercado significativo em determinado mercado relevante do sector das telecomunicações.

H. A ORALL tem uma origem comunitária, no Regulamento n.º 2887/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro, e não no Contrato de Concessão – e esse Regulamento determina que os operadores com poder de mercado significativo estão obrigados a publicar uma ORALL (cf. artigo 3.º, n.º 1), independentemente de serem concessionários de serviço público.

I. É por isso que, mesmo após a cessação do contrato de concessão da MEO (e expressa revogação do Decreto-Lei n.º 31/2003 pelo Decreto-Lei n.º 35/2014, de 7 de março), a ORALL continua a ser disponibilizada por esta última.

J. A ORALL não pode, portanto, assumir a natureza jurídica de um Regulamento de Concessionário, como o Tribunal a quo sustenta.

K. Em segundo lugar, não é pelo facto de a ORALL ter uma previsão comunitária e estar definido o seu conteúdo mínimo na Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro que se altera a natureza do litígio que opõe a Autora à MEO: este é um litígio de natureza jurídico-privada que deve ser dirimido na jurisdição comum.

L. O âmbito material da jurisdição administrativa é delimitado pelo conceito de “relação jurídica administrativa”. Essa relação só existirá entre privados quando um deles atue no exercício de um poder público, com vista à realização de um interesse público legalmente definido, o que não sucede no caso dos autos quanto à MEO.

M. Não é relevante nem se opõe a estas conclusões a circunstância de o ICP-ANACOM poder intervir na relação jurídica constituída entre os operadores ou que o acesso ao lacete local esteja subordinado a regras legais ou impostas pela Autoridade Reguladora do setor – a conformação das relações jurídicas privadas através de regras aplicadas ou aplicáveis pela autoridade pública sectorialmente competente, não afeta a natureza jurídico-privada originária da relação jurídica.

N. Portanto, o despacho sub iudice, ao decidir pela competência material da jurisdição administrativa para conhecer do pedido de condenação da MEO no pagamento de € 3.075.565,72, violou o disposto no artigo 1.º, n.º 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, já que não está em causa uma relação jurídica administrativa, não sendo este tribunal competente para conhecer de tal pedido.

O. Na mesma decisão, entendeu o Exmo. Juiz a quo que a matéria de facto do processo não se encontrava controvertida e estava documentalmente demonstrada, verificando-se apenas distinta interpretação jurídica quanto aos factos relevantes. Face a essa conclusão, decidiu o Exmo. Senhor Juiz não elaborar despacho saneador, por não ser legalmente obrigatório.

P. Na perspetiva da MEO, é verdade que esta ação poderá decidir-se apenas com a apreciação da questão invocada pelo despacho reclamado – se vier a ser decidido que a Autora estava obrigada a enviar as previsões das suas necessidades de acesso aos lacetes locais (o que não ocorreu) para poder reclamar compensações, a sua pretensão deve julgar-se improcedente, por depender essencialmente dessa premissa.

Q. Porém, a MEO não pode, neste momento processual, pressupor que a decisão irá nesse sentido, mas antes deve equacionar que todas as decisões são possíveis, pugnando pela organização da matéria fática de modo a contemplar as várias perspetivas jurídicas em discussão.

R. Na eventualidade de o Tribunal entender que a Autora não estava obrigada a enviar as previsões de acesso de lacetes...

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